Depois de conhecer o escritor e pesquisador Daniel Munduruku, Trudruá Dorrico pôde perceber sua identidade, enfim, a partir de um lugar que não era o do preconceito. Ali, quando se entendeu indígena – ou melhor, Macuxi – tudo mudou na sua vida. E ela, que já era pesquisadora de literatura há vários anos, encontrou nos livros e autores indígenas uma forma de se fortalecer e resgatar o que significava ser Macuxi. “Cada livro, para mim, era um caminho mais perto de quem eu era”, conta.
Doutora em Teoria da Literatura pela PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), curadora e autora do livro Eu Sou Macuxi e Outras Histórias – onde, assinando como Julie Dorrico, conta sobre essa tomada de consciência indígena e resgata suas memórias ancestrais – Trudruá tem usado as redes sociais para divulgar a literatura indígena (mas prefere ser chamada de formadora, ao invés de influenciadora). Nos seus perfis pessoais – o Instagram @trudruadorrico e o canal de Youtube “Literatura Indígena Contemporânea”, além da página Leia Mulheres Indígenas que toca com as escritoras Jamille Anahata e Ellen Lima Wassu –, indica autores, destrincha obras, debate narrativas e produções literárias de povos originários.
“Quando falo de literatura indígena, eu não falo só de obras narrativas. Eu falo de povos, de identidades, de nacionalidades, de modos de vida, de cosmogonias e cosmologias que são muito alheias à expressão ocidental. Então, eu falo de mundos,” afirma.
Segundo a escritora, o exercício de ler obras indígenas ajuda a “sonhar melhor”. Também contribui na compreensão sobre onde vivemos e com quais seres dividimos espaço.
O GUIA DO ESTUDANTE conversou com Trudruá e reuniu indicações de livros teóricos e literários para quem quer conhecer mais sobre as questões políticas, sociais e culturais dos povos indígenas. Confira!
1. O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje, de Gersem Baniwa
O último Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) indica mais de 1,6 milhões de pessoas indígenas no país. São mais de 300 povos, com diferentes línguas, culturas e modos de perceber e estar no mundo, que resistem há séculos de colonização, doenças, etnocídios e, até hoje, tentativas de tomar seus territórios tradicionais – caso do Marco Temporal, aprovado na Câmara dos Deputados em junho.
Mas afinal, quem são e como se organizam esses povos? É isso que Gersem Baniwa procura responder no seu livro, abordando didaticamente a diversidade das culturas indígenas e como ela tornou-se motivo de orgulho e fortalecimento da causa. A obra, lembra Trudruá, também narra a história do movimento indígena no Brasil, desde cada assembleia dentro das comunidades até as mobilizações a nível nacional, explicando, por exemplo, como funciona uma associação indígena, os principais desafios enfrentados por esses povos e como passaram a assumir um protagonismo político. O livro olha ainda para temas como educação indígena, ciência e conhecimento tradicional, saúde e as iniciativas produtivas e de desenvolvimento socioeconômico das comunidades.
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2. Coração na aldeia, pés no mundo, de Auritha Tabajara
O livro é uma autobiografia em cordel da escritora Auritha Tabajara – considerada a primeira cordelista indígena do Brasil. Na obra, a autora reconta sua trajetória, desde a infância na sua aldeia em Ipueiras (CE) até a mudança para Fortaleza e, depois, São Paulo. Também passa pela maternidade, o auto-reconhecimento como LGBTQIA+, a vida nas cidades grandes e os retornos para a aldeia.
Desta forma, ela mostra a multiplicidade das vivências indígenas quando se coloca também como mulher, nordestina, migrante e lésbica. O livro foi publicado pelo selo U’KA Editorial, do escritor indígena Daniel Munduruku.
3. Contrapontos da Literatura Indígena Contemporânea no Brasil, de Graça Graúna
Nas suas pesquisas, Trudruá percebeu que não bastava estudar as obras de autoria indígena apenas sob o olhar da teoria literária ocidental. A literatura indígena, afinal, vem de um outro lugar, enraizado na oralidade, na memória, em cosmologias próprias – ou seja, outras percepções do mundo – e na necessidade de demarcar e compartilhar as existências e resistências dos povos originários.
Descobriu então o livro de Graça Graúna, que resgata a forma como estes povos foram representados na literatura brasileira, narra a organização do movimento indígena ao longo dos anos e tece um outro olhar para a produção literária indígena, a partir de perspectivas culturais, políticas, étnico-raciais e históricas.
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4. Mondagará: Traição dos encantados, de Roni Wasiry Guará
O livro de Roni Wasiry Guará resgata uma história de seu próprio povo, o Maraguá, passada de avôs para netos sobre os diferentes tipos de cobras que existem na floresta. Segundo suas crenças, as cobras já foram seres que viviam em um mundo perfeito, junto ao Criador. O livro traz ainda reflexões acerca de alguns valores e mostra como é a relação entre os povos originários e outros seres que habitam o mundo.
Além, é claro, de ser uma aula de biologia. “É pura ciência. Você aprende por que tal cobra tem tal aspecto, por que tal cobra tem tal veneno… é a melhor forma de aprender biologia pra mim”, diz Trudruá.
5. O Caráter Educativo do Movimento Indígena Brasileiro (1970-1990), de Daniel Munduruku
A partir de entrevistas com lideranças indígenas, articuladores políticos e outros atores que viveram as intensas mobilizações indígenas das últimas décadas do século 20, Daniel Munduruku resgata, como se estivesse escrevendo cartas aos seus parentes indígenas, a forma como estes povos se organizaram para contestar a política de integração e tutela imposta sobre eles.
Com a Constituição Federal de 1988, fruto de toda essa mobilização, o Brasil passou a reconhecer os direitos das pessoas indígenas enquanto cidadãos – o que significa que poderiam acionar o Estado caso seus direitos fossem violados. E é aí que mora uma das maiores sacadas do livro, para Trudruá.
“O Daniel explica que a gente sai desse lugar de movimento indígena para indígenas em movimento. E isso, conceitualmente, é muito legal. A gente consegue entender por que aparecem escritores, artistas, advogados, professores, enfermeiros indígenas”, explica. O reconhecimento jurídico que estendeu a cidadania a estes indivíduos permitiu que eles tivessem autonomia de buscar a própria defesa.
6. Canumã: a travessia, de Ytanajé Coelho Cardoso
Este romance, o primeiro escrito por um indígena Munduruku, narra a história de uma família deste povo que migra da aldeia Kwatá (AM) para a cidade, em busca de estudo para os filhos. Alguns problemas reais enfrentados pelos povos indígenas, como as ameaças aos modos de vida tradicionais e o etnocídio, aparecem ao longo das páginas.
Trata-se de um livro que mescla ficção e realidade para documentar as falas dos anciões e a vida na comunidade, salientar a ameaça do desaparecimento da língua e ressaltar a educação como mais uma ferramenta de luta para a garantia de direitos.
7. Descolonizando metodologias: pesquisa e povos indígenas, de Linda Tuhiwai Smith
Se há sempre tantos pesquisadores nas comunidades indígenas escrevendo sobre suas espiritualidades, economias, culturas e modos de vida, por que será que os povos indígenas não saem desse contexto de miséria, empobrecimento, racismo e discriminação? A resposta, para Trudruá, só ficou óbvia depois de ler o livro de Linda: a formação acadêmica, inserida em uma lógica colonial, denuncia a consequência e não a causa dos problemas.
O livro parte do pressuposto de que a ciência ocidental está longe de ser isenta e deve ser questionada. É um conhecimento que parte de práticas racistas e por isso é tão falho quando tenta se debruçar sobre as questões indígenas. A alternativa, então, seria novas práticas de pesquisa decoloniais que colocassem as preocupações dos povos indígenas no centro.
“Essas pesquisas vão mudar radicalmente quando os indígenas entram para a universidade e conseguem exibir de forma direta o real problema que afeta a vida das pessoas dentro das comunidades”, aponta Trudruá.
8. Elatsoe, de Darcie Little Badger
Tem interesse em saber sobre os povos indígenas de outros lugares do mundo? Apesar de ser um livro de fantasia, o infanto-juvenil norte-americano Elatsoe pode ser um primeiro passo. Na história, uma adolescente Apache é alertada pelo fantasma de seu primo de que ele foi assassinado, e promete desmascarar o assassino.
O livro combina mistério e conhecimento ancestral, resgatando mitos e visões de mundo indígenas e os contrastando com elementos da cultura pop.
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