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Ele garantiu 1000 na redação do Enem citando julgamento do STF

Candidato trouxe ao texto fala do ministro Edson Fachin sobre a demarcação de terras indígenas

Por Luccas Diaz
8 Maio 2023, 16h42
A estudante que tirou nota mil na redação do Enem 2023, Luís Felipe.
Luís Felipe foi na contramão de estudar filósofos e sociólogos: deu preferência a acompanhar o noticiário mundial (Luís Felipe/Arquivo pessoal)
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Se ainda existiam dúvidas sobre a importância de se acompanhar o noticiário para escrever uma boa redação do Enem, esse texto nota 1.000 aniquilou todas as dúvidas. O estudante Luís Felipe Alves Paiva de Brito, de 24 anos, aprovado em Medicina na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), garantiu uma nota máxima em sua dissertação do Enem 2022 citando um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF).

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Sim, um julgamento do STF na redação do Enem! Mas calma, antes de incluir todos os processos do governo federal na sua agenda de estudos, é preciso explicar que Luís não citou detalhadamente o caso. O estudante usou uma fala do ministro Edson Fachin acerca da demarcação de terras indígenas para embasar o seu argumento.

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Na época (setembro de 2021), o ministro do STF defendeu a chamada Teoria do Indigenato que, de forma resumida, afirma que o direito dos povos indígenas à terra deveria ser entendido para além do marco temporal, ou seja, das terras marcadas até a Constituição de 1988, visto que a existência dos povos originários é anterior à própria criação do Estado brasileiro. A declaração repercutiu na mídia e foi celebrada por comunidades indígenas. O processo citado pelo estudante conversa diretamente com o tema proposto naquele ano, “Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil“.

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Além da fala de Fachin, o jovem trouxe ao texto outro aspecto da realidade brasileira saído do noticiário: o garimpo ilegal e a sua consequente contaminação da fauna e flora local. O único repertório cultural presente na dissertação é o poema “Erro de português”, de Oswald de Andrade, apresentado logo na introdução.

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“Quando li o tema eu lembrei de algo que eu vi no jornal, que foi quando o ministro do Supremo Tribunal Federal defendeu que o direito dos indígenas à terra era algo inato e anterior à formação do Estado do Brasil. Eu lembrei dessa fala porque ela me impactou bastante na época”, contou Luís em entrevista ao GUIA DO ESTUDANTE, em fevereiro.

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Para analisar o texto do estudante, e detalhar os motivos por trás da sua nota máxima, convidamos Cora Conte, coordenadora de redação do Colégio Poliedro Campinas. Veja abaixo o texto na íntegra e, em seguida, os comentários da docente.

Espelho da redação do estudante Luis Felipe Alves Paiva de Brito, nota mil na redação do Enem 2022
(Luis Felipe Alves Paiva de Brito/Arquivo pessoal)

Introdução

O poeta modernista Oswald de Andrade relata, em “Erro de Português”, que, sob um dia de chuva, o índio foi vestido pelo português – uma denúncia à aculturação sofrida pelos povos indígenas com a chegada dos europeus ao território brasileiro. Paralelamente, no Brasil atual, há a manutenção de práticas prejudiciais não só aos silvícolas, mas também aos demais povos e comunidades tradicionais, como os pescadores. Com efeito, atuam como desafios para a valorização desses grupos a educação deficiente acerca do tema e a ausência do desenvolvimento sustentável.

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Comentário da professora

Inicialmente, o texto apresenta como repertório sociocultural legitimado – informação com respaldo em uma Área do Conhecimento – o poema “Erro de Português”, escrito pelo poeta modernista Oswald de Andrade. Esse repertório é pertinente ao tema por evidenciar a aculturação sofrida pelos indígenas no Período Colonial e, assim, relaciona-se ao elemento do tema “povos tradicionais no Brasil”, além de trazer que há uma desvalorização desse povo.

A partir de tal repertório, há um paralelo com a realidade de outras comunidades – como as dos pescadores – que também sofrem com a manutenção de práticas prejudiciais na sociedade brasileira. A explicação do repertório e o estabelecimento articulação com outro contexto são essenciais para o nível máximo na avaliação da Competência 2.

Ao final do parágrafo, a tese é apresentada com dois encaminhamentos sobre os desafios enfrentados para a valorização dos povos tradicionais: “a educação deficiente acerca desse tema” [argumento 1] e “ausência do desenvolvimento sustentável” [argumento 2]. Antecipar os encaminhamentos que serão desenvolvimentos nos argumentos demonstra organização do projeto de texto, o que é avaliado na Competência 3.

Vale destacar também que, no primeiro parágrafo, são citados todos os elementos da frase temática, garantindo a abordagem completa do tema.

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Desenvolvimento 1

Diante desse cenário, existe a falta da promoção de um ensino eficiente sobre as populações tradicionais. Sob esse viés, as escolas, ao abordarem tais povos por meio de um ponto de vista eurocêntrico, enraízam no imaginário estudantil a imagem de aborígenes cujas vivências são marcadas pela defasagem tecnológica. A exemplo disso, há o senso comum de que os indígenas são selvagens, alheios aos benefícios do mundo moderno, o que, consequentemente, gera um preconceito, manifestado em indagações como “o índio tem ‘smartphone’ e está lutando pela demarcação de terras?” – ideia essa que deslegitima a luta dos silvícolas. Entretanto, de acordo com a Teoria do Indigenato, defendida  pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, o direito dos povos originais à terra é inato, sendo anterior, até, à criação do Estado brasileiro. Dessa forma, por não ensinarem tal visão, os colégios fomentam a desvalorização das comunidades tradicionais, mediante o desenvolvimento de um pensamento discriminatório nos alunos.

 

Comentário da professora

No desenvolvimento do primeiro argumento, há retomada clara do encaminhamento argumentativo mencionado na tese de modo articulado ao tema: “existe a falta de um ensino eficiente sobre as populações tradicionais”.

Para desenvolver esse tópico, é explicado que há uma visão eurocêntrica sobre esses povos promovida nas escolas, visão que é exemplificada pela menção ao senso comum de que “os indígenas são selvagens”.

Tal ideia é problematizada a partir da explicação da Teoria do Indigenato, defendida pelo ministro Edson Fachin – outro repertório sociocultural legitimado adequadamente articulado à discussão proposta. Além de organizado, o parágrafo desenvolve explicações e explicita as relações entre as ideias com o uso de elementos coesivos.

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Desenvolvimento 2

Além disso, outro desafio para o reconhecimento desses indivíduos é a carência do progresso sustentável. Nesse contexto, as entidades mercadológicas que atuam nas áreas ocupadas pelas populações tradicionais não necessariamente se preocupam com a sua preservação, comportamento no qual se valoriza o lucro em detrimento da harmonia entre a natureza e as comunidades em questão. À luz disso, há o exemplo do que ocorre aos pescadores, cujos rios são contaminados devido ao garimpo ilegal, extremamente comum na Região Amazônia. Por conseguinte, o povo que sobrevive a partir dessa atividade é prejudicado pelo que a Biologia chama de magnificação trófica, quando metais pesados acumulam-se nos animais de uma cadeia alimentar – provocando a morte de peixes e a infecção de humanos por mercúriuo. Assim, as indústrias que usam os recursos naturais de forma irresponsável não promovem o desenvolvimento sustentável e agem de maneira nociva às sociedades tradicionais.

Comentário da professora

O segundo argumento é iniciado com um operador argumentativo de adição, importante para configurar nota máxima na Competência 4. Em seguida, o parágrafo retoma no tópico frasal o encaminhamento apresentado na tese, “outro desafio para o reconhecimento desses indivíduos é a carência de progresso sustentável”.

É exposto que há o descaso das entidades mercadológicas que ocupam as áreas dos povos tradicionais e, para comprovar essa afirmação, é feita a explicação de um exemplo sobre a exploração do garimpo e desenvolvimento de uma consequência desse problema. Vale destacar que, assim como é feito no texto, é essencial desenvolver as explicações e comprovações das ideias mobilizadas no argumento para garantir uma boa avaliação na Competência 3. No fechamento do parágrafo, o tema é novamente relacionado, explicitando a organização interna do argumento.

Ressalta-se que há excelente domínio da escrita ao longo da redação, porém, neste parágrafo, há um desvio de colocação pronominal no trecho “quando metais pesados acumulam-se nos animais”, pois, de acordo com a norma-padrão, o correto é “quando metais pesados se acumulam nos animais”, devido à partícula atrativa “quando”.

Esse desvio, no entanto, não impede a atribuição da nota máxima na Competência 1, que avalia a modalidade escrita da língua portuguesa, já que o texto pode apresentar, no máximo, até 2 desvios. Por isso, a redação alcança a nota máxima nesse critério.

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Conclusão

Portanto, é essencial que o governo mitigue os desafios supracitados. Para isso, o Ministério da Educação – órgão responsável pelo estabelecimento da grande curricular das escolas – deve educar os alunos a respeito dos empecilhos à preservação dos indígenas, por meio da inserção da matéria “Estudos Indigenistas” no ensino básico, a fim de explicar o contexto dos silvícolas e desconstruir o preconceito. Ademais, o Ministério do Desenvolvimento – pasta instituidora da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais – precisa fiscalizar as atividades econômicas danosas às sociedades vulneráveis, visando à valorização de tais pessoas, mediante canais de denúncias.

Comentário da professora

Para introduzir a conclusão, o texto apresenta um operador argumentativo conclusivo, importante para estabelecer a articulação com o parágrafo anterior e para contribuir com a boa avaliação na Competência 4. Em seguida, há apresentação de duas propostas de intervenção. Para garantir nota máxima na Competência 5, o Enem solicita apresentação de uma proposta de intervenção com cinco elementos: agente, ação, modo/meio, finalidade e detalhamento de um dos elementos.

Nesta redação, a primeira proposta é: “o Ministério da Educação [AGENTE] – órgão responsável pelo estabelecimento da grade curricular das escolas [DETALHAMENTO DO AGENTE] – deve educar os alunos a respeito dos empecilhos à preservação dos indígenas [AÇÃO], por meio da inserção da matéria ‘Estudos Indigenistas’ no ensino básico [MODO/MEIO], a fim de explicar o contexto dos silvícolas e desconstruir o preconceito [FINALIDADE]”.

A segunda proposta é: “o Ministério do Desenvolvimento [AGENTE] – pasta instituidora da Política Nacional do Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais [DETALHAMENTO DO AGENTE] – precisa fiscalizar as atividades econômicas danosas às sociedades [AÇÃO], visando à valorização de tais pessoas [FINALIDADE], mediante canais de denúncias [MODO/MEIO]”.

As duas propostas, que apresentam os cinco elementos exigidos, estão articuladas às discussões feitas nos dois parágrafos de desenvolvimento, o que evidencia um projeto de texto bem planejado e estratégico.

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