Há o que se comemorar quando o assunto é o acesso de pessoas com necessidades especiais ao ensino superior brasileiro. Se em 2000 somente pouco mais de dois mil cidadãos com algum tipo de deficiência conseguiam ingressar na graduação, esse quadro mudou radicalmente nos últimos anos. De acordo com o último Censo da Educação Superior divulgado pelo Inep, em 2015 havia 37.927 estudantes com necessidades especiais – um crescimento de 53% em cinco anos.
A tendência é que o crescimento continue. A Lei 13.409/2016, sancionada no final do ano passado, estabelece que as cotas de universidades federais se estendam para estudantes com deficiências, dentro dos 50% reservados para alunos de escolas públicas e respeitando a proporcionalidade da Unidade da Federação em que cada instituição se localiza, tal qual o regulamento para raças.
Ainda que essas sejam cifras expressivas, a margem para melhora continua grande. Esses quase 38 mil estudantes representam um modesto 0,4% do total de matriculados em instituições de ensino superior, frente a um total de 6,2% de pessoas com necessidades especiais (na sigla, PNE) na população brasileira. Entretanto, todas as ações afirmativas por parte do governo federal não resolvem todos os problemas das PNE que desejam frequentar universidades. Mesmo com a vaga conquistada, a luta desses estudantes continua para que seus direitos, assegurados por lei, sejam garantidos.
São duas leis que estabelecem os critérios de acessibilidade para pessoas com deficiência, ambas de 2000. Em 2004, o governo federal assinou o decreto nº 5296, que determina os prazos para que instituições se adequem às exigências definidas quatro anos antes, conforme explica Teresa Costa D’Amaral, fundadora do IBDD, Instituto Brasileiro dos Direitos das Pessoas com Deficiência. “É uma lei amigável, foi feita na intenção de que a sociedade e o estado abraçassem essa questão”, ela esclarece. Edificações públicas de uso público, categoria em que se encaixam as universidades públicas, tinham até o meio de 2007 para se adaptar às normas. Edificações privadas de uso público, como as universidades privadas, até o fim de 2008.
Quase dez anos depois do fim do prazo, entretanto, a lei ainda não é cumprida por todas as instituições. Joyce Almeida começou a cursar Direito na Anhanguera em 2014. Ela frequenta a Unidade 1 de Campinas, campus que não estava preparado para receber uma cadeirante. “Eles me mudaram de sala cinco vezes. Como não tinha como eu usar o banheiro do primeiro andar, estou no segundo agora”, ela conta. Para chegar ao outro piso, contudo, o próprio elevador era um obstáculo; Joyce não conseguia abri-lo sozinha. A Secretaria Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência e Cidadania determinou que ele fosse trocado; o processo, contudo, levou mais de um mês, período em que Joyce teve que usar o banheiro de um mercado na esquina do campus.
Os problemas que Joyce enfrenta se acumulam. Ela não conseguia alcançar as trancas das portas do prédio – que foram tiradas depois que Joyce, como testemunha em audiência de outro estudante da faculdade com mobilidade reduzida, registrou a queixa. A estudante não consegue ter acesso aos livros da biblioteca. “A rampa de acesso é muito íngreme”, ela conta. “A Secretaria de Deficiência de Campinas disse que a rampa está dentro das normas da ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas]. Mas ela não atende às minhas necessidades”.
Segundo esclarecimento fornecido ao GUIA DO ESTUDANTE, a faculdade Anhanguera informou que “trabalha para cumprir as especificações de acessibilidade” da lei e do decreto federal relacionados, e que mantém contato com a estudante “a fim de atender as necessidades da aluna para continuar os estudos com conforto e segurança”.
Mas os problemas não são exclusivos de universidades particulares. Ronaldo Leite entrou na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) em 2014, no curso de Ciências Biológicas. “O meu campus, o de Patos, não tinha nenhum tipo de acessibilidade, programas ou projetos para pessoas com deficiências. Era e ainda sou o primeiro aluno com necessidades especiais aqui”, conta o estudante, deficiente auditivo. Durante todo o primeiro semestre, ele não teve nenhum tipo de ajuda; acabou por reprovar em duas matérias.
Após procurar o Ministério Público Federal, ele conseguiu fazer valer os seus direitos. “Hoje eu tenho um programa no notebook que transcreve o que os professores dizem em um microfone. É assim que acompanho as aulas. E recentemente ganhei a bolsa do aluno apoiador, em que um estudante me acompanha nas aulas e ajuda a tirar minhas dúvidas”. Graças à sua iniciativa, a UFCG criou uma resolução sobre um núcleo de acessibilidade para todos os campi da universidade. “Agora só falta o novo reitor colocar em andamento”, comemora Ronaldo.
Enquanto isso, em Campinas, Joyce diz ter que “correr por fora”, mesmo tendo uma Secretaria para defendê-la. Ela, que também é conselheira municipal da pessoa com deficiência, diz ter assumido a tarefa para “melhorar a vida de todos”. Ela pediu que todas as irregularidades dentro do prédio da Unidade 1 da Anhanguera em Campinas fossem corrigidas, e que fossem construídas rampas nas calçadas.
Teresa reforça que todas essas questões, por lei, já deveriam estar resolvidas. Em vez disso, as pessoas com deficiência dependem de ações individuais para que as normas públicas se cumpram. “O Brasil tem ótimas leis, elas só precisam ser cumpridas. É uma questão de conscientização da sociedade e cobrança do Estado. Os portadores de necessidades especiais têm seus direitos no papel, como qualquer cidadão. O absurdo é que esses direitos não são dados; precisam ser batalhados”, ela pontua.