Ao final do dia de trabalho, o pai chega em casa e janta com a família, composta pela esposa e os cinco filhos – o mais novo, um bebê. Conversam sobre amenidades, e o casal é carinhoso com as crianças. A vida parece tranquila, na casa campestre da família Hoss. Há, porém, um incômodo surdo e persistente: o “trabalho” de Rudolf Hoss é o de comandante de Auschwitz, o maior campo de concentração nazista durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), no qual foram assassinados mais de um milhão de pessoas. Esse é o tema de “Zona de Interesse”, filme dirigido pelo cineasta britânico Jonathan Glazer, vencedor do Oscar 2024 de melhor filme estrangeiro.
Embora o filme tenha referências históricas, pois Hoss, sua família e muitos dos chefes nazistas mostrados tenham de fato existido, seu interesse não é o de retratar fielmente fatos reais, mas o de estimular a reflexão sobre o quanto a vida pode ser “normal” em um meio social apoiado na pilhagem, na opressão e no extermínio de seres humanos.
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A confortável casa da família Hoss está encravada bem ao lado da entrada do campo, situada na zona de interesse de Auschwitz, termo alemão para a área de segurança em seu entorno. A residência é separada do campo por um alto muro. Hedwig, esposa de Hoss, se encarregou de expandir a área do imóvel, cultivando um bonito jardim, com uma pequena piscina, uma horta, uma estufa e uma mesa com cadeiras.
A casa e sua área externa são povoadas por arrumadeiras, cozinheiras, babás, jardineiros, marceneiros. Não se fala explicitamente, mas se percebe ao longo da narrativa que boa parte deles vem do próprio campo, em condição semelhante a de escravizados.
Em certo momento, Hoss recebe na sala de casa homens de negócios. São os representantes da empresa que fornecerá novos fornos para a cremação de corpos em Auschwitz. Seja na conversa sobre a capacidade dos fornos, seja no uso ilimitado do trabalho de serviçais cativos, os nazistas tratam os judeus como se não fossem seres humanos. Seus objetivos só são possíveis com a desumanização de suas vítimas.
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O filme incomoda o espectador – lançando mão, às vezes, de recursos com esse propósito –, pois não pode haver paz e bem viver enquanto, ao lado, está em operação um genocídio. Seus sinais transbordam os muros. Perto da casa, em meio ao mato, passa um rio, no qual a família se banha, toma sol e brinca. Ao fundo, porém, as chaminés de Auschwitz ejetam fumaça sem parar, prosseguindo na incineração de seres humanos.
À noite, o clarão das chaminés lembra aos moradores da casa que o horror impera logo ali. Hedwig é visitada pela mãe, encantada com a ascensão social da filha. “Você fez aqui um lugar paradisíaco”, afirma. Mas dá para ignorar o terrível sofrimento humano além do muro ao lado?
O convite à reflexão e ao debate torna “Zona de Interesse” um filme muito indicado aos estudantes do Ensino Médio: suscita interesse histórico pelos fatos ligados à Segunda Guerra Mundial e ao Holocausto – o extermínio de 6 milhões de judeus pelos nazistas –, e leva à abordagem de temais atuais, como as sociedades com grande desigualdade social e a persistência de conflitos armados pelo mundo.
Não foi por mera coincidência que um dos momentos polêmicos da cerimônia do Oscar 2024 ocorreu justamente na premiação desse filme: ao receber a estatueta, Glazer, que é judeu, criticou a ofensiva militar do Estado de Israel contra a Faixa de Gaza.
“Nosso filme mostra onde a desumanização leva, em seu pior aspecto. Isso moldou nosso passado e presente. Neste momento, estamos aqui como pessoas que refutam que o seu judaísmo e o Holocausto sejam sequestrados por uma ocupação que levou muitas pessoas inocentes ao conflito. Tanto os israelenses vítimas do 7 de outubro, como [os palestinos] do ataque em Gaza, são todos vítimas dessa desumanização.”
Aí está! Quando “Zona de Interesse” trata de acontecimentos de oito décadas atrás, aborda temas de âmbito universal. É a grande qualidade desse filme, que merece muito ser visto.
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