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Primeiro trote registrado no Brasil terminou em morte

Professores contam a origem do trote e afirmam a sua conotação violenta

Por por MARIANA NADAI
Atualizado em 16 Maio 2017, 13h55 - Publicado em 11 fev 2011, 17h31

Em 1831, durante a recepção dos novos alunos da Faculdade de Direito de Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o calouro Francisco Cunha e Menezes se revoltou com as brincadeiras realizadas pelos veteranos. Na tentativa de deixar o local, Francisco foi interceptado a facadas por um dos estudantes mais velhos e morreu. A cena descrita marca o primeiro trote que se tem registro no Brasil.

– Confira o relato do repórter do GUIA DO ESTUDANTE que se infiltrou no trote na da Unicamp

Muito antes do assassinato de Francisco Cunha e Menezes, estudantes do mundo todo já sofriam com as recepções violentas dentro das universidades. “O primeiro trote que se tem registro aconteceu em 1342, na Universidade de Paris. Também há relatos de trotes na Universidade de Heidelberg, na Alemanha, em 1491”, diz Antônio Álvaro Soares Zuin, professor do departamento de Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e autor do livro O Trote na Universidade: Passagens de um Rito de Iniciação.

De acordo com Zuin, os veteranos faziam coisas pavorosas com os calouros. “Na Universidade de Heidelberg, por exemplo, os ‘bixos’ eram obrigados a se masturbar, tinham que beber urina com vinho e comer alimentos com fezes”, diz o professor. No fim dos trotes, para assegurar que essa tradicional recepção fosse perpetuada, os calouros eram obrigados a assinar um termo de compromisso de que iriam realizar as mesmas ações no ano seguinte.

Para Paulo Denisar Fraga, professor do Instituto de Ciências Humanas e Letras, da Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG) e autor do livro A Violência no Escárnio do Trote Tradicional, o trote, na sua origem, estava diretamente relacionado com os estudantes oriundos do meio rural. “O trote teve seu auge na Idade Média, quando os estudantes do meio rural chegavam à universidade. Na passagem do meio rural para o urbano, os estudantes eram execrados. Para eles, havia uma bestialidade na origem dos calouros e o trote representava uma espécie de batismo para a entrada no novo mundo”, afirma.

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O trote é sempre violento?
Sim! Pelo menos é o que afirmam os professores. “Os trotes surgiram como uma forma de discriminação. O termo varia em muitas línguas. No francês, por exemplo, trote é brimade, que significa maltratar. Em inglês, vem de to haze, com o mesmo sentido do francês. Ou seja, sempre com o significado de enganar ou fazer joguete de alguém”, constata Fraga.

Segundo Zuin, a origem da palavra no português está relacionada diretamente ao trotar do cavalo. “Esses animais não sabem trotar, eles são domesticados para isso. A intenção de usar essa palavra para designar a recepção dos estudantes mostra essa relação do veterano de querer domesticar o calouro, o ‘bixo’”, explica.

Para fugir da violência, muitos estudantes tentaram saídas alternativas. Nos Estados Unidos da década de 1960, por exemplo, os veteranos passaram a trocar as tradicionais hell weeks, ou semana dos infernos, dos novos alunos, pelas help weeks (semana da ajuda). Na mesma época, no Brasil, os calouros eram mobilizados para o movimento pelas reformas de base, do governo do presidente João Goulart. “Mas o AI-5 apertou o controle sobre as universidades e contribuiu para a degeneração dos trotes”, afirma Fraga.

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Atualmente, as universidade, na tentativa de acabar com as recepções violentas, criou o trote solidário. Nessa modalidade, ao invés dos calouros terem os cabelos raspados, serem pintados, ou, na pior das hipóteses, sofrerem agressões físicas, eles são convidados a fazer boas ações, como doar sangue ou recolher roupas e alimentos para pessoas carentes.

Entretanto, na visão de Zuin, até mesmo os trotes solidários são violentos. “Claro que eles são um avanço aos trotes tradicionais, mas o termo é contraditório. Caso você não queira colaborar voluntariamente, é visto como uma pessoa chata, que não participa das atividades. Ou seja, mesmo sendo uma ação solidária, você continua sendo domesticado a fazê-la. Ele é um avanço, mas não é a solução definitiva”, diz.

Paulo Fraga não chega a ser tão radical quanto Antonio Zuin, mas, para o professor da Unifal-MG, a expressão “trote voluntário” não está bem empregada. “O uso do termo trote tem que ser abandonado, independente do adjetivo que estiver ao seu lado, como nos ‘trotes solidários’. Para mim, o correto seria dizer recepções solidárias. Assim, o termo cumpre o papel de combater e ocupar o lugar dos trotes, propondo uma introdução adequada à vida acadêmica, e não a formas explícitas ou veladas de violência e desrespeito entre as pessoas”, propõe.

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