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A geopolítica da Copa do Mundo

O futebol pode até ser o esporte mais popular do mundo, mas isso não significa que todos os países estejam competindo em pé de igualdade

Por Paulo Zocchi
Atualizado em 11 nov 2022, 19h25 - Publicado em 8 nov 2022, 12h49
Crianças jogando futebol no Quênia
Crianças jogando futebol em Nairóbi, Quênia. (SOPA/Getty Images)
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Chegamos agora à 22ª Copa do Mundo, no Catar. Esqueça os 11 contra 11 em condições iguais: o momento em que os jogadores pisam o gramado é apenas a conclusão de muitos acontecimentos que vieram antes.

Neste texto, não estamos falando de treinamentos, táticas ou esquemas de jogo, mas da realidade do mundo atual. Estamos tratando da riqueza e da pobreza das nações, do lugar de cada país no globo, das condições de vida das populações. Fatores que, no fim das contas, influenciam muito a prática de esportes.

O futebol é bacana para abordar estes temas: é tido como o esporte mais popular do mundo, praticado em todos os países.

O que é um país?

Reino Unido
O Reino Unido é formado por Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. Todos eles têm times independentes na Copa do Mundo. (Pinterest/Divulgação)

Na Copa, cada seleção representa um país. Mas o que é exatamente um país? Parece óbvio, mas não é: enquanto a ONU (Organização das Nações Unidas) agrupa 193 países, a Fifa (federação mundial do futebol) reconhece 211 seleções nacionais. Como se explica essa diferença? Basicamente, pelo fato de que a definição de país depende de vários fatores. Pode-se dizer que um país é um Estado com território definido, população permanente, governo, soberania nacional e reconhecimento internacional.

Por depender de reconhecimento, as relações diplomáticas influenciam a avaliação. Um exemplo é Taiwan. Apesar de ter fronteiras, instituições e 24 milhões de habitantes, a ilha não é reconhecida como país pela ONU, pois a China a considera uma província rebelde – e impõe sua posição aos demais. Já a Fifa a reconhece.

+ A Guerra Civil que deu origem às tensões entre China e Taiwan

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Na ONU, os britânicos estão representados pelo Reino Unido, país que nos campos de futebol é representado por quatro seleções: Inglaterra e País de Gales, que estão na Copa do Catar, Escócia e Irlanda do Norte, que não se classificaram. O país é um só no sentido institucional e político, mas as suas quatro unidades têm costumes, línguas e tradições específicas.

Apenas sete minúsculos países aderentes à ONU não participam da Fifa, como o principado de Mônaco e a ilha de Palau, no oceano Pacífico. Em sentido contrário, a Fifa reconhece como países Hong Kong e Macau (regiões administrativas da China), Palestina (sob controle de Israel) e Porto Rico (território associado aos EUA), entre outros.

Ricos x pobres 

Camisas de seleções europeias
No Azerbaijão, camisas de seleções europeias que jogaram a Eurocopa 2020 no grupo A. O continente concentra a maior parte dos títulos de Copa do Mundo. (Naomi Baker/Getty Images)

A riqueza de uma nação conta muito para o desempenho esportivo de um povo, pois as pessoas precisam ter condições básicas satisfatórias, como casa e comida, para poder inserir com qualidade o esporte em sua vida.

Claro que não há determinismo, mas há facilidades e tendências. Veja: a riqueza bruta das nações é medida pelo PIB (produto interno bruto), que soma tudo o que é produzido num ano. Entre os dez países com o maior PIB do mundo hoje, sete estão na Copa do Catar, e quatro deles – Alemanha, Inglaterra (Reino Unido), França e Itália – têm juntos mais da metade dos títulos das Copas do Mundo: 11 títulos das 21 já disputadas. Dos dez, apenas a Índia jamais disputou a copa. O top 10 soma 2/3 do PIB mundial.

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Países com menor e maior PIB do mundo
(Julia Ruivo/Guia do Estudante)

+ Entenda como o PIB é calculado

Já entre os dez países com o menor PIB (somam juntos apenas 0,01% da produção mundial), nenhum jamais participou da competição. Entre eles, pequenas nações da África, do Caribe e da Oceania.

Fatores como a disseminação do esporte e a tradição ajudam muito, e o Brasil está aí para provar. População grande também, mas, como se sabe, China e Índia jamais tiveram seleções de destaque.

Seleções com mais títulos na copa do mundo
(Julia Ruivo/Guia do Estudante)
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O que diz o IDH

Crianças moçambicanas assistem classificatórias da Copa do Mundo
Crianças moçambicanas assistem as classificatórias para a Copa do Mundo de 2010. Moçambique nunca jogou uma Copa. (Gallo Images / Correspondente/Getty Images)

Outra forma de computar a riqueza das nações é pelo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Ele mede não só a riqueza bruta, mas o seu impacto no nível de vida das pessoas, por meio de três índices: expectativa de vida (inclui acesso à saúde e bem-estar geral), educação (dados sobre o nível geral de escolaridade) e a renda per capita.

Esse índice aponta realidade semelhante à do PIB: entre os 10 países com maior IDH, 5 estão na Copa (incluindo a tetracampeã Alemanha), e apenas um nunca participou: a pequena Hong Kong.

países do maiores e menos IDHs do mundo
(Julia Ruivo/Guia do Estudante)

Nenhum dos dez países com pior IDH – sendo 9 africanos e um da península arábica – participou de uma Copa, mesmo havendo alguns relativamente populosos: Iêmen e Moçambique possuem mais de 30 milhões de habitantes. Entre os dez, estão os países com a menor média de anos na escola – Burkina Fasso e Níger, com 2 anos e 1 mês de educação formal –, a menor expectativa de vida ao nascer – o Chade, com 52 anos e 6 meses – e a menor renda per capita – o Burundi, com 732 dólares ao ano por habitante.

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Em meio a tanta dificuldade, não dá para jogar bola bem.

Um mundo de línguas

Na fase de grupos da Copa, haverá 48 partidas. Em 5 delas, os jogadores das seleções compartilham a mesma língua, como em Inglaterra x Estados Unidos, ou Argentina x México. O inglês é a língua oficial de sete dos 32 países representados, seguido por espanhol e francês, com seis países cada.

A explicação é histórica: Inglaterra, França e Espanha foram grandes impérios coloniais do passado e espalharam suas línguas, costumes e cultura por boa parte do mundo. Mesmo nações nas quais a população pratica diversas línguas regionais, como Gana, na África, o idioma da antiga metrópole prevalece como oficial – no caso, o inglês. Outros países são multilinguísticos, como a Suíça, que apresenta inglês, francês e alemão como línguas oficiais.

+ Filmes e livros para entender a colonização da África

Alta tensão em campo

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Argentina e Inglaterra enfrentaram-se em campo na Copa do Mundo do México, em 1986

Conflitos que permeiam o mundo atual envolvem boa parte dos países, incluindo os da Copa. A ONU hoje mantém 12 forças de paz ativas em locais de conflitos pelo globo, que contam com a colaboração ativas de diferentes países, que enviam soldados, oficiais, policiais ou especialistas. Dos 32 países presentes no Catar, apenas 2 não têm nenhuma participação nestas 12 missões: Arábia Saudita e Costa Rica. O Brasil, depois que encerrou a missão no Haiti (onde tinha centenas de soldados), integra agora 8 missões, com 82 pessoas enviadas – 41 oficiais, 22 especialistas, 11 policiais e 8 soldados.

Há jogos que envolvem forte tensão geopolítica. O caso mais agudo é o de Estados Unidos X Irã (marcado para 29 de novembro), que mantêm um conflito diplomático intenso nas últimas 4 décadas, desde a Revolução Islâmica de 1979. Nos anos 1980, os EUA sustentaram o Iraque em 8 anos de guerra contra o Irã. Em 2002, os norte-americanos inseriram o regime iraniano na lista de países do “eixo do mal”. Há décadas, o Irã sofre sanções econômicas lideradas pelos EUA, e seu regime se situa como inimigo da Casa Branca e de sua influência no mundo. Lembre-se que esta Copa é bem pertinho do Irã!

+ Irã, Arábia Saudita e petróleo: entenda a Guerra Fria do Oriente Médio

Outra rivalidade geopolítica forte pode se expressar, nas oitavas ou nas quartas de final, caso se cruzem Inglaterra (grupo B) e Argentina (grupo C), que travaram uma guerra em 1982 pelo controle das ilhas Malvinas – chamadas de Falklands pelos britânicos –, arquipélago próximo à costa argentina. A guerra, iniciada com a ocupação das ilhas pelas tropas da Argentina – na época, sob ditadura militar –, acabou 50 dias depois, com centenas de argentinos mortos pelas tropas britânicas. A Argentina capitulou, mas não se conforma: insiste em negociar a soberania do arquipélago, e o Reino Unido não aceita. Quando se encontram, sempre sai faísca!

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