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“Trote é exclusão, não integração”, diz professor da USP

Pesquisador acredita que a universidade deve acabar com qualquer prática

Por por GUILHERME DEARO
Atualizado em 16 Maio 2017, 13h54 - Publicado em 17 fev 2011, 17h19

Ano após ano, quando chega fevereiro e a época de matrícula nas universidades, o noticiário se enche de casos de violência e abusos nos chamados trotes universitários.

Ontem (16), a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no Paraná, abriu sindicância para apurar o que aconteceu em seu trote, que resultou em três estudantes internados em coma alcoólico.

Na Universidade de Brasília (UnB), calouras da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária (FAV) foram humilhadas por veteranos que as obrigaram, durante o trote, a lamber linguiças com leite condensado, numa alusão direta ao sexo oral.

Para o professor Antonio Ribeiro de Almeida Júnior, do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), a situação dos trotes nas universidades é grave. “O trote não integra, mas sim exclui e divide os alunos”, analisa.

Antonio Ribeiro defendeu em 2007, para o título de livre-docência, a tese “Anatomia do Trote Universitário”, que está em processo de edição para ser lançado em livro. Ele também coordena o site Antitrote.org, que reúne relatos, artigos e bibliografias sobre o assunto.

Em entrevista ao GUIA DO ESTUDANTE, o professor discute os principais pontos da questão do trote no país:

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Como surgiu a ideia para a tese e as primeiras pesquisas?
Em 2001, na Esalq, comecei a ver muitos alunos participando do trote. Eu não tinha sofrido isso na minha época de faculdade e nem percebi de cara que havia esse problema. Comecei a fazer algumas entrevistas para tomar posição, de maneira despretensiosa, para entender o que acontecia para depois opinar.

Quando foi passado um questionário em toda a universidade sobre isso, a primeira coisa que ficou clara foi a questão do limite: o que era brincadeira para uns, era violência para outros. Nada dava para separar.

O que você analisou com as entrevistas e a pesquisa?
A primeira questão problemática é o mito de que o trote integra. Ele não integra, ele divide, exclui os alunos. Na pesquisa detectamos que agora há posições claras e díspares: enquanto uns são muito a favor da prática, outros são totalmente contra.

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Lei sobre trote está parada no Senado

A Lei 1023, que criminaliza o trote violento, foi aprovada na Câmara dos Deputados, mas está parada no Senado.

O artigo segundo dispõe que é proibida a realização do trote que: ofenda a integridade física, moral ou psicológica dos novos alunos; importe constrangimento aos novos alunos do estabelecimento de ensino; exponha, de forma vexatória, os novos alunos; e implique pedido de doação de bens ou dinheiro pelos novos alunos, salvo quando destinados a entidade de assistência social.

Para o professor Antonio Ribeiro, a lei é insuficiente. “O ideal é criminalizar a prática, mas esta lei criminaliza apenas o trote violento. Quer dizer, se em uma festa organizada justamente para que ocorra o trote alguma violência acontece, quem praticou a violência é punido. Mas passa impune quem organizou a situação, quem promoveu a festa”, pondera.

Leia a Lei 1023 na íntegra.

A Esalq agiu de alguma forma para inibir trotes?
A Esalq tomou algumas medidas para inibir as práticas violentas. Oficialmente é contra, mas o trote continua acontecendo dentro do campus. Na pesquisa observa-se que a maioria dos alunos considera que já foram violentados em algum momento da faculdade durante tais práticas.

Os novos alunos geralmente se sentem intimidados e com medo de represália de não participarem do trote…
Os alunos devem ficar longe desses grupos “trotistas”. Eles precisam entender que não serão excluídos das práticas das universidades por fazer isso. O grupo “trotista” é minoritário, muito inferior ao grupo que não faz qualquer tipo de trote. É preciso evitar que eles ganhem espaço e relevância. O problema é que a grande maioria contrária ao trote simplesmente não comparece à matrícula, por exemplo. E o pequeno grupo favorável marca presença.

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O que é problemático: o trote apenas com tinta e corte de cabelo ou aqueles que excedem?
A pesquisa uniu diversos artigos da mídia sobre o trote. Você toma conhecimento de casos graves de espancamentos e mortes que aconteceram durante o próprio momento de pintar e cortar cabelo, aparentemente seguros. Ou seja, este momento de “só pintar” não é seguro, dá brecha para coisas mais graves.

O que a universidade deve fazer?
A universidade não pode só inibir, dizer que vai punir se acontecer algo grave. Ela simplesmente não pode deixar acontecer nada, justamente para evitar tudo. Trote não é rito de integração, mas sim de exclusão.

Você vê por aí incentivos da universidade ao trote: dá apoio para os alunos organizem o evento, coloca fotos de alunos pintados em seus jornais e sites. Isso é incentivar.

Considera suficientes medidas como “disque-trote” e ameaça de punição aos alunos que se excederem?
Aquelas medidas do tipo “disque-trote” ou informativos dizendo que vão punir ações de violência são maquiagens. Disfarces para falar que a universidade está fazendo alguma coisa. Ao mesmo tempo, contudo, usam a imagem do calouro pintado para ilustrar seu conteúdo institucional.

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Veja o caso da USP, na morte do estudante de Medicina [Edison Tsung-Chi Hsueh, em 1999, quando morreu afogado]: um ano antes já acontecera um caso gravíssimo na Geologia da USP, com estudantes menores de idade dando entrada em hospital em coma alcoólico após participarem do trote.

Logo depois o Jornal da USP colocava fotos dos estudantes da Geologia rolando na lama durante o trote [prática adotada até hoje, 12 anos depois], achando tudo normal. Isso é ser conivente, ignorar que alunos menores de idade quase morreram de tanta bebida.

Como lidar com o argumento de que “trote é tradição”?
Dizem que é tradição, que há décadas essas coisas acontecem. Mas é um argumento fraco. Não há motivo para dar continuidade porque é tradição. Se fosse sempre assim ainda estaríamos nas cavernas, as mulheres ainda estariam presas dentro de casa proibidas de votar etc. É preciso construir tradições que ajudem as pessoas, não que promovam violência.

O que acha dos trotes chamados “solidários” e “cidadãos”, que vêm sendo adotados em muitas universidades como substituição ao trote tradicional?
Considero que também não são adequados. Primeiro que os alunos estão ali de dia no “solidário” e de noite, longe dos olhos institucionais, ocorrem festas com abusos.

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Segundo que o papel social da universidade é formar profissionais cidadãos, mas com educação. Não é seu papel fazer doações. Também não há motivo para usar a palavra “trote”, nem que só alunos do primeiro ano participem. No fim, essa prática que substitui o trote tradicional não avança muito na questão da violência. Há quase 50 anos esses trotes cidadãos existem. E as mortes e crimes continuam ocorrendo.

Como vê a situação do combate ao trote no país?
É preciso que o sistema universitário brasileiro se mobilize para combater isso. Mas o movimento ainda é fraco. Outros movimentos, como o do combate ao bullying nos ensinos fundamental e médio, são fortes. Mas falta o do trote. O número de universitários cresce a cada ano, junto com práticas abusivas.

Qual seriam as medidas eficientes e válidas para receber os novos alunos?
A semana de recepção não deve ocorrer. Nesse tipo de semana não há aulas, e as atividades especiais abrem brecha para violência. Na Esalq essa semana não existe mais, o que melhorou o comportamento dos alunos, impede que o aluno “trotista” se organize. Basta ter uma recepção que explique para o aluno a instituição, fale reitor, diretor, professores. É preciso esvaziar o trote completamente.

Creio também que não se deva mais usar palavras como “bixo”, “calouro”, “veterano”. Tudo isso envolve um sentido de hierarquia, imposição, que gera abusos.

LEIA MAIS:

– Veja como é o trote ao redor do mundo

– Primeiro trote registrado no Brasil terminou em morte

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“Trote é exclusão, não integração”, diz professor da USP
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