O que é endogamia, mostrada na série “A Casa do Dragão”
Hábito praticado entre personagens na série também foi visto em famílias reais da Europa
“A Casa do Dragão“ (2022-), spin-off da série hit encerrada em 2019 “Game of Thrones“, é um sucesso domingo após domingo. A produção é baseada no livro “Fogo & Sangue”, de George R. R. Martin, e narra as guerras e dramas familiares dos Targaryen e Hightower pelo trono do reino fictício de Westeros. Assim como a sua predecessora, “A Casa do Dragão” é conhecida por ter cenas de tirar o fôlego, com sequências de batalhas sangrentas, dragões cuspindo fogo, e as relações sexuais entre membros da mesma família. Os casamentos consanguíneos, também conhecido como endogamia, são comuns no seriado, representados quase que exclusivamente pelos membros da Casa Targaryen.
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Dentro do universo de “Game of Thrones”, a prática não é nada incomum, e também bem menos chocante do que é para nós. Nesse mundo, um dos traços pelos quais os Targaryen são conhecidos, além dos cabelos brancos e dragões, é justamente esse: a família que casa irmão com irmã, primo com prima, tio com sobrinha etc.
Por aqui, no mundo real, a endogamia é bem diferente do que mostrada na fantasia, e há um enorme estigma social que envolve este tipo de relação. Neste texto, o GUIA DO ESTUDANTE explica as razões da prática e dá um exemplo real de família monárquica que seguiu por esse caminho.
Castelos, dragões e sexo entre irmãos
Segundo a mitologia de “Game of Thrones”, as relações consanguíneas entre os Targaryen é algo que antecede até mesmo a Antiga Valíria, a capital da outrora grande civilização desse mundo fictício. Em Valíria, práticas de endogamia e poligamia eram comuns e vistas sem julgamento. Sendo os Targaryen a única Casa sobrevivente da cidade perdida – que foi destruída em um cataclismo vulcânico – , os hábitos resistiram entre os membros da família.
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Quando, cem anos depois, Aegon, o Conquistador, invadiu Westeros com seus dragões e estabeleceu a dinastia Targaryen no continente, era casado com a própria irmã. Ao se verem como a única família real sobrevivente dos tempos gloriosos de Valíria, os Targaryen uniram o hábito ao propósito: podiam até já ter o costume de se casar entre si, mas agora viam essas relações como uma maneira de manter o sangue valiriano “puro”, ou melhor, o “sangue do dragão” puro.
Em “A Casa do Dragão”, a linhagem dos Targaryen em Westeros já tem mais de um século. São gerações e gerações de herdeiros gerados por membros da mesma família. Entre os personagens que somos apresentados no seriado, temos o Rei Viserys casado com a sua prima Aemma; a filha do casal, Rhaenyra, que se casa com o próprio tio (irmão do seu pai), Daemon Targaryen. Os filhos Viserys com Alicent Hightower, Aegon e Helaena, que se casam e têm filhos juntos.
Para a biologia, a homozigose
Ao longo dos séculos, a endogamia virou objeto de estudo não só dos historiadores e antropólogos, mas também dos geneticistas. Paulo Jubilut, professor de Biologia do curso Aprova Total, explica que membros de uma mesma família possuem ascendentes em comum e, dessa forma, compartilham uma parte significativa do material genético. Alguns podem achar que é até mais “lógico” a reprodução interna, uma vez que os indivíduos já compartilham certa compatibilidade, mas para a genética é precisamente o contrário.
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“Muitas doenças genéticas só se manifestam se a pessoa herdar duas cópias do gene responsável, uma do pai e uma da mãe. Nos casamentos consanguíneos, há mais chances de que ambos os pais carreguem esse mesmo gene, aumentando o risco de doenças nos filhos.”
Na genética, chamamos de homozigose quando um gene possui dois alelos idênticos, isto é, tem uma constituição cromossômica idêntica – AA ou aa, por exemplo. Na prática da endogamia, a probabilidade de homozigose aumenta exponencialmente, uma vez que os pais compartilham mais genes entre si devido à sua semelhança genética. “Isso pode expor genes recessivos raros, aumentando a chance de doenças genéticas.”
Ele explica quanto mais próximo for o parentesco, maior a probabilidade de homozigose para esses genes recessivos. Aegon e Helaena da série são irmãos dos mesmo pai e mãe, o que significa que compartilham cerca de 50% do seu material genético. Considerando ainda que são frutos de uma longa linhagem de reprodução interna, é irreal o fato de terem dois filhos sem nenhuma complicação genética.
“Existem diversas condições genéticas recessivas que os filhos de relações consanguíneas podem ter mais chances de apresentar”, afirma Jubilut. Entre elas, por exemplo, estão a anemia falciforme e a fibrose cística.
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A famosa mandíbula dos Habsburgos
No mundo real, um dos casos mais emblemáticos de endogamia é o da família real dos Habsburgos. Assim como os fictícios Targaryen, a Casa dos Habsburgos (ou a Casa da Áustria) tinha o costume de promover casamentos consanguíneos em nome de garantir o sangue real e facilitar alianças políticas. A casa foi uma das mais importantes famílias da nobreza e se manteve relevante na política europeia por impressionantes quinhentos anos: do século 13 ao 18.
Entre os estados e territórios já governados pelos Habsburgos, inclui-se o Sacro Império Romano-Germânico (de 1273 a 1740), a Áustria (de 1278 a 1918), a Espanha (1516–1700), os Países Baixos (séculos 15 e 16), Borgonha (séculos 15 a 17), Nápoles, Sicília, Sardenha (séculos 16 a 18), Boêmia, Hungria, Croácia (1526–1740), o Ducado de Milão (1535–1740) e Portugal (1580–1640).
A dinastia foi considerada extinta com o Rei Carlos II dos Áustrias, o ramo espanhol da Casa, que morreu em 1700 sem conseguir gerar um herdeiro.
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Conhecido como Carlos II, o Enfeitiçado, o monarca está no centro da discussão envolvendo a endogamia na Casa dos Habsburgos. Em 2019, um grupo de cientistas investigou a relação que a mandíbula proeminente, marca registrada dos Habsburgos, tinha com a endogamia praticada pela família. A verdade é que Carlos II nasceu com diversos problemas de saúde; quando ascendeu ao trono, aos quatro anos da idade, era uma criança com raquitismo e epilepsia.
Além do prognatismo mandibular, os retratos da época mostram que o rei tinha o nariz, os olhos e as maçãs do rosto caídas e murchas; enquanto a cabeça era grande e desproporcional ao corpo miúdo. Outros relatos descrevem que seus dentes não se encontravam, devido à distância entre o maxilar e a mandíbula. Mastigar era uma tortura, e os problemas digestivos lhe causavam frequentes diarreias e vômitos. Era infértil, e segundo relato de suas duas esposas, também sofria de impotência sexual.
Foram relatos e retratos como estes que o grupo de cientistas, composto por 14 pesquisadores da Universidade de Santiago de Compostelam (na Espanha), incluindo cirurgiões maxilofaciais, analisaram da família dos Áustrias. Foram 66 retratos e 15 membros da realeza. No artigo publicado na revista científica “Annals of Human Biology” confirmou-se o que já era suspeito. Os mais de dois séculos direto de endogamia entre os Habsburgos da Espanha resultaram em má formações que atingiram o seu pico com Carlos II.
O rei era filho de Felipe IV da Espanha com Mariana da Áustria, sua segunda esposa e sobrinha. Ao mesmo tempo, Carlos II era filho e primo da própria mãe, e sobrinho-neto do pai.
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