A partir do ano vem, a Universidade do Estado da Bahia (Uneb) oferecerá cotas para transexuais, travestis, quilombolas, ciganos, pessoas com deficiência, autismo e altas habilidades.
Com a novidade, haverá um acréscimo de 5% no total de vagas oferecidas na graduação e na pós-graduação para cada um desses segmentos. A universidade foi uma das primeiras do país a adotar cotas sociorraciais, em 2002.
Para concorrer às cotas, o candidato deve também ter cursado o segundo ciclo do ensino fundamental e todo o ensino médio exclusivamente em escola pública. Além disso, deve possuir renda familiar mensal de até quatro salários mínimos.
Por se tratar de vagas adicionais, a regra não afetará o percentual dedicado à ampla concorrência (60%) e as reservadas a candidatos negros (40%). A cota de candidatos autodeclarados indígenas, que também segue a mesma lógica das novas cotas (sobrevagas), também permanecerá inalterada.
Assim, se um curso estiver oferecendo 100 vagas, 60 serão para ampla concorrência, 40 para candidatos negros e haverá ainda a criação de mais 5 vagas para cada um dos grupos cotistas.
Desde 2012, a legislação brasileira prevê sistema de cotas para egressos de escolas da rede pública e negros que concorrem a vagas em universidades federais e institutos federais de ensino.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, em 2000, dois anos antes da sanção da Lei nº 12.711 – que instituiu as cotas, somente 2,2% da população negra tinham diploma de nível superior. Em 2017, a proporção chegou a 9,3%.
Com a nova decisão da Uneb, a expectativa é ampliar o acesso dos povos romani, conhecidos como ciganos, ao ensino superior. De acordo com a Associação Internacional Maylê Sara Kalí, a Bahia é o segundo estado com o maior número de acampamentos das três etnias que hoje vivem no Brasil – calon, rom e sinti -, perdendo apenas para Minas Gerais.
Segundo a pró-reitora de Ações Afirmativas da Uneb, Amélia Maraux, a medida é inédita no país e tem como objetivo corrigir a exclusão desses povos. “A justificativa é a reparação histórica e política”, diz.
Combate à discriminação a transgêneros
Para Soraya Nogueira, vice-presidente do Instituto Brasileiro Trans de Educação, que desenvolve atividades de combate à transfobia no ambiente escolar, a iniciativa significa um grande avanço. Ela faz, porém, algumas ressalvas, pontuando que a equipe da organização que dirige, ao realizar entrevistas com travestis e transexuais para uma pesquisa que será divulgada em breve, tem constatado que muitos deles associam a sala de aula a traumas.
Soraya lembra que a hostilidade e a violência contra os transgêneros, vivenciadas nas primeiras séries escolares, estão por trás de muitos casos de evasão e que a universidade também precisa se preparar para receber esse alunos e ajudar na inclusão deles no mercado de trabalho.
“Eu já alfabetizei dentro da garagem de uma escola, porque falar em sala de aula causou pânico entre os alunos. O ambiente continua sendo um motor de exclusão. Não adianta só ter a cota. É que nem a politica de nome social. Não adianta nada, se agentes públicos não chamarem por esse nome”, relata. “Eu consegui ingressar [no mercado de trabalho], mas foi pela via do concurso público, e fui perseguida dentro da escola [onde era professora], durante meu estágio probatório”, diz a geógrafa graduada em 1999.
Levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), que tem sede em Salvador, aponta que 95 pessoas trans foram assassinadas em todo o Brasil até 21 de julho deste ano. Dos casos notificados, oito foram registrados na Bahia.
A pró-reitora Amélia Maraux destaca que a Uneb tem buscado se antecipar e preparado, já este ano, a comunidade dos seus 24 campi para atender às demandas específicas dos alunos contemplados pelas novas cotas.
“Temos feito um diálogo grande com a coordenação de educação especial da secretaria estadual [de educação], que já tem ação de muito tempo com pessoas com essas especificidades. Temos também um centro de estudos e já estamos encaminhando ao Conselho Universitário uma política de acessibilidade, que, obviamente, deve incluir a formação de professores e também do corpo técnico e administrativo da universidade. Sabemos que não é uma ação que vamos dar conta só nesse momento. É um desafio enorme que a universidade está colocando agora, para que a gente possa caminhar nesse processo de inclusão, e temos que pensar nossas políticas em geral”.