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“Muitas vozes” – Análise da obra de Ferreira Gullar

Entenda os principais aspectos da obra

Por Redação do Guia do Estudante
Atualizado em 12 abr 2018, 18h11 - Publicado em 3 set 2012, 20h59

Após doze anos sem publicar nenhum poema em livro, Ferreira Gullar volta em 1999 com a obra “Muitas Vozes”. Esse livro representa uma ruptura temática dentro da biografia do escritor, diferenciando-se de grandes obras anteriores tais como “A Luta Corporal” (1954) e “Poema Sujo” (1976). Gullar sempre buscou novos caminhos para a poesia brasileira desde seus primeiros livros, tendo aberto espaço para a poesia concreta no país. Seu segundo trabalho, “A luta corporal” (1954), causou grande impacto no meio intelectual brasileiro por ter uma proposta gráfica muito inovadora para a época. Mais tarde o poeta iria romper com o concretismo e ajudar a criar o movimento neoconcretista, o qual também deixou de lado por volta da década de 1960. Assim, através de experiências diversas com a linguagem e o fazer poético, Gullar consegue firmar-se como um poeta de vanguarda dentro da literatura nacional.

Já em “Muitas Vozes” podemos ver uma poética mais madura. Nesta obra faz-se muito presente reflexões sobre a vida, a morte, memórias da infância, o silêncio e outros temas. Conforme o próprio escritor comentou, este é um livro em que a fúria presente em outras obras suas aparece mais amenizada e o tom geral do livro é de reflexão. O tema da morte, muito frequente no livro, pode ser reflexo das perdas enfrentadas pelo autor durante a década de 1990 – seu filho e sua primeira esposa haviam falecido nessa época. Porém, a morte não é vista com medo ou horror, mas sim como objeto de reflexão. Em contraste ao sentimento de dor e perda que o tema da morte traz, vê-se também a celebração da vida e do amor – Gullar havia encontrado um novo amor em sua segunda esposa, a poetisa Cláudia Ahimsa.

“Muitas Vozes” reúne 54 poemas divididos em quatro partes, sendo que a primeira não recebe nenhum título e as outras três são “Ao rés da fala”, “Poemas recentes” e “Poemas resgatados”. Ao contrário das outras partes, “Ao rés da fala” surpreende pelo ineditismo de alguns de seus temas. Nesta parte, Gullar trata de fatos marcantes em sua vida e chega a dedicar poemas a familiares seus, algo que ele jamais havia feito até então. Estão em “Ao rés da fala”, por exemplo, poemas que tratam de seu exílio no Chile e da morte de sua primeira esposa.

Por fim, convém ressaltar que após anos de experimentação literária e busca por novas formas de fazer poesia, Gullar volta a realizar em “Muitas Vozes” poemas metrificados e rimados – como pode-se notar mais fortemente na terceira parte do livro, “Poemas recentes”. Em seus livros anteriores, a maior preocupação era com a subversão da linguagem, buscando através da escrita “dizer o indizível”, como definiu o próprio escritor, e trazer em forma de poema a própria vida.

Já em “Muitas Vozes” a preocupação central de Ferreira Gullar parece ser a própria palavra e em diversos poemas ele apenas “escuta”, “observa” e “reflete” a vida. Assim, o título do livro pode ser compreendido como a reunião das “muitas vozes” que possuem a poesia de Gullar: as experiências com a poesia formal, o concretismo e neoconcretismo, as temáticas da morte, infância, vida e diversos outros aspectos da poesia do escritor estão todos presentes em “Muitas Vozes”.

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Poemas representativos
“Queda de Allende”
Nesse poema composto em três partes, Gullar volta a refletir sobre suas experiências no Chile. Na primeira parte do poema, o eu-lírico conta sobre o leite que comprou sem saber que nem chegaria a bebe-lo. Já na segunda parte ele fala que mesmo estando à caminho do movimento de resistência ao golpe político, entra na fila para comprar cigarro;. Por fim, na terceira parte o eu-lírico conta sobre os jovens que jogam futebol nos intervalos do tiroteio.

Ao contrário do sentimento de coragem ao defender o presidente Allende que se encontra no poema “Dois poemas chilenos” (do livro “Dentro da noite veloz”), aqui o eu-lírico se preocupa em garantir o sustento do dia-a-dia e observa os jovens que continuam sua vida sem se importar com os acontecimentos que os cercam. Assim, quem fala no poema é o homem comum, despido de qualquer ideologia ou mitificação política.

“Não-coisa”
Esse poema trata de um tema muito recorrente na poética de Ferreira Gullar que é a preocupação com o fazer-poético. Assim, esse é um poema metalinguístico, ou seja, que trata sobre o próprio ato de escrever poemas. Através de uma série de evocações sensoriais (olfato, visão, etc), o poeta chama a atenção para o fato de que um poema é um conjunto de palavras vazias e que só ganha sentido quando é preenchido pelas inúmeras vozes do “nós”. Essa pluralidade de vozes dentro de um poema também é motivo do poema “Muitas vozes”, que segue “Não-coisa”.

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“That is the question”
Mais uma vez o poeta revisa um de seus poemas antigos. Aqui, Gullar reescreve “Dois e dois: quatro” (Dentro da noite veloz), um de seus poemas mais famosos. Em “Dois e dois: quatro” o clima é de mesmo diante das dificuldades deve-se lutar e seguir em frente, pois “a vida vale a pena”. Já em “That is the question” o poeta substitui a certeza matemática por uma pergunta que remete ao famoso “to be, or not to be: that is the question”, de Shakespeare, e reformulado por Oswald de Andrade no Brasil como “tupi or not tupi”. A certeza que se encontrava na ação política é substituída pela incerteza existencial e do próprio fazer literário. Aceitar ou detonar o poema significa aceitar ou negar a ilusão de que um texto é resultado da transformação de uma subjetividade (espaço íntimo onde o indivíduo se relaciona com o mundo social e externo). Tanto aceitando, quanto detonando o poema, ele estaria compactuando de alguma forma com a lógica burguesa contra a qual lutou em “Dois e dois: quatro”.

Comentário do professor
O professor Marcílio Lopes Couto, do Colégio Anglo, comenta que é importante ter em mente que Ferreira Gullar surge ligado à duas tendências: uma seria a poesia concreta e outra a temática social. Assim, sempre foi um destaque na obra do poeta o esforço de modernizar a linguagem poética e também o esforço de falar sobre a realidade brasileira. A obra “Muitas Vozes” pode ser vista como uma síntese de toda a poética de Gullar, estando presente os temas mais caros ao escritor e trabalhados de diversas formas e estilos.

Além disso, essa obra possui um caráter autobiográfico, onde Gullar trata sobre a infância, sexualidade, pessoas próximas à ele, familiares e outros temas íntimos numa tentativa de resgatar sua própria história. Porém, destaca o prof. Marcílio, ao falar de si próprio através e formas e conceitos estéticos variados, Gullar não abandona o outro e adquire um tom universal. Dessa forma, as “muitas vozes” pode significar também as diversas vozes que compõem o poema, além da do próprio escritor. Por fim, essas “vozes” também fazem referência ao próprio som, pois é um livro que trata muito sobre o barulho, o ruído, o som e, porque não, do silêncio.

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Sobre Ferreira Gullar
José Ribamar Ferreira nasceu em 10 de setembro de 1930 em São Luís, Maranhão. Ao completar 18 anos, mudou seu nome para Gullar, uma adaptação do sobrenome de sua mãe, Goulart. Sobre a mudança de nome, Ferreira Gullar declarou que se tudo na vida é inventado, ele também inventaria seu nome.
Publicou seu primeiro livro, Um pouco acima do chão, em 1949, mas esta obra acabou sendo excluída de sua bibliografia oficial. No ano seguinte ganhou um concurso promovido pelo Jornal de Letras com o poema “O galo”. Em 1951, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como revisor na revista “O Cruzeiro”. Além dessa, trabalharia também em outras revistas e jornais.

Em 1954, publicou A luta corporal, chamando a atenção dos irmãos Campos e outros grandes nomes do movimento concretista. Dois anos depois, participa da I Exposição Nacional de Arte Concreta no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP). Em 1959, publica o “Manifesto Neoconcreto” no “Suplemento Dominical” ao lado de Lygia Pape, Amilcar de Castro e outros.

Em 1964 filia-se ao Partido Comunista e funda o Grupo Opinião com Paulo Pontes e outros. Dois anos depois, a peça Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come ganha os prêmios Molière e Saci.
Ferreira Gullar é preso durante a ditadura militar em 1968 e parte para o exílio em 1971. Nessa época reside em Moscou, Lima e Buenos Aires, colaborando para o semanário “O Pasquim”. Em Buenos Aires escreve sua mais famosa obra, Poema Sujo, que foi publicada no Brasil em 1976 e serviu como um ato pela volta de Ferreira Gullar ao país. No ano seguinte, ele retorna ao Brasil. Desde então, o poeta publicou diversos outros livros e ganhou vários prêmios.

Suas principais obras são: “A luta corporal” (1954), “Dentro da noite veloz” (1975), “Poema sujo” (1976) e “Muitas vozes” (1999). Além dessas obras, Gullar publicou também contos, crônicas, peças de teatro e ensaios sobre arte e literatura.

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