Enem 2022: confira modelos da redação sobre povos tradicionais no Brasil
Professores exemplificam caminhos de argumentação que os estudantes poderiam seguir no texto do Enem deste ano
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Os candidatos que fizeram a primeira prova do Enem 2022 neste domingo (13) dissertaram sobre os “desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil“. A coletânea, composta por quatros textos motivadores, destacava a multiplicidade das comunidades tradicionais, ressaltando que o termo não diz respeito somente aos povos indígenas. Para professores de cursos pré-vestibular, é uma discussão rica e revelante para o contexto atual, com diferentes abordagens possíveis.
A pedido do GUIA DO ESTUDANTE, professores de português elaboraram uma redação modelo do tema cobrado nessa edição. Além de ajudar o candidato que prestou o Enem a ter uma ideia do que esperar da nota, são bons exemplos de argumentação para os vestibulares. Confira!
MODELO 1
No século XIX, a literatura brasileira, por meio do Romantismo, desenvolveu um projeto de identidade nacional marcado por temas que enalteceriam o país por seus símbolos; entre eles, a figura do indígena foi um elemento principal. Entretanto o intuito da valorização não se estabeleceu plenamente, já que as obras são marcadas por repetitivos desrespeitos. Séculos depois e para além da arte, o cenário não se mostra muito diferente, uma vez que as comunidades e os povos tradicionais no território brasileiro são constantemente menosprezados.
Em primeiro lugar, cabe destacar que um dos desafios que dão continuidade à problemática é a visão mistificada atribuída aos nativos nacionais. Isso porque frequentemente eles são alvo de uma representação baseada em estigmas e preconceitos, relegando-os a uma ideia enganosa e racista de reprodução de retrocesso e selvageria. Exemplo disso que perpetua até hoje é a carta de Pero Vaz de Caminha enviada a Portugal caracterizando os aborígenes de maneira folclorizada. Assim, destaca-se o fato de que essa desumanização, em variadas produções artísticas e até escolares, faz parte de uma invisibilidade genocida ao longo da história.
Ademais, é essencial compreender que, desde o período colonial, o Brasil coloca os interesses no lucro em detrimento da proteção, inclusive legislativa, das comunidades originais. Isso se deve ao fato de que, já no século XVI, o país se estruturava na exploração da mão de obra escravizada desse grupo nacional; e ainda hoje se mantém um cenário de perseguição, tendo em vista as violações do que é prescrito pela própria Constituição Federal, que assegura a demarcação de terras às populações indígenas e quilombolas. Dessa forma, vê-se que o foco no capital e na manutenção de poderio econômico de parcelas dominantes se choca com o bem-estar social.
Percebe-se, portanto, que os povos originários são histórica e recorrentemente desvalorizados no território verde-amarelo. Diante disso, cabe ao Governo Federal, por meio do Poder Legislativo, atuar criando leis mais severas a fim de punir aqueles que desrespeitam as normas já estabelecidas, como um caminho ao acesso democrático das terras nacionais. Além disso, a mídia, importante setor na construção de conhecimento da sociedade, deve promover conteúdos engajados e esclarecedores que visem à respeitosa representação das comunidades tradicionais e de seus traços culturais, para que se viabilize uma nação mais consciente e justa. Dessa maneira, será possível romper com amarras coloniais, abandonado os desrespeitos presentes em obras ficcionais.
Isabel Sodré, professora da Descomplica
MODELO 2
Para Aristóteles, “devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de sua desigualdade”. A lógica do filósofo grego traduz a premissa da igualdade, a qual, apesar de basilar em uma realidade democrática, não é colocada em prática no Brasil. Afinal, apesar de extremamente importantes para a preservação cultural e ambiental do país, povos e comunidades tradicionais ainda não têm sua diversidade respeitada e valorizada. Desse modo, é urgente analisar os fatores políticos e culturais desse problema para solucioná-lo.
Com efeito, nota-se que o descaso governamental faz parte dessa dinâmica. Segundo Rosseau, as leis existem para encaminhar a justiça ao seu objetivo. O pensamento do filósofo, contudo, mostra-se parcialmente aplicado no Brasil, pois, mesmo que o Ministério do Desenvolvimento Social tenha criado em 2017 a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, os direitos e a dignidade de populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas, por exemplo, ainda não são plenamente garantidos. Isso ocorre porque não há medidas estatais suficientes que assegurem a esses brasileiros as garantias necessárias para suas próprias formas de organização social. Desse modo, atividades que vão de encontro ao paradigma da sustentabilidade, como invasão de territórios, desmatamento, descarte inadequado de substâncias químicas, por exemplo, são ameaças à vida e, por isso, à valorização desses grupos, já que eles dependem da natureza para viver e produzir.
Além disso, a postura negligente da sociedade é outro desafio que dificulta a resolução da questão. De acordo com o jornalista Gilberto Dimenstein, “só existe opção quando se tem informação”. Sob esse viés, percebe-se que o reconhecimento da importância de comunidades e povos ancestrais não é uma opção diante da evidente desinformação acerca de suas práticas e de seus saberes. Uma das explicações possíveis para esse cenário é a dinâmica escolar brasileira que não promove a inclusão dessas informações em seus conteúdos programáticos; dinâmica que se torna mais grave pelo fato de o Brasil ser um país com alta diversidade cultural. Por conseguinte, crescem discursos preconceituosos – contra povos de terreiro e ciganos, por exemplo – que promovem a naturalização da marginalização desses cidadãos e, assim, o apagamento de importantes e históricos traços identitários da nação.
Portanto, é urgente reverter esse cenário. Para isso, é preciso que o governo execute adequadamente a fiscalização de atividades ilegais que prejudiquem a sobrevivência desses povos. Ademais, a escola deve promover a inclusão de projetos educacionais sobre a importância das comunidades tradicionais por meio de palestras com lideranças políticas desses grupos. Essa medida tem o intuito de disseminar informações sobre suas práticas e valores e, com isso, estimular o respeito e a valorização desses indivíduos. Dessa maneira, sem apagar as diferenças, será possível atingir o ideal aristotélico.
Marina Rocha, professora de redação da Plataforma AZ de Aprendizagem
MODELO 3
O Brazil precisa conhecer o Brasil
No mês de junho de 2022, o indigenista brasileiro Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips foram brutalmente assassinados no Vale do Javari, na Amazônia. Bruno era bastante conhecido na região por dar proteção a povos indígenas de várias etnias, inclusive falando a língua deles. Dom estava escrevendo um livro sobre a Amazônia e, no dia em que foram mortos, entrevistava moradores da região para um livro que iria publicar sobre a Amazônia. O caso gerou grande repercussão na imprensa internacional, e muitos culparam o governo brasileiro pelo descaso com que foi tratada a morte de ambos. Tal episódio é emblemático da falta de cuidado com que vêm sendo tratados os povos tradicionais do Brasil durante séculos de existência.Geralmente, os governos não cuidam dessas populações e, quando alguém como Chico Mendes ou Bruno Pereira se preocupa com eles, podem ter seus destinos tragicamente finalizados, numa clara constatação de que “o Brazil não conhece o Brasil”,como cantou Elis Regina em letra memorável de Aldir Blanc.
Dito isso, é importante lembrar filósofos como Jean-Jacques Rousseau. No livro “Emílio”, o pensador iluminista afirma que a educação é a base da felicidade, e que esta só pode ser alcançada se o homem conviver harmoniosamente com a natureza. Tal relação harmoniosa, no entanto,ainda não ocorre no Brasil, haja vista a falta de cuidado com que grande parte dos brasileiros trata a natureza em si, e, também, o modo negligente com que muitos se relacionam com as comunidades tradicionais. Um exemplo disso pode ser constatado na maneira desrespeitosa com que um recente presidente brasileiro tratou habitantes de um quilombo, afirmando que eram preguiçosos e que pesavam por arrobas. Se a autoridade máxima de um país trata comunidades tradicionais dessa maneira, em quem o povo vai se espelhar para valorizar esses povos?
Além disso, há que se observar a falta de interesse com que parte da nação trata eventos importantes como a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas,(COP26) ocorrida em 2021. No encontro, foram lidos documentos em que diversas entidades reafirmam a importância de se defender a sociobiodiversidade da Amazônia e de se protegerem as culturas históricas e os saberes tradicionais da lógica predatória inerente ao capitalismo. Nada disso parece fazer eco nos ouvidos moucos tanto de representantes da sociedade civil, como de órgãos que existem para cuidar dessas comunidades. É preciso inverter essa lógica. As populações tradicionais, com seus saberes ancestrais, têm muito o que ensinar aos brasileiros.
Para que esse aprendizado ocorra, é necessário que o Governo Federal crie um Ministério específico para os povos tradicionais. Este órgão, por meio de seus representantes,atuará diretamente dentro das comunidades, visitando pessoalmente os pescadores, os extrativistas, as quebradeiras de coco babaçu, as populações ribeirinhas, entre outras, para ouvirem diretamente dessas pessoas as suas necessidades. Além disso, é necessário que os órgãos responsáveis façam prevalecer a recém-criada Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais para que ela preserve, de fato – e não apenas no papel – os direitos dos povos tradicionais e seus saberes ancestrais. Isso certamente ajudará o Brazil a se reconhecer no Brasil.
Evaneide Albuquerque, professora e coordenadora da área de Linguagens do Cursinho da Poli
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