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Treineira de 16 anos tira nota máxima na redação da Fuvest; leia o texto

Isabella Gouveia Aguiar demonstrou ter um olhar crítico e associou a crise climática às grandes corporações

Por Taís Ilhéu
Atualizado em 30 Maio 2023, 09h19 - Publicado em 4 Maio 2023, 15h46

Aos 16 anos, a estudante Isabella Gouveia Aguiar atingiu um feito sonhado por milhares de estudantes que fazem a Fuvest, vestibular que seleciona para a USP. Prestando a prova como treineira, no segundo ano do Ensino Médio, ela “gabaritou” a redação e alcançou todos os 50 pontos possíveis.

Ao longo do texto, ela mobilizou como repertório o quadro “Os Retirantes“, de Cândido Portinari, e responsabilizou o capitalismo e as grandes corporações pelo problema denunciado no tema da edição, a crise dos refugiados ambientais.

Diferentemente do Enem, a Fuvest não é tão clara sobre os critérios de correção da redação, e fica um pouco mais difícil para quem faz a prova saber o que a banca considera um texto ideal. Mas basta dar uma olhada na redação de Isabella e de outros candidatos que conquistaram pontuação máxima em anos anteriores para entender que pelo menos um aspecto todas elas têm em comum: o senso crítico muito apurado.

Para ir bem na Fuvest, o candidato precisa saber interpretar os acontecimentos e ter uma visão crítica sobre eles – afinal, “a USP busca pessoas curiosas“, como já afirmou o próprio diretor da Fuvest em entrevista ao GUIA DO ESTUDANTE. A estudante Isabella Gouveia Aguiar demonstrou ter exatamente este perfil.

Em conversa com o GUIA, ela relatou sua rotina de estudos em 2022, ano em que prestou a prova, e disse que conciliava os estudos da parte “técnica” da redação, como a adequação ao gênero dissertativo e a escolha vocabular, ao exercício da argumentação. “Tentava melhorar a linguagem, mas diria que também a criticidade dos argumentos”, afirmou.

Aos estudantes que ainda prestarão o vestibular da USP – como ela, inclusive, que pretende tentar uma vaga em Medicina – Isabela deixa como dica sempre praticar o texto, ao menos semanalmente, ler redações que alcançaram boas notas e ficar de olho em disciplinas de Humanidades, como História e Sociologia, que podem ser fonte de repertório.

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Confira abaixo a redação da aluna, acompanhada de comentários da coordenadora e professora de redação do Colégio Poliedro, Aline Benevides.

Título: “Os problemas por trás da perpetuação da vulnerabilidade social vivida por refugiados ambientais”

Introdução

O quadro “Os retirantes” de Cândido Portinari apresenta a imagem de um grupo de refugiados do sertão nordestino, o qual precisou se deslocar de seu local de origem por conta das consequências induzidas pelas secas na região. Embora a obra tenha sido elaborada no século XX, a condição das pessoas pintadas no passado é uma realidade cada vez mais presente na atualidade, com o aumento significativo do número de refugiados climáticos e a marginalização desses indivíduos na sociedade. Dessa forma, percebe-se que há uma crescente quantidade de refugiados ambientais que se encontram em uma posição de vulnerabilidade social, por causa da busca desenfreada por lucro por parte de empresas no contexto capitalista contemporâneo e porque há uma ausência de reconhecimento em relação a situações dessas pessoas pela maioria da população.

Comentários da professora:

O texto é iniciado com a apresentação da obra “Os retirantes”, de Cândido Portinari, um repertório sociocultural extremamente pertinente ao tema e que é abordado de forma produtiva. Isso porque a estudante descreve o quadro, ressaltando elementos que estão relacionados ao tema, como ‘grupo de refugiados’ e ‘consequências induzidas pelas secas’, que remetem à primeira parte da frase temática “refugiados ambientais”. A produtividade de tal repertório é assegurada no segundo período: momento em que expõe a relação entre passado/ presente/ realidade, com uma justificativa para tal comparação. Outro ponto de destaque é a seleção da obra “Os retirantes”, a qual evidencia a habilidade da estudante de estabelecer relações analógicas entre a obra de Sebastião Salgado e a de Cândido Portinari e de apresentar um repertório que será base para a construção de seu texto. A comparação não se limita ao plano visual, mas, principalmente, adentra o plano do conteúdo, já que as obras trazem denúncias sociais importantes e que constituem o tema da redação.

Em sequência, um posicionamento sobre o tema é apresentado a partir de uma construção sintática que expressa a relação entre ‘refugiados ambientais’ e ‘vulnerabilidade social’, sendo que esta é interpretada como um dos fatores que causam o refúgio ambiental. É importante destacar aqui a interpretação que a estudante faz: não compreende a vulnerabilidade social apenas como uma consequência do deslocamento forçado, mas como a causa, visto que os indivíduos que estão mais propícios a sofrerem com as mudanças climáticas e, consequentemente, a serem refugiados ambientais são também aqueles que são mais vulneráveis na sociedade. O posicionamento é complementado pelos dois argumentos: ‘busca desenfreada por lucro por parte de empresas no contexto capitalista contemporâneo’ [argumento 1] e ‘ausência de reconhecimento em relação a situações dessas pessoas pela maioria da população’ [argumento 2], que norteiam a construção textual e o projeto de texto da aluna.

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A organização do parágrafo de introdução já traz indícios claros de que a estudante domina as partes constitutivas da introdução e, de modo geral, da estrutura do gênero dissertativo-argumentativo. A tese, além de claramente exposta, apresenta potencial argumentativo, na medida em que relaciona um problema social às consequências do capitalismo e à exclusão de parte da população – justamente a camada mais carente da sociedade. É preciso destacar, ainda, a linguagem empregada pela estudante: é uma linguagem formal, com vocabulário comum e preciso – isto é, não há vagueza ou imprecisões na escolha das palavras.

Desenvolvimento 1

Nesse contexto, as ações tomadas por corporações buscando o lucro dentro do capitalismo da contemporaneidade têm contribuído para o crescimento da quantia de indivíduos reconhecidos como refugiados climáticos e se encontram vulneráveis na sociedade. Isso ocorre, porque empresas e indústrias, no atual contexto neoliberal, têm acelerado e agravado as mudanças climáticas que geram os desastres naturais que levam aos deslocamentos forçados, visto que essas corporações somente querem o lucro produzido por suas vendas, sem se responsabilizar pelos impactos ambientais que suas produções podem causar. O desmatamento e a emissão de gases do efeito estufa por essas grandes empresas, por exemplo, podem contribuir para o aquecimento global, o que leva a inviabilização de uma boa qualidade de vida em certas regiões, forçando o êxodo de indivíduos locais, os quais, muitas vezes, não possuem as condições para criar uma vida digna em um novo lugar. Logo, a intensificação de mudanças climáticas, as quais acarretam na impossibilidade de moradia em diversos locais, ocasionada pela tomada de atitudes por parte de corporações que somente visam o lucro, ajuda na criação de novas populações de refugiados ambientais que estão em vulnerabilidade social.

Comentários da professora:

O primeiro parágrafo de desenvolvimento retoma, no tópico frasal, o argumento prometido na tese: a busca de empresas por lucro. A explicação do argumento é iniciada com a exposição do contexto neoliberal, que, por objetivar um maior lucro – materializado na compra e na venda de produtos -, acaba explorando mais o meio ambiente e, consequentemente, acelerando as mudanças climáticas, como o desmatamento e a emissão de gases de efeito estufa. Tal cenário tem afetado determinados grupos de indivíduos, o que tem contribuído para o aumento de refugiados ambientais. A boa construção argumentativa decorre de a estudante apresentar, de forma objetiva e organizada, o argumento com sua respectiva explicação. Há informações que são desencadeadas de forma progressiva e coesa.

Desenvolvimento 2

Além disso, a falta de reconhecimento da realidade enfrentada por refugiados climáticos pela maior parte das pessoas presentes na sociedade auxilia na marginalização desses indivíduos dentro do corpo social. A ausência de divulgação sobre as condições de vida de refugiados ambientais e sobre as ações que levam às mudanças climáticas que promovem as migrações forçadas fazem com que esse grupo seja invisibilizado, uma vez que dificulta a elaboração de medidas, legislação e estrutura que possam impedir que esse fenômeno continue a se reproduzir e que ajudem esses indivíduos na sua menção na sociedade, a fim de que tenham acesso a [?] básicas, moradias e alimentos necessários para a sobrevivência. Assim, nota-se que a ausência de divulgação de informações sobre a realidade de retirantes ambientais gera a escassez de conhecimento e provoca a invisibilização desse grupo do corpo social, o que impede que tenham acesso a elementos essenciais para a manutenção da vida.

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Comentários da professora:

O segundo parágrafo de desenvolvimento tem início também com a retomada do segundo argumento, exatamente o que foi apresentado na tese: a falta de reconhecimento da realidade desses indivíduos. O tópico frasal é seguido da explicação, momento em que a estudante explicita como a não divulgação das condições de vida dos refugiados faz com que eles permaneçam em um contexto de invisibilidade, o que impossibilita o acesso a recursos básicos, como moradia e alimentos. Há, novamente, uma construção argumentativa que, embora não apresente um repertório que o valide, é bem avaliado por explicar de forma objetiva e clara o argumento que se propõe a defender.

Os parágrafos de desenvolvimento mostram, de modo geral, a importância da explicação do argumento, e não a mera inserção de repertórios socioculturais deslocados e sem função no texto; bem como explicitam a importância de uma linguagem clara e precisa, já que o vocabulário empregado pela estudante, como dito, é formal e de uso corrente. Embora os períodos sejam longos, eles são sintaticamente adequados, visto que não há períodos incompletos ou orações truncadas.

Conclusão

Conclui-se, portanto, que as atitudes de corporações que buscam o lucro e provocam a intensificação e a aceleração de mudanças climáticas e a escassez da divulgação de conhecimento em relação a situação de retirantes ambientais e a consequente invisibilização desse grupo contribuem no aumento da quantidade de refugiados ambientais que se encontram em vulnerabilidade social presentes na sociedade capitalista de hoje. Então, consta-se que, se ações não forem realizadas para frear e reverter as consequências causadas pelas mudanças climáticas, a cena capturada no quadro de Cândido Portinari se perpetuará nas vidas de muitas outras vítimas nos próximos anos.

Comentários da professora:

A aluna finaliza o texto construindo uma conclusão que retoma o posicionamento e os argumentos apresentados no texto, como é esperado em uma conclusão. Faz, ainda, uma retomada do repertório sociocultural exposto na introdução, o que contribui para a articulação das informações e evidencia um planejamento das partes que constituem o texto. 

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