Microplásticos: entenda os impactos no meio ambiente e na saúde humana
Cada ser humano ingere mais de 74 mil partículas de microplástico por ano. Saiba mais sobre o que esse material, tão presente no cotidiano, pode causar
Olhe ao seu redor e tente enumerar tudo que é feito de plástico onde você está. Fica quase cansativo, certo? Afinal, o material está presente em roupas, embalagens, eletrodomésticos, acessórios, enfeites, veículos e em uma infinidade de outros objetos. Agora imagine: para onde vai a caneta quando a tinta acaba? Ou aquela garrafa d’água descartável que você comprou a caminho da escola?
O Brasil é um dos maiores produtores de lixo plástico no mundo, ocupando o 4º lugar como gerador desse tipo de resíduo – e apenas 1,2% é reciclado.
Mas existe uma “categoria” específica desse material que tem causado preocupação em cientistas e tem sido alvo de inúmeros estudos: os microplásticos.
Os microplásticos são plásticos que têm menos de 5 milímetros de extensão. Essas partículas já foram encontradas nos oceanos, no estômago de animais marinhos, na água potável, em comidas e no corpo humano – pesquisas recentes encontraram resíduos no pulmão, na placenta e no sangue.
Mas quais são os seus efeitos? Quais consequências os microplásticos já estão gerando para o meio ambiente e para saúde humana? O GUIA DO ESTUDANTE separou uma série de pesquisas e discussões sobre o tema para você se aprofundar. Confira:
Como se formam?
Os microplásticos podem ter diferentes origens. Uma delas é a degradação de plásticos maiores que, com o tempo, fragmentam-se em pedaços cada vez menores por conta da ação de raios ultravioleta, ondas e o atrito com areias e pedras.
Além disso, os microplásticos podem se espalhar por conta de resíduos industriais e residenciais. Partículas de polietileno, por exemplo, que é um dos plásticos mais baratos do mercado e amplamente utilizado em cosméticos e produtos de higiene, são descartadas no sistema de água, ultrapassam a filtração e acabam nos oceanos.
Riscos ao meio ambiente
Plásticos são um desafio para a natureza e para a vida animal há muitos anos. Principalmente aves e espécies marinhas sofrem tanto pela ingestão quanto pelo entrelaçamento com objetos que contém esse material, que pode demorar mais de 400 anos para se decompor.
Já em relação aos microplásticos, um dos maiores problemas – e o foco de estudo dos cientistas – é a ingestão das partículas e os possíveis danos que podem causar aos organismos.
Para se ter uma ideia, há 14 milhões de toneladas métricas de microplásticos no fundo dos oceanos, segundo artigo publicado na revista Frontiers in Marine Science, o que equivale a 35 vezes mais plástico do que se acredita estar flutuando nas água.
E como isso afeta os animais em termos práticos? Um relatório publicado na revista Scientific Reports em 2019 mostra que todo mamífero marinho tem microplásticos de até 5 mm no organismo. O sistema digestivo de 50 animais de 10 espécies foi analisado para a pesquisa e, embora a quantidade dessas partículas encontradas tenha sido relativamente baixa, os cientistas reforçam que o material é extremamente tóxico e pode ser fatal se ingerido em grande quantidade, principalmente por animais de pequeno porte.
Além da toxicidade da ingestão em si, o material ocupa espaço no sistema digestivo e pode levar à diminuição de sinais de fome. Assim, o animal pode ter sua energia reduzida, o crescimento inibido e sofrer impactos na fertilidade.
Em 2018, uma baleia foi encontrada morta com 40 kg de lixo plástico no estômago, que incluía partículas de microplástico. O D’Bone Collector Museum, de Mbini, nas Filipinas, divulgou que ela havia ingerido sacas de arroz, sacolas de supermercado, sacolas de plantação de banana e sacolas plásticas em geral.
Pesquisadores da Universidade da Califórnia também concluíram que aves marinhas, como albatrozes, petréis e pardelas, ingerem microplásticos por engano, pois o odor que eles exalam é parecido com o dimetilsulfureto, um composto bioquímico do fitoplâncton em decomposição. Estima-se que 90% das aves marinhas tenham microplástico no organismo.
Riscos à saúde humana
Não são apenas os animais marinhos que sofrem com a presença dos microplásticos em seus corpos. Em um estudo divulgado em 2022, cientistas detectaram sua presença no sangue humano. A descoberta, realizada pela Vrije Universiteit Amsterdam, na Holanda, e publicada na revista Environment International, aponta que foram encontradas minúsculas partículas, que podem se movimentar pelo corpo e se alojar em órgãos em quase 80% das pessoas. Para chegar a essa conclusão, os cientistas analisaram amostras de sangue de 22 doadores anônimos, todos adultos saudáveis. Encontraram partículas de plástico em 17 deles.
Embora o impacto na saúde ainda seja incerto, os pesquisadores se preocupam, pois em laboratório, os microplásticos já mostraram que causam danos às células humanas. Elas também são as principais poluidoras do ar, um outro meio pelo qual entram no organismo.
Uma pesquisa realizada por cientistas italianos e publicada na revista Environment International detectou as primeiras evidências da presença de microplástico em placenta humana. Foram identificados 12 fragmentos do material em quatro das seis análises concedidas por mulheres saudáveis que tiveram gestações normais. Uma das hipóteses dos pesquisadores é que isso tenha ocorrido por conta do hábitos das mães, como o uso de cosméticos não naturais.
Poluição microplástica também foi encontrada alojada profundamente nos pulmões de pessoas vivas. A descoberta foi feita por pesquisadores do Reino Unido, em 2022, após analisarem amostras de tecido pulmonar de 13 pacientes – em 11 deles havia a presença do material. O resultado surpreendeu os especialistas envolvidos. “Não esperávamos encontrar o maior número de partículas nas regiões inferiores dos pulmões, ou partículas dos tamanhos que encontramos. É surpreendente, pois as vias aéreas são menores nas partes inferiores dos pulmões e esperávamos que partículas desses tamanhos fossem filtradas ou presas antes de chegar tão fundo”, disse Laura Sadofsky, da escola de medicina Hull York, no Reino Unido, e autora sênior do estudo.
Mas como esse material tem se espalhado tanto e atingido o corpo humano? O microplástico já se encontra no ar que respiramos, nos alimentos que consumimos e na água que bebemos: cada ser humano ingere entre 74 mil a 121 mil partículas de microplástico por ano. O levantamento foi feito por cientistas do Departamento de Biologia da Universidade de Victoria, no Canadá, que analisaram amostras de peixes, moluscos, açúcares, sais, álcoois e água, de torneira e engarrafada.
Existe uma solução?
O plástico é praticamente onipresente no nosso cotidiano e extingui-lo de vez é impossível, segundo os cientistas. Mesmo assim, existem algumas ações que podem diminuir os seus impactos na sociedade e na natureza. Organizações internacionais, por exemplo, defendem que os governos adotem certas iniciativas de contenção à poluição por plásticos.
Entre elas estão uma utilização maior de plásticos reutilizáveis (tanto por parte de empresas quanto de consumidores); o investimento em pesquisas de diferentes setores para se criar um protocolo global, com orientações e formatos específicos para que o plástico seja mais bem reaproveitado; e o incentivo para a mudança de hábitos da população, reduzindo a quantidade de plástico consumido e o lixo gerado por cada um.
A ONU (Organização das Nações Unidas) divulgou, em junho de 2018, um relatório sobre plásticos descartáveis e elaborou um passo a passo para ações governamentais baseado na experiência de 60 países. Confira algumas das recomendações:
- Identificar os plásticos descartáveis mais problemáticos, a extensão do problema e os impactos da má gestão desses resíduos;
- Identificar e engajar as partes interessadas nessas mudanças – varejistas, consumidores, representantes de setores da indústria, governo local, fabricantes, sociedade civil, ambientalistas, associações para o turismo – para garantir uma ampla adesão;
- Conscientizar as pessoas sobre as consequências do uso indiscriminado de plásticos descartáveis (investimento em comunicação);
- Promover alternativas antes que proibições ou restrições sejam colocadas, garantindo que haja pré-condições para sua disseminação no mercado;
- Incentivar a indústria a partir da redução de impostos ou outros mecanismos para auxiliar a sua transição. O relatório reitera que os governos enfrentarão resistência de diversos setores da indústria do plástico e é necessário dar tempo para que se adaptem;
- Utilizar a receita decorrente de impostos sobre os plásticos descartáveis para maximizar o bem público, dando suporte a projetos ambientais, incrementando a reciclagem local, gerando empregos no setor de reciclagem de plástico, entre outras possibilidades.
Para se aprofundar no tema
- “Estamos criando um oceano de plástico?”, primeiro episódio do projeto Mares Limpos, da ONU Meio Ambiente;
- Reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, sobre a quantidade de plástico nos oceanos;
- E-book “Microplásticos nos ecossistemas: impactos e soluções”, produzido em uma parceria entre o Instituto de Biociências (IB) e a Escola de Engenharia de Lorena (EEL), ambos da Universidade de São Paulo (USP).