O que é a água virtual, que você toma sem ver
Termo foi cunhado por geógrafo britânico na década de 1990, mas ganhou fama mesmo nos anos 2000
Você sabe o que é água virtual? Independentemente da sua resposta, uma coisa você pode ter certeza: sem ao menos nos darmos conta, consumimos milhares de litros dela diariamente. O termo foi cunhado algumas décadas atrás, inspirado, sobretudo, pelas formas de produção, consumo, e a maneira que utilizamos os recursos naturais. A água virtual atrela ao consumo de água aspectos de cunho social, político e econômico. Uma forma de melhor compreender e comercializar esse importante recurso natural.
Ainda não entendeu onde está, na prática, essa tal água virtual? Neste texto, o GUIA DO ESTUDANTE te explica.
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Água virtual: entendendo o conceito
Além da água que consumimos diretamente todos os dias para beber, cozinhar os nossos alimentos e fazer a higiene pessoal, gastamos outros milhares de litros desse líquido tão precioso indiretamente. Afinal, tudo o que utilizamos no dia a dia como roupas, alimentos e eletrodomésticos precisou de água para ser produzido. Para identificar a quantidade real de água utilizada, foi criado o conceito de “pegada hídrica” – semelhante à “pegada de carbono” –, que mede o consumo da chamada “água virtual”.
A virtual water (“água virtual”, no original em inglês) seria, portanto, um termo criado por ecologistas para quantificar a água utilizada na produção de alimentos, bens e itens de consumo. É a água “embutida” nos produtos desde o início de sua cadeia produtiva até chegar em nossas mãos. Vejamos um exemplo prático para entender melhor.
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O cafézinho da manhã é quase que obrigatório para começar o dia, certo? Pois bem, imagine que, para além da água que você ferveu para fazer o café, existiram centenas de outros litros d’água para que aqueles grãos estivessem prontos para o seu consumo – ainda que na xícara tenhamos apenas 125 ml da bebida. Acompanhe todo o processo da cadeia produtiva do café e repare no papel de água em cada etapa.
- Irrigação das plantas de café: as plantas de café, assim como a maioria das plantas, necessitam de uma quantidade substancial de água para crescer, especialmente em climas quentes onde a evapotranspiração é alta. Essa irrigação pode ser tanto natural – isto é, pela chuva –, quanto artificial, gerada por sistemas de irrigação;
- Lavagem dos grãos: depois de colhidos, os grãos precisam passar por um processo chamado de despolpamento, que consiste na retirada da casca (a polpa) do grão. O que é utilizado para fazer isso? Água! Neste método, conhecido como “processamento úmido”, é ela quem auxilia na retirada da casca e da mucilagem do grão, o deixando pronto para a próxima etapa. Há processamentos secos, mas o úmido segue sendo um dos mais utilizados;
- Torrefação e moagem: essas duas etapas são secas, isto é, não envolvem litros de água diretamente. No entanto, ela entre cena na hora da limpeza e manutenção das duas máquinas, que requerem higienização com certa frequência;
- Transporte e embalagem: aqui também não são envolvidos litros de água diretos, mas é preciso quantificar que há água na produção dos automóveis que levarão os grãos, assim como no plástico e no papel das embalagens que armazenarão o produto;
- Preparo do café: na última etapa, a água volta em cena de maneira direta. É ela quem irá transformar o grão em uma bebida propriamente dita. Embora seja uma quantidade pequena, seria impossível fazer o café sem ela. Lembre-se: na água virtual, cada gotinha conta.
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Sendo assim, para produzir os 125 ml de café presentes na xícara da manhã, foram necessários 140 litros de água. É o equivalente a uma piscina infantil pequena, ou a 70 garrafas de refrigerante de 2 litros. Isso é água virtual. Veja no quadro abaixo mais alguns exemplos.
Repare que os alimentos de origem animal são os que apresentam maior quantidade de água virtual. Meros 150g de carne bovina (algo como um hambúrguer de fast food, ou um bife médio) gastam 2.325 litros. Em um quilo, são aproximadamente 15 mil litros! A água virtual neste caso inclui a água utilizada para irrigar os campos onde o gado é alimentado, a água consumida pelo próprio gado e a água utilizada nos processos de abate e processamento.
Origens e razões do termo
O termo “água virtual” surgiu pela primeira vez no início da década de 1990. Foi criado pelo famoso professor e geógrafo britânico John Anthony Allan, na época associado a King’s College de Londres. O professor cunhou o termo ao estudar maneiras de cessar os problemas de escassez de água no Oriente Médio. Segundo ele, ao importar produtos que exigem abundantes quantidades de água em sua produção, a região poderia aliviar a pressão sobre os seus próprios recursos hídricos – como sabemos, muito limitados. Importar ou exportar água (o elemento em si) não seria impossível, mas quase: requer um sistema e uma estrutura que envolvem altíssimos custos e avançadas logísticas.
O conceito por trás da água virtual, no entanto, já era familiar ao professor. Poucos anos antes, o acadêmico já estudava a embedded water (“água embutida”), termo criado no fim dos anos 1980 pelo autor Gideon Fishelson, da Universidade de Tel Aviv, e que serviu de inspiração para o geógrafo. Fishelson cunhou a expressão ao analisar as exportações de água no estado de Israel, em uma crítica ao governo israelense pela quantidade de água utilizada para produzir e exportar frutas para a Europa.
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Ampliando e aprofundando o conceito criado por Fishelson, Allan chegou na água virtual e passou a difundir a ideia em seus trabalhos acadêmicos. Em 1998, seu texto “Água virtual: uma fonte estratégica. Soluções globais para déficits regionais” ganhou fama e repercussão internacional. Mas foi somente na década seguinte que o termo, de fato, se tornou uma expressão e ferramenta global.
Termo incentiva a consciência?
A água virtual pode ser um eficaz instrumento para nos lembrar do quanto a água está presente em nosso dia a dia. Não só na torneira, no chuveiro ou na panela, mas no celular que usamos, na roupa que vestimos e no carro que dirigimos. No entanto, é preciso ir além. Sim, os altos números chocam e nos incentivam a criar consciência do gasto de água, mas não é somente este o objetivo do termo. Sua principal função – e também o seu maior desafio – é a melhor gestão da água por parte das grandes indústrias.
O alto consumo de água nos países exportadores de alimentos e produtos manufaturados, assim como analisado pelo professor Fishelson, pode levar a uma escassez hídrica e uma má distribuição interna. A dependência do comércio de produtos de origem animal e vegetal por parte das economias de países subdesenvolvidos, como o próprio Brasil, representa um alerta vermelho ao se distanciar de um uso sustentável e racional da água. Que, vale lembrar, é um recurso finito.
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Os países importadores, por sua vez, acabam se beneficiando da água embutida sem lidar com os reais problemas de extração e uso que vem com ela. Por lá, inclusive, é comum haver leis e normas que garantem o uso mais inteligente dos recursos hídricos. Assim, a criação do termo “água sustentável” tem muito mais a ver com a necessidade de se estabelecer políticas comerciais sustentáveis, que aumentem o uso eficiente da água e incentive a cooperação internacional para a melhor gestão hídrica.
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