Pouco antes das 8h do último dia 22 de janeiro, a estudante Angelica Toledo já estava a postos em frente à tela, e atualizava sem parar o site da Fuvest. Ela havia se arrumado, passado batom – já que a “confiança é a última que morre”, em suas palavras –, e gravava a si mesma pelo celular enquanto aguardava a publicação do resultado do vestibular, que dá acesso a maior universidade pública do país. Quando finalmente conseguiu acessar seus resultados e leu a frase “aprovado na primeira chamada”, não conteve as lágrimas. Havia passado em Medicina na USP (Universidade de São Paulo).
“Minha primeira reação foi chorar e agradecer a Deus”, relembrou a estudante de 18 anos em conversa com o GUIA DO ESTUDANTE. O que Angélica ainda não sabia àquela altura é que dali em diante quase se acostumaria a ler a palavra “aprovada”. No mesmo dia, poucas horas depois, viu que também estava na lista da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Ao todo, a jovem conquistou vagas para o curso de Medicina em sete universidades diferentes, sendo cinco delas públicas – USP, Unicamp, Unesp (Universidade Estadual Paulista), UFU (Universidade Federal de Uberlândia) e UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Abaixo, você confere os principais pontos da conversa de Angelica com o GUIA e conhece a trajetória da estudante, das salas de aula das escolas públicas até os corredores da Unicamp.
Sonho antigo
Angelica será a primeira médica da família, mas a área da saúde não é nem de longe uma novidade em sua vida. A mãe da jovem é enfermeira, o pai, fisioterapeuta, e a avó costumava trabalhar como recepcionista em um posto de saúde. Por isso, desde cedo soube que gostaria de trilhar um caminho semelhante.
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Adiantada na pública, atrasada na particular
A aptidão para os estudos também não foi algo que surgiu na vida de Angelica às vésperas do vestibular. Quando estava no terceiro ano do Ensino Fundamental, a professora da escola pública em que estudava chamou os pais da menina para uma conversa: ela parecia adiantada demais em relação à turma e, por isso, acabava ansiosa. Aconselhou que Angelica fosse matriculada em uma escola particular, que oferecesse mais suporte. Os pais precisaram se esforçar para arcar com a despesa, mas seguiram o conselho.
O que a menina não imaginava é que chegando no novo colégio a surpresa seria contrária: lá, era atrasada demais em comparação aos colegas. “Chorei no primeiro dia de aula”, recorda, “mas meus pais sempre seguraram na minha mão e falaram ‘você vai dar conta’.” O vai e vem entre escolas públicas e particulares tornou-se uma constante na vida de Angelica: no Ensino Médio ela retornou para a rede pública, e depois fez um cursinho particular.
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O que fazer com toda essa liberdade
Quando deixou o 9º ano do Ensino Fundamental, Angelica estava empolgada para concluir os últimos anos de estudo no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo em Capivari. Os institutos federais são reconhecidos pela qualidade, gratuidade e possibilidade de conciliar o Ensino Médio com o técnico. Mas nem tudo saiu como planejado.
Logo em março de 2020, Angelica e os estudantes do mundo todo foram mandados para casa. A pandemia da Covid-19 forçou escolas e alunos a se adaptarem ao ensino remoto, e embora percebesse que estava ficando um pouco para trás em relação aos colégios particulares, a jovem organizou-se como pôde – e tentou até tirar proveito de algumas regalias.
Em geral, Angélica perdia quatro horas do dia deslocando-se entre Monte Mor (SP), onde vivia com a família, até Capivari (SP), cidade que abriga o Instituto Federal. Agora, sentia que lhe sobrava tanto tempo que nem os livros – uma média de 25 por ano –, as sugestões culturais dos professores e as atividades extras da escola eram capazes de suprir.
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“Eu só quero viver só um pouquinho do Ensino Médio”
Mas o sonho de viver o Ensino Médio como Angelica lia nos livros, com romances e tudo mais que uma adolescente tem direito, ainda não estava perdido. Em 2022, sua escola retornou definitivamente ao modelo presencial. A jovem se lembra de ter pedido para a mãe, quase chorando, para que a deixasse viver “só um pouquinho do Ensino Médio”. Isso significava, em outras palavras, que talvez ela não conseguiria se dedicar 100% aos estudos, o necessário para uma aprovação direta em Medicina.
Os pais toparam, e Angelica pôde aproveitar a experiência sem o peso do vestibular. Isso não significou, no entanto, que os estudos ficaram de escanteio. Ela seguia frequentando religiosamente as aulas, sem faltar, entregando as tarefas e estudando para as provas. Tanto que concluiu o ano com um rendimento de 9,4. Mas as excelentes notas na escola, como já havia previsto, não significaram a aprovação no vestibular.
“A oportunidade é uma mulher careca com trança na testa”
Angélica conta, entre risos, que sempre ouviu o ditado “a oportunidade é uma mulher careca com trança na testa”. Isso significa, explica, que se você não agarrá-la quando aparecer na sua frente, pode não ter outra chance. É assim que ela encarou seu ano de cursinho em 2023.
Mesmo com o orçamento apertado – já que haviam acabado de ter um bebê e financiar uma casa – os pais desdobraram-se entre plantões para pagar as mensalidades do cursinho. Ela relembra que a mãe costumava preparar as marmitas que levavam para o trabalho, e Angelica para o cursinho, de madrugada. Vendo o esforço de toda a família, a jovem também se empenhava para fazer tudo valer a pena.
Todos os dias, ela passava mais de dez horas nas salas do Oficina do Estudante, em Campinas, preparando-se para as provas. Chegou a pensar em não fazer amigos, porque não queria distrações e observava que muitos colegas não estavam verdadeiramente empenhados em passar no vestibular.
Mas acabou encontrando seu grupo. “Eu queria me aproximar de gente que sabia porque estava ali, que sabia que a primeira vez é a última chance. E achei um grupo [de amigos] muito bom!”.
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A lógica do vestibular
Os aprovados em grandes universidades são unânimes em afirmar: para passar pela peneira do vestibular, não basta conteúdo, é preciso ter estratégia e conhecer as provas. Essa expertise era o que faltava à Angélica quando chegou no cursinho.
A bagagem do Instituto Federal, especialmente na disciplina de Química – já que cursou o técnico na área – colocavam a estudante em vantagem, mas ela ainda vacilava em relação à resolução das questões e ao tempo gasto nas provas. Esse foi um dos seus focos em 2023.
Além de praticar revendo edições passadas dos vestibulares, Angelica dedicou-se a entender as provas. Leu os manuais, analisou o desempenho dos concorrentes e entendeu o que era preciso fazer dali em diante. Uma de suas constatações, por exemplo, foi que a disciplina de Biologia era a primeira que deveria dominar, já que todos os concorrentes de Medicina costumam ir bem. “Se você não vai bem biologia fica difícil”, afirma a estudante.
Ela recorda que o apoio dos professores orientadores no cursinho também foi essencial, já que ofereciam atendimento individualizado e ajudavam a mapear as dificuldades. “Eu pude perceber os detalhes que me fariam perder ponto a partir dessa orientação”.
Com conteúdo e estratégia, nada mais estava em seu caminho, e Angélica colecionou aprovações. Acabou escolhendo a Unicamp, universidade que sempre fez seu coração bater mais forte.
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Conhecer lugares, pessoas e aprender
Faltam poucas semanas para Angelica se mudar para Campinas e começar uma nova fase em sua vida. Estudar em uma das maiores universidades do país assustou no começo, mas a família e os amigos não se cansam de incentivá-la. “Você é pequena em estatura, mas já provou que é grande”, conta ter ouvido de um amigo.
Quando perguntada sobre as expectativas para o início das aulas, aquela menina que chegou a pensar em não fazer amigos no cursinho não titubeou: conhecer pessoas. “Eu espero conhecer bastante gente e fazer boas amizades”, afirma. “Vou ter contato com muita gente do Brasil todo, gosto muito da ideia de conhecer lugares através de pessoas”.
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