No último dia 9 de março, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) lançou uma nova versão do mapa-múndi, deixando as redes sociais em alvoroço. O motivo da surpresa é que, diferentemente dos mapas que estamos habituados a ver nos livros escolares ou até em rápidas buscas no Google, a nova versão traz o Brasil no centro do mundo.
Entre acusações de “lacração geográfica” e elogios ao decolonialismo, o GUIA DO ESTUDANTE decidiu buscar um professor de geopolítica para explicar: existe posição certa para os países no mapa-múndi? A nova versão do IBGE é imprecisa ou errada? Isso influencia na vida do estudante que aprenderá com o novo mapa?
Entenda abaixo.
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O papel dos mapas na política e nos estudos
Sebastian Fuentes, professor de geografia do Curso Anglo, explica que a cartografia é a ciência que envolve os mapas, sua confecção e análise. Mas essa confecção de mapas está longe de ser isenta. No final das contas, as imagens apresentam a visão da pessoa ou do grupo de cartógrafos que as elaboraram. Tudo em um mapa é uma escolha – quase sempre política.
Para começar, precisamos lembrar que a Terra é um planeta quase esférico (mais especificamente, geoide) flutuando no universo. Portanto não existe, em termos técnicos, uma parte de baixo, de cima, da esquerda ou da direita quando estamos falando do nosso planeta – tudo isso é definido a partir de um ponto de vista. E quando os mapas que conhecemos hoje começaram a ser confeccionados, esse ponto de vista era o do europeu – o que chamamos de visão eurocentrista.
É por isso que muitos mapas em meados do século XVI traziam a Europa exatamente no centro do mundo, muitas vezes até deixando de representar a Austrália ou não apresentando o continente americano em totalidade. Algumas características da época se mantiveram até hoje, como a definição de que a Europa e os Estados Unidos, por exemplo, ficam no Norte, que por sua vez foi definido como a parte de cima do mapa. Foi uma maneira de situar os europeus em uma posição superior e acima dos que hoje compõem o sul-global.
O fato é que nos habituamos tanto a esse padrão que era esperado o estranhamento causado pelo novo mapa do IBGE, que colocou o Brasil no centro do mundo. Ainda assim, não estamos exatamente na vanguarda desse movimento – até porque não existe uma regra que proíba uma nação de criar sua versão do mapa-múndi, posicionando o país onde bem entender.
“Nós temos alguns países como o Japão , a Nova Zelândia e agora o Brasil, que fazem mapas em que o país está exatamente no centro, e este é um posicionamento político”, explica o professor de Geografia, que aponta que o novo mapa do IBGE permite analisar com uma visão mais nacionalista e decolonial o que está em volta do Brasil.
Está se perguntando se isso atrapalha o estudante nas aulas de geografia? A resposta de Fuentes é: depende. Para as aulas de geopolítica o uso do novo mapa pode ser positivo, já que ajuda a entender conceitos como colonialismo e as relações entre os países.
Para as aulas de geografia física, no entanto, ele nem sempre será adequado, exemplifica o professor, citando o fato de que a Ásia fica cortada. “A representação precisa ser adequada às necessidades que você precisa estudar”, afirma.
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Padrão inglês dos mapa-múndi
Nos mapa-múndi mais convencionais, o centro do mundo atravessa o Reino Unido, na Europa, e corta alguns países do continente africano. Convencionou-se que esse seria o “marco zero global” na Conferência Internacional do Meridiano, em Washington, Estados Unidos, no ano de 1884. Foi neste momento que surgiu o meridiano de Greenwich – que ganhou esse nome por atravessar a cidade de Greenwich, na Inglaterra.
A padronização criou o conceito de longitude e ajudou a calcular fuso horários e a distância entre os países. A escolha, porém, não foi aleatória, e mostra quem era a grande potência global do momento: o Reino Unido.
Naquele momento, ele era o centro político e econômico do mundo, sendo a união da Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales. “Assim, os britânicos conseguiram impor sua vontade de ser o ‘centro do mundo’, […] sendo essa mais uma decisão política que nós temos na confecção dos mapas”.
Os mapa-múndi, explica, já existiam antes da conferência, mas o acordo internacional instituiu um marco zero que permitiu um melhor entendimento da organização política dos países.
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A geopolítica da deformação
Mais um padrão decidido na Conferência Internacional do Meridiano foi usar a Projeção Cilíndrica de Mercator, criada no século XVI, para confecção dos mapas. Imagine que para transformar o globo terrestre em uma representação plana, os cartógrafos precisam adotar alguma projeção, já que é impossível fazer uma transposição exata. E cada projeção tem seu ônus: ou a dimensão real dos países é deformada, ou sua forma.
Na projeção usada hoje, a de Mercator, o formato dos países é preservado, mas a área é distorcida. Quanto mais perto do limite do mapa, maior a deformação de tamanho – e um país parecer maior ou menor visualmente, por sua vez, tem influência na geopolítica.
O resultado é que a Europa acaba parecendo maior do que realmente é, uma forma de igualar-se visualmente à riqueza e território da África ou América do Sul, por exemplo. Analisando um mapa que preserva as dimensões, feito com a Projeção Cilíndrica de Peters, percebe-se que, na verdade, o continente europeu é muito menor.
Todas essas versões de mapa-múndi ajudam a compreender o mundo e contam uma história. “Se a África tem muitas terras, assim como a América do Sul que tem muitas riquezas materiais, o que será que pode nos ajudar a entender a grande concentração de riqueza na Europa? O período colonial”, exemplifica Sebastian Fuentes.
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Nuestro norte es el Sur
Não há nada de negativo em um país se colocar no centro do mundo, como o IBGE fez agora com o Brasil. A mudança do mapa é uma escolha e a visão dos seus representantes ou cidadãos sobre a nação, assim como fez o artista hispano-uruguaio Joaquín Torres García na obra “América Invertida” ao virar o mapa todo de cabeça para baixo.
“No seu comentário, ‘Nuestro norte es el Sur’, ou seja, ‘Nosso Norte é o Sul’, o artista faz referência à frase trazida dos europeus ‘preciso encontrar meu Norte’, em que você precisa encontrar a direção correta. Nesta concepção, a direção correta deveria ser o Norte, ou seja, a Europa, mas isso é, mais uma vez, uma visão europeia.”, conclui o professor.
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