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Sexualização no esporte: por que discutir o uniforme das atletas?

Ao usarem macacões até o tornozelo durante as Olimpíadas de Tóquio, ginastas alemãs reacenderam um debate antigo, mas ainda necessário

Por Julia Di Spagna
Atualizado em 24 fev 2022, 10h52 - Publicado em 10 ago 2021, 21h25
Ginastas alemãs usam calças para combater a sexualização
 (Getty images/Divulgação)
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Mesmo com a maior participação feminina de todos os tempos nos Jogos Olímpicos (48,8%), as mulheres ainda enfrentam desafios que vão além da conquista pela medalha. A igualdade de gênero é uma realidade distante no esporte e um dos exemplos das disparidades no tratamento entre homens e mulheres ganhou destaque nas Olimpíadas de Tóquio, que chegaram ao fim neste domingo (8): a sexualização que as atletas sofrem por meio dos uniformes esportivos. 

Para combater a questão, a equipe alemã de Ginástica Artística decidiu deixar de lado o típico collant da modalidade e se apresentar com um macacão que cobria as pernas. Uma das ginastas, Sarah Voss, já tinha tomado a mesma atitude durante o Campeonato Europeu de Ginástica Artística, em abril, e repetiu o feito com as colegas nos Jogos. 

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O objetivo das atletas é garantir que as mulheres tenham a liberdade de vestir o que quiserem e o que as deixem mais confortáveis. Elisabeth Seitz, outra integrante da equipe, afirmou que o traje permitiu que ela tivesse uma coisa a menos com que se preocupar já que não havia mais o risco de, sem querer, uma parte do seu corpo aparecer durante as apresentações.

Equipe norueguesa

equipe norueguesa de handebol de praia
Equipe norueguesa de handebol de praia. (Instagram/Divulgação)

Em julho, outro caso que ficou famoso foi o da equipe norueguesa de handebol de praia. Durante o campeonato europeu, as atletas se recusaram a jogar com os biquínis que são o uniforme oficial da modalidade, afirmando que eles prejudicavam o desempenho por restringir os movimentos, serem desconfortáveis e pela hipersexualização da peça. O time decidiu usar shorts na partida e foi o suficiente para ser multado em 1,5 mil euros (cerca de R$ 9,2 mil). 

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A justificativa da Federação Europeia de Handebol foi que a escolha das jogadoras “não estava de acordo com as regras sobre o uso de uniformes para as atletas definidas para o handebol de praia”. A regra é que elas usem biquínis com largura lateral de, no máximo, 10 cm e “corte em ângulo ascendente em direção à parte superior da perna”.

Em contrapartida, a equipe masculina não precisa usar sunga, tendo autorização para vestir regatas largas e shorts até aproximadamente a altura do joelho. 

Times de handebol de praia da Noruega - diferença nos uniformes gerou críticas das jogadoras
Times de handebol de praia da Noruega – diferença nos uniformes gerou críticas das jogadoras. (Instagram/Divulgação)

“Vamos continuar a lutar, juntos, para mudar as regras de vestuário, para que atletas possam jogar com as roupas com as quais se sentem confortáveis”, declarou a Federação Norueguesa de Handebol.

Após a polêmica, a cantora Pink publicou um tweet se oferecendo para pagar a multa:

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“Estou MUITO orgulhosa da equipe feminina norueguesa de handebol de praia POR PROTESTAR CONTRA AS REGRAS MUITO SEXISTAS SOBRE SEU ‘uniforme’. É a Federação Europeia de Handebol que DEVE SER MULTADA POR SEXISMO. Muito bem, senhoras. Ficarei feliz em pagar suas multas por vocês. Continuem assim“.

O que ocorreu com a equipe norueguesa e com as atletas alemãs não foram casos isolados. 

Em entrevista à BBC, a jornalista e cofundadora da Dibradoras, plataforma digital que busca aumentar a visibilidade das mulheres no esporte, criticou o sexismo da área. 

“As competições esportivas foram concebidas para homens — esse tipo de incidente deixa isso claro. Em 2021, os dirigentes de organizações esportivas, geralmente homens brancos, ainda veem as atletas como um adorno, que estão ali apenas para agradar aos homens. Caberia às mulheres decidir qual é o melhor traje para elas. Mas, como são poucas as mulheres em posição de comando nas organizações esportivas, as vozes das atletas não são ouvidas”, afirma. Ou seja, o foco não é o conforto das mulheres, mas, sim “agradar e atrair o público masculino”. 

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Em ambos os casos, das alemãs e das norueguesas, a questão vai muito além de banir collants e biquínis nas competições, mas abrir espaço para que as mulheres possam recusar essas peças que tragam desconforto. Afinal, não é a primeira vez que isso acontece. Confira alguns exemplos em que as roupas que as atletas estavam usando, infelizmente, chamou mais atenção do que suas performances:

Tênis

Roupa de Serena Williams inspirada em ‘Pantera Negra’ está proibida, diz dirigente
Roupa de Serena Williams inspirada em ‘Pantera Negra’ está proibida, diz dirigente (Instagram/Divulgação)

Vencedora 23 vezes do Grand Slam e uma das tenistas mais bem pagas do mundo em 2020, segundo a revista Forbes, Serena Williams também não saiu ilesa dos fiscais de uniformes femininos. 

Em 2018, durante o torneio de Roland Garros, a atleta usou um macacão preto para competir, pois tinha acabado de retornar de licença-maternidade e, segundo Williams, a roupa a ajudava em problemas de coagulação sanguínea que enfrentava após o parto. 

Mas o presidente da Federação de Tênis da França, Bernard Giudicelli, desaprovou a atitude e afirmou que a roupa não seria permitida na próxima edição do torneio e que a competição também passaria a adotar um código de vestimenta.

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Vôlei de praia

Nas Olimpíadas de Atlanta (1996), as brasileiras Jaqueline Silva e Sandra Pires ganharam medalha de ouro na modalidade e receberam um pedido estranho após a vitória: elas e as outras medalhistas foram orientadas a subir de biquíni ao pódio, diferentemente de todos os atletas de outros esportes que participam da cerimônia de premiação de calça e agasalho. 

“Quando programam esse tipo de coisa, não vale a qualidade do seu trabalho e, sim, a bunda, o decote, o biquíni, o que não está de acordo”, disse Jaqueline em entrevista à CNN. 

Vôlei de quadra

Até o final da década de 1990, o uniforme feminino do vôlei de quadra era um macaquinho colado ao corpo, que não poderia ter um comprimento superior a 5 cm abaixo da virilha, causava desconforto nas jogadoras e atrapalhava a movimentação. Para se ter uma ideia, eles ficaram conhecidos por “É o Tchan”, em referência às bailarinas do grupo musical. 

Críticas de todos os lados

Recentemente, a atleta paralímpica Olivia Breen foi criticada durante o campeonato inglês por uma funcionária do evento que afirmou que suas roupas estavam “revelando muito” e que era melhor ela comprar shorts. Ou seja, tanto “curto demais” quanto “comprido demais” podem desagradar.

Segundo Tove Leigh, criadora de conteúdo digital e ex-advogada, o caso mostra que, por mais que as situações pareçam contraditórias, partem do mesmo pressuposto. “Os corpos das mulheres são tratados e vistos como ‘o problema’. Nossos corpos são ‘inadequados’ ou não são ‘entretenimento suficiente’”, disse em entrevista à BBC. 

Busca de Cursos

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Mulheres nas Olimpíadas

Embora os Jogos Olímpicos tenham começado em 1896, as mulheres só puderam participar em 1900, sendo autorizadas a competir apenas no tênis e no golfe.

No vôlei, no judô e no boxe, três das modalidades que renderam medalhas ao Brasil em Tóquio, as mulheres só puderam competir a partir de 1964, 1992 e 2012, respectivamente. 

 

Mas, afinal, por que as roupas das atletas incomodam tanto?

Segundo Emily Wughalter, professora norte-americana de Educação Física e Fisioterapia, isso ocorre por causa da “female apologetic” (compensação feminina). Ao praticar esportes, as atletas estariam apresentando características consideradas “masculinas” pelo imaginário popular, como força e agilidade, produzindo “estereótipos de lesbiandade”. E as roupas mais “femininas” seriam uma forma de compensar essa falta de feminilidade das mulheres durante as práticas esportivas. 

O termo foi criado pela pesquisadora em 1979 e, em 2016, a professora canadense Elizabeth Hardy fez uma atualização na teoria de Wughalter, afirmando que o fenômeno da compensação feminina também afeta as chances de progredir na carreira. Isso, porque as atletas que têm um corpo mais padrão e normativo conseguiriam mais cobertura na mídia e mais chances de um patrocínio de grandes marcas.

Esporte e autoconfiança feminina

Em um dos episódios do podcast “Bom Dia, Obvious”, a CEO da Obvious, Marcela Ceribelli, conversou com a educadora física Aline Inocencio sobre a construção da autoestima feminina por meio dos esportes.

“Meninas e mulheres de todo o mundo continuam tendo uma relação conturbada com a prática esportiva. E não é para menos: sempre que avançamos um pouquinho, surgem milhares de críticas sobre a aparência do nosso corpo, nosso desempenho e os comportamentos que precisamos adotar durante a prática. De uma unha cortada e sem esmalte, um coque alto e desajeitado que limpa a nossa visão, passando pela recriminação das roupas que vestimos e até pelo suor que nosso corpo produz naquele momento de esforço. Nossa potência incomoda e às vezes parece que nunca seremos boas o suficiente”.

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