Imagine a cena: dois homens do interior paulista desembarcam às margens de um rio, cercados por inúmeros indígenas, com seus arcos retesados e as flechas prontas para o disparo. Os nativos nunca tinham visto de perto gente de outras culturas. Seguros, os dois se mantêm calmos e, aos poucos, conseguem a confiança dos indígenas.
Essa é uma das passagens marcantes de “Xingu”, filme brasileiro de Cao Hamburguer, de 2012. E é inspirada em fatos reais. O filme aborda a vida dos notáveis irmãos Villas Boas, que marcaram a política indigenista em prática no Brasil.
Ainda jovens, Cláudio, Orlando e Leonardo Villas Boas alistam-se em uma das expedições organizadas no governo de Getúlio Vargas (1930-1945) para explorar regiões remotas do interior brasileiro, em 1943. É a expedição Roncador-Xingu, com o objetivo de avançar por áreas inexploradas do Centro-Oeste e Norte do país, preparando caminhos e apontando locais para a implantação de bases militares e futuras vilas e cidades.
Ao encontrarem os indígenas xavantes, porém, os irmãos passam a admirar seus costumes, e tornam-se sertanistas com uma preocupação de preservar as vidas e a cultura dos indígenas. Com a experiência prática, chegaram à conclusão de que, para impedir um genocídio, seria fundamental reservar parte do território brasileiro para que as nações indígenas pudessem se preservar física e culturalmente. Com essa ideia, conceberam e conseguiram, em 1961, a criação da primeira terra indígena brasileira, o Parque Nacional do Xingu, com 27 mil quilômetros quadrados, abrigando 14 diferentes etnias, no norte do Mato Grosso.
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Além de um belo filme, “Xingu” traz muita informação ao estudante sobre os contatos com os indígenas no Brasil a partir dos anos 1940, no contexto de uma política de estado baseada na ideia de ampliação da fronteira agrícola do país e de exploração das riquezas vegetais e minerais do território ao máximo possível. Na visão oficial, os indígenas eram sobretudo um estorvo.
Os irmãos Villas Boas trazem um entendimento de que os indígenas não podem ser vistos como “selvagens” ou “ignorantes”, mas são sobretudo pessoas com uma organização social própria, que deve ser compreendida e respeitada. No entanto, eles não eram ingênuos, e sabiam que sua própria presença em meio aos indígenas já trazia, em si, os elementos de mudanças inevitáveis (por exemplo, uma simples gripe que dizima uma população sem imunidade ao vírus).
Os atores João Miguel, Felipe Camargo e Caio Blat encarnam os irmãos em ótimas interpretações. “Xingu” traz ricos elementos de reflexão sobre a realidade indígena brasileira e amplia o repertório cultural que faz diferença na formação do estudante.