Entenda a briga por trás do aumento do preço dos combustíveis
Sucessivas altas nos preços levaram caminhoneiros a pressionar o governo Bolsonaro, que tenta resolver reduzindo a arrecadação dos estados com ICMS
Desde o início do ano, a Petrobras fez sucessivos reajustes de preços de combustíveis. No último, anunciado na quinta-feira (18), o preço médio de venda de gasolina nas refinarias da estatal passou a ser R$ 2,48 por litro, um aumento médio de R$ 0,23 por litro, enquanto o preço médio do diesel foi para R$ 2,58 por litro, R$ 0,34 mais caro. Essa é a quarta alta do ano nos preços da gasolina e a terceira no diesel.
Com mais esse reajuste, o diesel e a gasolina já acumulam alta de, respectivamente, 27,5% e 34,8% em 2021. De acordo com pesquisa semanal da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), nos postos, a gasolina está 5,8% mais cara desde a primeira semana do ano.
Os frequentes aumentos têm gerado insatisfação entre os caminhoneiros, que há meses vêm pressionando o governo Bolsonaro para frear a alta. A categoria chegou, inclusive, a ameaçar uma greve de âmbito nacional – assim como aconteceu em maio de 2018, com a Greve dos Caminhoneiros. Diante das reclamações, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) – que tem nos caminhoneiros uma importante base de apoio – não sinalizou uma mudança oficial na política de preços da Petrobras, mas começou a falar sobre alterar a estrutura de tributação do setor para atenuar os preços.
No dia 12 de fevereiro, o governo encaminhou ao Congresso Nacional uma proposta que altera a cobrança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), imposto estadual, sobre combustíveis. O projeto de lei complementar ainda precisa ser aprovado, mas prevê que o imposto passará a ter um valor fixo por litro de combustível, a exemplo de impostos federais PIS, Cofins e Cide. Atualmente, cada Estado tem competência para definir a alíquota do ICMS. Nesta outra matéria do GUIA, entenda como é formado o preço dos combustíveis.
Os secretários estaduais de Fazenda, por sua vez, criticaram a proposta do governo, afirmando que o aumento do preço dos combustíveis não tem relação com a política tributária dos Estados, e ainda culparam a Petrobras pela escalada no preço do diesel. A empresa, por sua vez, segue a política de preços que considera o preço do barril no mercado internacional (em dólar, que tem se valorizado em relação ao real), como vamos contar mais adiante!
Além do projeto sobre o ICMS, Bolsonaro disse em live na última quinta-feira que irá zerar por dois meses, a partir de 1º de março, os impostos federais no diesel. Atualmente, 9% do que incide nesse combustível equivale a recolhimentos da Cide, PIS e Cofins. Ainda não foram informados o impacto da isenção dos tributos sobre o diesel e de onde sairá a compensação pela medida – com o orçamento já estourado, abrir mão da arrecadação de tributos é ter menos dinheiro para pagar as contas. Nesse período de dois meses de isenção, o governo estudaria medidas para buscar zerar os tributos federais sobre o produto no longo prazo.
“Vamos estudar uma maneira definitiva de buscar zerar esse imposto no diesel. Até pra ajudar a contrabalancear esse aumento, no meu entender, excessivo, da Petrobras. Mas eu não posso interferir nem iria interferir na Petrobras. Se bem que alguma coisa vai acontecer na Petrobras nos próximos dias. Você tem que mudar alguma coisa”, falou Bolsonaro, ao criticar a política de preços da estatal durante a live.
Depois de criticar a Petrobras, chamando de “excessivos” e “fora da curva” o quarto aumento nos combustíveis, Bolsonaro anunciou na sexta-feira (19) a substituição do atual presidente da companhia, Roberto Castello Branco, pelo general Joaquim Silva e Luna. A troca ainda precisa ser conformada pelo Conselho de Administração da empresa.
Nesta segunda-feira (22), o jornal O Globo também informou que, nos próximos dias, Bolsonaro deve assinar um decreto que vai obrigar os postos de gasolina a apresentarem aos consumidores o valor de impostos cobrados sobre combustíveis. Conforme o jornal, que teve acesso ao documento, os postos deverão exibir informações como preço de referência para cobrança do ICMS, valor do PIS/Cofins e valor da Cide, além de valor médio regional dos produtos. Todos esses dados deverão ser expostos em painéis visíveis aos clientes.
O novo decreto também traz que os estabelecimentos serão obrigados a detalhar informações relacionadas aos valores promocionais concedidos por meio de aplicativos de fidelidade – tipo de promoção adotada pelas principais redes de combustíveis. Em um painel deverão ser apresentados o preço real do combustível, o preço promocional vinculado ao uso do aplicativo e o valor do desconto.
Mas por que a Petrobras tem aumentado os preços dos combustíveis?
A Petrobras orienta sua política de preços pelo Preço de Paridade Internacional (PPI). Sendo assim, os preços dos combustíveis praticados nas refinarias são reajustados conforme a cotação de barril de petróleo, negociado em dólar, e a taxa de câmbio.
O petróleo é a matéria-prima dos combustíveis e costuma ser usado como referência na formação dos preços dos seus derivados, como a gasolina e o diesel. Dessa forma, quando a cotação do petróleo sobe nas principais bolsas de valores do mundo, a Petrobras também revisa seus valores no Brasil.
Neste mês, conforme o Estadão, o preço do petróleo subiu por causa do frio nos Estados Unidos, que fez com que o consumo aumentasse e os estoques do produto baixassem em quase 6 milhões de barris. A Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) também indicou cortes de produção e, consequentemente, uma oferta restrita do produto para forçar ainda mais a valorização do barril de petróleo. Portanto, com a expectativa de que haja mais demanda do que oferta do produto no mercado, o preço está ficando mais caro.
De acordo com o portal G1, em nota na quinta-feira, a Petrobras afirmou que esse alinhamento dos preços “é fundamental para garantir que o mercado brasileiro siga sendo suprido sem riscos de desabastecimento pelos diferentes atores responsáveis pelo atendimento às diversas regiões brasileiras”.
Analistas ouvidos pela BBC News Brasil apontaram que os preços internos dos combustíveis estão defasados e, por isso, o esperado ainda são mais reajustes. Em contas feitas pela corretora Ativa Investimentos, à CNN Brasil, há ainda uma defasagem de 5% entre o último preço da gasolina reajustado e o quanto o combustível deveria estar custando se estivesse totalmente alinhado ao do mercado internacional.
Quais os impactos desses aumentos?
A alta nos preços de combustíveis vai começar a pesar no bolso da população, porque a tendência é que os donos de postos repassem a maior parte da alta para as bombas. Consequentemente, isso também vai se refletir na inflação.
Pelas contas do professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, ao jornal O Globo, o IPCA continuará acelerando neste começo do ano e deve chegar a 6,8% em junho, na taxa de 12 meses. O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), apurado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), é o principal indicador da inflação. Ele registra os gastos mensais das famílias e faz a média da variação de preços pagos por produtos e serviços em um período. Os produtos e serviços que entram no cálculo da inflação são: alimentação e bebidas; artigos de residência; comunicação; despesas pessoais; educação; habitação; saúde e cuidados pessoais; transportes e vestuário. Com a inflação mais alta, o resultado é a diminuição no valor de compra.
Outro impacto importante é no valor do frete de todos os produtos transportados por rodovia (o principal método de escoamento no Brasil). O preço do diesel afeta diretamente esse valor e o custo maior de transporte é repassado aos consumidores finais. O diesel também influencia o preço do transporte público e é mais um ponto preocupante. Segundo a BBC News Brasil, cerca de 30% do custo da passagem do ônibus urbano é derivado do preço desse combustível. Como sabemos, o aumento da passagem de ônibus em 2013 levou a vários protestos populares. As crises econômica e política se agravaram e acabaram levando a então presidente Dilma Rousseff, que também tentou controlar a alta do preço dos combustíveis, ao impeachment.