As guerras que fizeram os gastos militares baterem recorde no mundo
Despesas militares em 2023 chegaram a 2,2 trilhões de dólares, impulsionadas por conflitos em várias partes do globo
Os gastos militares somados de todos os países atingiram no ano de 2023 um valor recorde, chegando a 2,2 trilhões de dólares (10,9 trilhões de reais), considerando os últimos 78 anos, desde o final da Segunda Guerra Mundial (1945). O dado foi divulgado no relatório Balanço Militar 2024 (Military Balance), o principal levantamento internacional sobre o assunto, publicado anualmente pelo Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), de Londres (Reino Unido).
O gasto com armamentos em 2023 cresceu 9% em relação ao ano anterior. A alta das despesas militares no mundo é impulsionada pela multiplicação de guerras, com destaque para a que opõe Rússia e Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022, e para o conflito na Palestina, com a atual escalada bélica iniciada em outubro de 2023, envolvendo o Estado de Israel e o grupo islâmico Hamas.
O gasto mundial com armamentos é maior do que o PIB (produto interno bruto) brasileiro em 2022, ou seja, maior do que o valor de tudo o que o Brasil (9ª maior economia do mundo) produziu naquele ano.
Maiores gastos
Os Estados Unidos são a grande potência militar do mundo, e concentraram 41% do total de gastos bélicos no ano passado, num total de 905 bilhões de dólares (cerca de 4,5 trilhões de reais). Boa parte da bilionária ajuda militar norte-americana à Ucrânia ocorre na forma de encomendas às empresas dos próprios EUA: as quatro maiores fabricantes de armamentos no mundo são norte-americanas.
O segundo país que mais gastou com armamentos em 2023 foi a China, com 219 bilhões de dólares (cerca de 1,1 trilhão de reais). Num plano imediato, o gigante asiático vê-se incomodado pela presença militar dos EUA no oceano Pacífico, sobretudo pela disputa com Taiwan (país apoiado pelos norte-americanos, e que a China não reconhece, pois considera uma província rebelde). Mas, num contexto mais amplo, a China, que possui a 2ª maior economia do mundo, enfrenta uma guerra comercial com os EUA que já se estende por anos, e reforça seu poderio bélico para impor suas posições, em primeiro lugar, na Ásia e no oceano Pacífico, mas também na África, onde estreita as relações comerciais e diplomáticas com diversos países.
A Rússia sustenta o terceiro maior gasto militar mundial, turbinado pelas operações da guerra com a Ucrânia, chegando a 108 bilhões de dólares (535 bilhões de dólares). Isso equivale a cerca de 25% do PIB russo, mostrando que a guerra iniciada com a invasão do território ucraniano está canalizando a produção econômica do país.
Ampliando significativamente seu gasto em 2023, a Índia é o quarto país da lista. Há décadas, enfrenta uma disputa de territórios com o vizinho Paquistão, pois contesta o controle paquistanês sobre a Cachemira, que considera seu território histórico. O conflito chegou ao ponto extremo de os dois países constituírem arsenais nucleares. Outro ponto que explica a ampliação de seu gasto militar é a vizinhança com a China e a disputa geopolítica no sudeste asiático.
Economia de armamentos
Por sua natureza, a indústria de armamentos é um dos balões de oxigênio da economia mundial. Seu funcionamento é relativamente autônomo de mercados consumidores, pois depende sobretudo de encomendas governamentais. É assim que, para vários países ricos, a indústria armamentista dá a segurança de um segmento estável, mesmo com as oscilações do mercado e as crises econômicas globais, como a que foi aberta em 2008.
Para os países mais desenvolvidos, também é importante para garantir o peso geopolítico e a capacidade de se defender, em caso de ataque, ou de estar presente com as suas forças armadas em outros pontos do globo onde seus interesses diretos – políticos ou econômicos – estejam em jogo.
A guerra entre Rússia e Ucrânia vem levando a uma forte alta de gastos militares para os países europeus, principalmente os que integram a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, liderada pelos EUA). Há uma pressão da cúpula da Otan para que seus membros gastem, ao menos, 2% do PIB de cada país com o orçamento militar. Como resultado, os governos se veem levados a cortar destinações a outras áreas do orçamento público – educação, saúde, Previdência Social etc. –, destinando os recursos ao setor bélico. Com isso, crescem as tensões sociais e as crises políticas em diversos países europeus, como se pode acompanhar pelo noticiário.
Conflitos internacionais
Quase oito décadas após a Segunda Guerra Mundial (1945), e mais de 30 anos após a Queda do Muro de Berlim (1989), o mundo está longe de viver um cenário de paz, harmonia e colaboração entre os países. Há conflitos armados ou situações de forte tensão se mantendo ou eclodindo em todos os continentes, com motivações que se iniciaram, em geral, décadas atrás, como:
- O conflito na Palestina, que remonta à fundação do Estado de Israel, em 1948;
- A Guerra na Ucrânia, cuja origem está nas condições de dissolução da União Soviética, em 1991;
- O conflito Índia-Paquistão, originado no processo de independência da Índia e do Paquistão do domínio britânico, em 1947;
- A forte tensão China-Taiwan, gerada desde a Revolução Chinesa e da separação de Taiwan, em 1949.
A Organização das Nações Unidas (ONU), criada ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, se vê em crise por não conseguir cumprir o papel de canal de pacificação e de fórum de debates e de resolução de conflitos em nível global. O poder de veto dos cinco membros permanentes no Conselho de Segurança da ONU – Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido – faz com que a entidade não tenha conseguido aprovar medidas eficazes de ação nos dois grandes conflitos armados atuais, a Guerra na Ucrânia e o embate entre Israel e os palestinos.
Além dos conflitos citados, outros choques armados no mundo acontecem na Síria (Oriente Médio); na região de Nagorno-Karabakh (entre Azerbaijão e Armênia, no Cáucaso); no norte da África e na região do deserto do Saara e sua faixa sul (chamada de Sahel), envolvendo vários países e grupos armados; no Sudão e Sudão do Sul; na região da República Democrática do Congo, Burundi e Ruanda; na Somália; na costa leste africana (Tanzânia, Moçambique); no Iêmen (península arábica); nas Coreias do Norte e do Sul, entre diversos outros. Merece ainda menção a tensão crescente que envolve a pretensão da Venezuela de anexar a parte oeste do país vizinho, a Guiana, ambos na fronteira norte do Brasil.
Esse panorama de tensão em nível internacional, com a multiplicação de focos de conflito, envolve como regra a disputa de países ou grupos armados pelo controle de recursos físicos – sobretudo fontes de energia, como petróleo ou minerais –, de rotas comerciais – sejam terrestres, marítimas ou por estruturas como gasodutos –, de mercados consumidores ou pela soberania política sobre territórios.
Um dos principais sintomas de seu agravamento é a elevação de gastos militares globais. Infelizmente, o relatório recente mostra um volume recorde desses gastos, dado que acaba sendo uma fonte de preocupação, de reflexão e de debate para todos que se preocupam com o futuro das relações internacionais.
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