O estudante de Oceanografia que embarcou em uma expedição para a Antártida
Matheus Batista passou quatro semanas em alto mar, em uma intensa rotina de estudos ao lado de outros pesquisadores
Matheus Sacramento Batista tem 25 anos, nasceu no Pará, é formado em Oceanografia e fez algo que poucas pessoas podem dizer que já fizeram: conheceu a Antártida. Em fevereiro de 2024, o jovem embarcou em uma expedição da Marinha brasileira e, ao lado de outros pesquisadores, passou quatro semanas estudando a vida no continente mais frio do planeta.
O jovem, que quer seguir carreira acadêmica e acabou de iniciar o doutorado, conversou com o GUIA DO ESTUDANTE para contar toda a sua trajetória: da escolha do curso de Oceanografia até a seleção para embarcar no Almirante Maximiano, o navio polar da Marinha brasileira. Pode ter certeza, a paixão do estudante pela área vai te inspirar!
Paixão pela água
Matheus é apaixonado pelo mundo aquático desde cedo. Sabia que, quando chegasse a hora de escolher uma profissão, optaria por alguma que tivesse a ver com os segredos e mistérios dos oceanos. Dito e feito! Ao concluir o Ensino Médio, se matriculou em um cursinho para conquistar uma vaga de Engenharia Ambiental ou Oceanografia na Universidade Federal do Pará.
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De início, a ideia preocupou os pais – que, no fundo, torciam mais para o filho passar na engenharia do que no curso que estuda os oceanos. O ano passou, o Enem chegou, e a temporada do Sisu logo era uma realidade. O estudante selecionou as duas opções que desejava e passou pelo processo (angustiante) que todo vestibulando conhece. No fim daquela semana, recebia a notícia: não foi selecionado em Engenharia Ambiental, mas havia sido aprovado em Oceanografia. Assim, em 2017, aos 18 anos, Matheus iniciava o curso na UFPA.
Vocação acadêmica
Ao iniciar a graduação em Oceanografia, Matheus rapidamente percebeu que o curso demandava muitas atividades de campo, frequentemente levando os alunos a praias e estuários (região onde as águas do rio se encontram com as águas do mar, fazendo uma mistura entre água doce e salgada) para observar a vida aquática. Durante essas atividades, seu interesse por entender profundamente esses ambientes e pesquisar suas características cresceu, incentivando-o a seguir carreira acadêmica.
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Não demorou para se envolver com o seu primeiro projeto de iniciação científica, sobre microplásticos em praias do norte do Brasil. O segundo foi sobre o fluxo de dióxido de carbono na interface água-atmosfera em estuários. Os projetos consolidaram de vez a sua paixão pela pesquisa e pelo ensino – apesar das constantes sugestões dos pais para que ele seguisse um caminho mais “seguro”, dos concursos públicos. A vida acadêmica, embora pouco lucrativa, era o que fazia seus olhos brilharem.
Além disso, Matheus explica que o mercado de trabalho para oceanógrafos é limitado, com oportunidades como analista ambiental em empresas de exploração de recursos naturais – como a Vale a Petrobras –, secretarias do meio ambiente ou na Marinha. Mesmo com a escassez de investimentos na área acadêmica, o jovem conseguiu realizar suas iniciações científicas com bolsas do CNPq e, após se formar, emendou logo em um Mestrado.
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No Mestrado, o início do sonho
Aos 22 anos, o já oceanógrafo mudou radicalmente o rumo de sua vida e dos seus estudos: foi do extremo norte ao extremo sul do país. Matheus, que ainda morava com os pais no Pará, se mudou para o Rio Grande do Sul para estudar na FURG, a Universidade Federal do Rio Grande. A universidade, que se beneficia da sua proximidade com três corpos d’água importantes: a Lagoa Mirim, a Lagoa dos Patos (considerada a maior laguna do Brasil) e o próprio Oceano Atlântico, é referência em Oceanografia no Brasil
No Mestrado, se tornou membro do Grupo de Oceanografia de Altas Latitudes. O GOAL, como também é conhecido, reúne diversos pesquisadores de áreas diferentes que estudam os aspectos físicos, químicos e biológicos da vida marinha em regiões de altas latitudes. Entre os lugares estudados pelo grupo, está a Antártida.
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Chegando no fim do Mestrado, em 2023, foi convocado para participar do Cruzeiro do Antártico, uma expedição com outros 20 e tantos profissionais que visa coletar, simultaneamente, material para várias pesquisas diferentes. O estudante não pensou duas vezes: aceitou o convite. Em fevereiro de 2024, pegou um avião em direção a Punta Arenas, cidade no sul do Chile considerada uma das regiões mais próximas da extremidade do continente, e lá, embarcou no Almirante Maximiano, o navio polar da Marinha brasileira.
A viagem para a Antártida
Foram quatro semanas a bordo, navegando pelas águas da Península Antártida. Houve apenas duas paradas em terra firme, as duas na Estação Antártica Comandante Ferraz, a base científica do Brasil no continente. De resto, foram 28 dias de intensas pesquisas em alto mar. Matheus conta que os pesquisadores eram divididos em turnos, um matutino e um noturno.
“Geralmente, ficavam 12 pessoas num turno e 12 no outro, então havia pesquisadores trabalhando 24 horas por dia no navio, sem parar”, explica. “Tinha quem fazia coletas da água, quem fazia avistamento de baleia e outros mamíferos… Então, eram vários pesquisadores especializados em aspectos diferentes da vida marinha, seja da parte química, física e até da microbiologia, que investiga vírus e bactérias“.
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Portanto, não eram apenas oceanógrafos como Matheus que estavam a bordo, mas também profissionais da Biologia, da Engenharia Ambiental e da Química. Do laboratório do jovem, foram doze pessoas. Além dos pesquisadores, os únicos a bordo eram os tripulantes da Marinha, responsáveis por toda a parte técnica da viagem. Não havia turistas.
Ah! O jovem não precisou arcar com nenhum custo, viu? Toda a viagem foi financiada pelo Programa Antártico Brasileiro, com o apoio da Marinha do Brasil. Mas não teve nada de mordomias: ele dividia um quarto com 3 pessoas, e um banheiro com seis.
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Rotina intensa
A rotina, ele admite, era intensa. Os turnos de trabalho duravam 12 horas cada, dividindo exatamente na metade os dias dos pesquisadores. Os do turno matutino começavam às 7h30 da manhã e só paravam às 19h30; neste mesmo horário, iniciavam os do noturno, incluindo Matheus, que iam até às 7h30 do dia seguinte.
“Depois do expediente, quando era de manhã, eu ia para a cama e dormia, geralmente até umas 16h, 17h da tarde, depois acordava e já me preparava para prosseguir para o próximo turno”, relembra. “Trabalhando doze horas, eu tinha as outras doze para dormir e também aproveitar o período livre, então eu jogava, tirava foto, via as paisagens. Às vezes, até conseguia avistar baleias.”
O trabalho do oceanógrafo não era simples. Começava coletando cerca de 9 litros de água do oceano. Em seguida, partia para o laboratório do navio, onde levava a amostragem para cada estação para realizar a filtragem da água. O resultado, então, era retido em um filtro e armazenado em um congelador. As amostras seriam analisadas na universidade, na volta ao Brasil.
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“Na parte que eu fiquei, a gente queria investigar o carbono orgânico que existe dentro da água, isto é, o carbônico orgânico que está atrelado, por exemplo, aos organismos”, explica. “Após as análises, vai dar para quantificar quantos micro-organismos existem naquela região, qual é a produtividade primária dessas águas naquele período. O trabalho não acabava ali na Antártida, na verdade, só começava.”
No início de março, Matheus voltava à terra firme e retornava à cidade de Rio Grande. Com o fim do Mestrado, daria agora sequência a sua próxima etapa na carreira na academia. Mas com uma bagagem que poucos conseguem ostentar. “Foi incrível, algo surreal, cada paisagem, cada iceberg, cada borrifo de baleia, cada pinguim que a gente via, era uma emoção muito grande. Foi muito incrível mesmo!”, conclui.
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