Garganta arranhada, pés inchados, corpo dolorido. Quatro dias caóticos no Juca
GUIA acompanhou os jogos de estudantes de Comunicação e Artes de São Paulo e resistiu aos embalos da torcida e a festas intermináveis para contar como foi
por Guilherme Dearo, em Araraquara (SP)
É final de noite de dois de junho. Em oito faculdades de São Paulo, dezenas de ônibus e mais de 7 mil universitários estão a postos para uma das viagens mais esperadas do ano: o Juca, os Jogos Universitários de Comunicação e Artes, que, em sua 17ª edição, promete muitos jogos e festas a 270km da capital, na cidade de Araraquara.
– Feriado reúne milhares de universitários no interior paulista para jogos e muita festa
– Juca 2010: jogos e festas no interior reúnem sete mil estudantes de comunicações e artes
O Juca é mais um dos chamados “inters”, eventos universitários que giram em torno do esporte. As faculdades medem força em várias modalidades. Aqui, os esportes são futebol, futsal, basquete, vôlei, handebol, rugby, tênis, tênis de mesa e natação. Entre uma partida e outra, aquilo que deixa o evento tão especial: festa e integração.
Cada universidade fica alojada em escolas ou clubes cedidos pela prefeitura, que que se transformam em acampamentos, cheios de colchões e barracas. Os banhos são disputados e, na maioria das vezes, gelados. Encontrar banheiros limpos também não é fácil quando existem três ou quatro para centenas de pessoas, sem exagero. Mesmo assim, os estudantes não desanimam. Afinal, é o Juca.
Este ano, o Juca 2010, realizado entre 3 e 6 de junho, mexeu com a rotina de Araraquara – algo comum a todos os inters. Afinal, não é todo dia que os moradores locais convivem com milhares de estudantes da capital vestindo camisetas coloridas, carregando instrumentos de bateria, pulando e gritando sem parar e, em alguns casos, bebendo cerveja nas primeiras horas da manhã.
Já na quinta-feira, primeiro dia de Juca, alguns já não têm vontade de acordar cedo após as primeiras farras no alojamento durante a madrugada. Mas a maioria faz questão de pular da cama no horário. A bateria levanta cedo, veste o uniforme, afina os tamborins, caixas, surdos e ripas, acorda todo mundo para os jogos. Os atletas já estão com os uniformes, tomam o café reforçado, se concentram para a batalha de logo mais. O clima é de que estão todos indo para uma guerra. Não é à toa: ali, agora, o esporte universitário é levado a sério.
Time de handebol da Metodista comemora vitória na semifinal
“O melhor do Juca é entrar em quadra ao som das torcidas dos dois times. Não adianta, você passa o ano inteiro treinando e se esforçando pra isso”, diz Gisele Bambace, do 4º ano de Publicidade da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e goleira do time de handebol ecano.
“É o evento mais esperado do ano, o que mais motiva atleta e torcida. Faz com que todos da faculdade se unam”, conta Tatiana Monteiro, aluna do 3º ano de Jornalismo do Mackenzie e diretora de esportes da Atlética.
HARMONIA ENTRE TORCIDAS (OU QUASE)
Se o clima é de guerra, a torcida é o exército indo apoiar os combatentes em quadra. Cada faculdade veste as suas cores, monta a bateria, pega bandeiras, faixas, cornetas, apitos. E prepara a garganta para os gritos, um mais criativo que o outro. Algumas brigas acabam ocorrendo entre um e outro torcedor, mas o mais comum de se ver são alunos de diferentes faculdades caminhando lado a lado nas proximidades dos ginásios.
Mas uma coisa é certa: nenhuma torcida gosta do Mackenzie, talvez porque ele já tenha ganhado 13 títulos em 17 Jucas. Torcidas como as da Metodista, da Cásper Líbero e da ECA chegam até mesmo a se reunir na arquibancada, criando a onomatopeica e inusitada formação “Metôcaspereca” para lutar contra o inimigo comum.. À massa negra (cor tradicional da faculdade de Comunicações e Artes do Mackenzie) de torcedores, só resta lotar a arquibancada e gritar: “Lo-côôô, loco loco loco locô, isso é Mackenzieee!!!” e ostentar as 13 estrelas, que simbolizam o histórico predomínio do Mack no Juca.
Jogadores de handebol do Mackenzie vencem a Cásper nas semifinais
E há as mascotes também. O Mackenzie tem o tubarão, a Metodista, o caranguejo; a ECA-USP tem o leão, a Cásper, o homem-pássaro; a PUC-SP, o cachorro; a PUC-Campinas, a morsa; a Belas-Artes, a abelha e a Faap tem a girafa. Durante os intervalos, algumas mascotes entram em quadra, disputam pênaltis, simulam brigas – tudo para o delírio geral dos universitários.
“U-NI-VER-SI-DA-DE”
A ECA também não vive só do leão. Desde 2007, o Homem-Boleto é figura marcante na torcida ecana. O personagem satiriza as outras sete faculdades, particulares, em que os alunos precisam pagar mensalidade – daí o boleto. “A ECA é de graçaaa!!”, grita a torcida. A ideia caiu nas graças de todos do Juca.
“Fico enlouquecido nos jogos, tenho muito amor por essa escola. Quando criei o Homem-Boleto, tinha certeza que alguma faculdade iria destruir a fantasia no primeiro jogo, mas ao invés disso outros alunos gostaram tanto quanto os ecanos. Tenho muito respeito pelas outras torcidas e sempre que posso me integro com eles”, diz o autor da ideia, Marcos Paulo Hoff, aluno do 4º ano de Publicidade da ECA. “Menos o Mackenzie!”, faz questão de ponderar.
O Homem-Boleto, símbolo ecano, criado por Marcos Paulo Hoff
Além dos jogos e da animação nas torcidas, os mais de 7 mil estudantes ainda têm que guardar fôlego para as duas festas oficiais, organizadas pela liga oficial do Juca, além das baladas de cada uma das faculdades. Os solteiros deliram.
NOS BASTIDORES, TRABALHO
Enquanto todos se divertem no Juca (Jogos de Comunicação e Artes) e querem que a festa dure para sempre, alguns colegas não veem a hora em que tudo irá acabar – e, enfim, descansarão.
São os membros das atléticas das oito faculdades participantes (Mackenzie, ECA-USP, Universidade Metodista, Faculdade Cásper Libero, Faap, Belas Artes, PUC-SP e PUC-Camp). Desde o ano passado esses estudantes perderam noites de sono planejando e se organizando. Tudo por aqueles quatro dias.
Também, numa sala pequena, no meio de cada madrugada ao longo dos jogos, um punhado de estudantes se reúne para decidir, literalmente, o futuro do Juca. É a Laaca (Liga Atlética Acadêmica de Comunicações e Artes), formada por alunos das oito faculdades.
– Confira as fotos do Juca 2010
Nas reuniões, que vão madrugada adentro, enquanto todos bebem e se divertem nas festas, os membros da Laaca avaliam as possíveis penalidades que as faculdades tomarão por problemas com a torcida (é proibido invadir a quadra, jogar objetos e, claro, brigar, por exemplo). Além disso, eles assumem funções mais burocráticas, mas essenciais, como montar tabelas de jogos do dia seguinte.
“Temos muito trabalho durante o Juca, não só supervisionando os jogos durante o dia como durante a noite, nas reuniões”, conta Eddie, ou Edson Castro, diretor de comunicação da Laaca e aluno do 4º ano de Jornalismo da PUC-SP. “A liga se reúne uma vez por semana, isso desde agosto do ano passado. Mais perto do Juca, chega a ocorrer até três reuniões por semana, que vão até de madrugada”, diz.
Em 2010, a ECA se deu bem. Depois de ganhar pela primeira vez o Juca em 2007, a faculdade da USP levou o bicampeonato dentro de quadra, ao faturar seis ouros e quatro pratas. Ao Mackenzie, que também ganhou seis ouros, restou o segundo lugar e a esperança de que em 2011 mais um título chegue para a coleção, já vasta.
“Quando assumimos a gestão da Atlética no final de 2009 tínhamos o objetivo claro de focar no esportivo, nossa missão era dar o melhor suporte para os atletas e times”, conta Iuquim Netto, aluno do 3º ano de Relações Públicas da ECA e presidente da Atlética.
Meninas do vôlei da ECA se reúnem durante jogo contra a PUC-SP
“Tínhamos ótimas expectativas, mas não vou negar que sabíamos que era muito difícil sermos campeões. Em 2009 fizemos cinco finais, mas perdemos todas. Ficamos em segundo. Sabíamos que se melhorássemos um pouco, nossas chances já seriam grandes. O resultado foi o que ninguém achava que era possível: ganhamos do Mackenzie dentro de quadra”, conta.
O ÚLTIMO DIA…
No domingo, último dia de Juca, todos já estão com sono, cansados, mente e corpo não são os mesmos. Atletas se acabaram em quadra (e em festas). Quem não compete também está cansado: já estão no quarto dia de quase nada (ou nada) de sono, bebida, alimentação pouco saudável e muito exercício físico, seja pulando e gritando na torcida, seja tocando numa bateria.
Algumas torcidas, de faculdades menos expressivas esportivamente, não estão mais nas ruas. Seus times estão fora das finais. As torcidas de Cásper e Metô, e principalmente do Mackenzie e da ECA-USP, tomam as ruas. Para estas duas, há seis finais pela frente, sendo que em quatro delas as duas brigam entre si pelo ouro.
Ao redor do ginásio principal as torcidas das quatro maiores faculdades do Juca se integram e bebem juntas nos intervalos dos jogos. Um torcedor da ECA chama três torcedores da Metodista para torcer junto com a faculdade, sempre contra o Mackenzie. “A ECA tem que ganhar hein, só assim o Mackenzie se ferra!”, diz o ecano. Não longe dali, a torcida vestida de preto do Mackenzie chega confiante.
Torcida aurirroxa da ECA comemora vitória
Jogos universitários como o Juca podem se resumir a muita festa, integração, bebidas e loucuras entre amigos, quatro dias para se esbaldar e, por que não, esquecer… Mas também pode se resumir às lágrimas de um aluno derramadas por sua faculdade. Como justificar um marmanjo universitário que chora pela sua faculdade? Só o Juca explica.
Dois sets a zero. 3º set. Um ponto para o final do jogo, para o final do Juca. A torcida aurirroxa já pula de alegria e canta sem parar. FOOORÇAA ECA!! ECAAA USPÊ!!! Veteranos que já tinham vivenciado outros Jucas e sabiam o gosto da vitória, mas também da derrota; atleticanos que há meses davam boa parte de sua energia e tempo para o esporte universitário e sua faculdade; ex-atleticanos que em tantos outros anos tinham dado igual energia e tempo e sonhavam com aquele momento. Todos esses já choravam e se abraçavam antes mesmo do ponto final. O sonho já era uma realidade. Recepção. Levantada. Cortada. Bola no chão. Apito. Gritos. Pulos. Lágrimas. O Juca 2010 terminava. E a festa estava só começando. Quer dizer, outra festa.