Ciclo sem fim? Por que a violência contra a mulher ainda persiste
Confira dados recentes sobre o tema e o que especialistas sugerem para pôr fim à violência de gênero
848.036. Essa foi a quantidade de vezes que o número 190, da Polícia Militar, foi acionado em 2023 para reportar episódios de violência doméstica. No mesmo ano, o número confirmado de mulheres que sofreram esse tipo de violência foi de 258.941, o que representa um aumento de 9,8% em comparação com 2022. Em relação a ameaças, houve um crescimento de 16,5% – 778.921 em números absolutos.
É isso que aponta o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, de 2023, divulgado todos os anos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os dados se baseiam em informações fornecidas pelas secretarias estaduais do setor, pelas polícias civis, militares e federal, e outras fontes oficiais da área da segurança pública.
No mesmo levantamento, foi indicado que as mulheres sofreram 9,2% mais tentativas de homicídio em 2023 do que em comparação com 2022, com 8.372 casos registrados. Já os casos de feminicídio, definido por lei como o assassinato de uma mulher somente por conta de seu gênero, foram de 1.457 em 2023, um crescimento de 0,8% em relação ao ano anterior. De todos os assassinatos registrados, 90% deles foram cometidos por um homem.
O Anuário também mostrou aumento recorde, de 8,2%, dos casos de estupro no último ano. Além disso, houve crescimento de 49,7% dos registros de assédio sexual e de 37% de importunação sexual.
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Quais os motivos para esse aumento?
Mas, afinal, o que está impulsionando o crescimento da violência generalizada contra a mulher? Por que, apesar de uma maior conscientização e esforços por parte de organizações e governos, os índices continuam a subir? A resposta a essas perguntas envolve fatores culturais, sociais e até econômicos.
Segundo Letícia Godinho, pesquisadora da Fundação João Pinheiro, e Denise Mota Dau, secretária de Enfrentamento da Violência contra a Mulher do Ministério das Mulheres, uma das explicações está na ascensão de “movimentos ultraconservadores” e no desmonte das políticas de proteção.
O ultraconservadorismo, segundo elas, coloca a igualdade de gênero como um inimigo a ser combatido, gerando uma reação de violência contra mulheres que tentam romper com estereótipos e seus papeis históricos.
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Denise ainda ressaltou, em audiência pública na Câmara dos Deputados, que vários países da América Latina que conseguiram conter outras formas de violência não tiveram sucesso em combater a violência contra mulheres. Por essa razão, ela defende ações específicas com foco em gênero.
A presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Mulheres, Lêda Borges (PSDB-GO), concorda. Para ela, uma das maneiras de quebrar o ciclo da violência é a independência econômica das mulheres. Na mesma audiência, ela sugeriu a criação de casas de acolhimento para as vítimas de violência – que temem ficar desamparadas se denunciarem seus agressores – e a inserção delas no mercado de trabalho.
“A gente vive em uma sociedade que ainda é muito conservadora, bastante machista e que normaliza, banaliza e expõe mulheres a situações de violência”, completa Vivianne Ferreira, professora de Direito na Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Vivianne destaca que as alterações na legislação, o próprio reconhecimento do crime de feminicídio e uma maior conscientização sobre o que é a violência doméstica ajudam a combater as estatísticas. Além disso, os dados de levantamento como o do Anuário auxiliam no entendimento dos crimes, para que o Estado possa dar uma resposta adequada em termos de políticas públicas.
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Leis que combatem violência contra a mulher
No Brasil, existe uma série de leis que foram criadas em prol da proteção da mulher. A mais conhecida é a Maria da Penha. Veja abaixo no que consiste cada uma:
- Lei Maria da Penha (11.340/06): a principal lei brasileira que trata da violência doméstica e familiar contra a mulher. Ela oferece uma série de medidas protetivas para garantir a segurança das vítimas, como o afastamento do agressor do lar, a proibição de contato e a suspensão de visitas por parte dele aos filhos. Também estabelece penas mais severas para os crimes de violência doméstica e institui políticas públicas para apoiar as vítimas.
- Lei do Feminicídio (13.104/15): alterou o Código Penal para classificar o feminicídio como um homicídio qualificado, com pena mais grave. Lembrando que o feminicídio é o assassinato de mulheres cometido por razões de gênero.
- Lei do Assédio Sexual (10.224/01): pune o assédio sexual com penas de detenção.
- Lei do Stalking (14.132/21): criminaliza o ato de perseguir ou assediar alguém de maneira obsessiva e repetitiva, criando um clima de medo e ameaça.
- Lei de Proteção à Criança e ao Adolescente (8.069/90): embora não seja exclusiva para casos de violência contra a mulher, essa lei protege menores de idade de abusos e violência e pode ser aplicada em situações onde a violência afeta mulheres jovens ou crianças.
- A lei mais recente em relação ao tema, que foi sancionada em maio de 2024 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, garante sigilo do nome da vítima em processos que apuram crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher. O novo texto altera a Lei Maria da Penha para assegurar maior proteção à vítima e preservar a sua integridade física, mental e psicológica. Com os dados públicos e recursos tecnológicos, como as redes sociais, a mulher se torna vítima outra vez, sendo exposta a constrangimento social. A nova lei permite que ela possa buscar justiça e iniciar o processo de recuperação sem ter que se preocupar com a exposição.
Toda essa legislação é complementada por políticas públicas e programas de apoio, como casas de abrigo, serviços de atendimento psicológico e jurídico, e campanhas de conscientização.
É importante que as vítimas de violência conheçam seus direitos e busquem apoio por meio dos canais disponíveis, como delegacias especializadas e centros de atendimento.
Para pedir ajuda e fazer denúncias de violência doméstica, mulheres podem ligar para o 190 ou 180.
“A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”
Há quase 10 anos, o Enem pautava como tema de redação “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”. Na coletânea, os candidatos tinham acesso a dados como os tipos de violência praticados contra as mulheres e os impactos da Lei Maria da Penha – em vigor há menos de 10 anos na época.
O tema, lamentavelmente, continua atual. Tanto que na última edição, de 2023, o Enem trouxe novamente o debate sobre as mulheres. Dessa vez, os candidatos deveriam refletir sobre o trabalho invisível de cuidado realizado por elas.
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