Estudante tira nota mil na redação do Enem citando “complexo de vira-lata”
Ana Alice Azevedo passou em primeiro lugar no curso de Medicina da UFF. Além de Nelson Rodrigues, ela também citou a Constituição Brasileira. Leia aqui
Ana Alice Azevedo, de 21 anos, é natural da cidade de Niterói, no Rio de Janeiro, e foi uma das poucas candidatas que realizou o feito da nota mil na redação do Enem 2022, com o tema “Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil“. Ana Alice utilizou como repertório o teatrólogo e jornalista Nelson Rodrigues, além da própria Constituição Brasileira de 1988.
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A estudante, que se formou no ensino médio em 2019, conta ao GUIA DO ESTUDANTE que, no total, fez três anos de cursinho na sua cidade. Em 2022, estudou no formato presencial e em período integral, e, em média escreveu duas redações por semana ao logo de todo o ano — uma obrigatória dos próprios estudos do cursinho e uma que fazia por vontade própria, por meio de simulados e exercícios.
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Ana Alice relevou o segredo para conseguir a cobiçada nota mil na redação: “eu sempre gostei muito de ler e esse foi um hábito que eu mantive durante o meu preparo para o Enem, então acho que isso acabou influenciando também na minha nota na redação. Outro ponto que acho que influenciou foi que eu tentei me manter o mais atualizada possível em relação a notícias e em relação a atualidades. “
A rotina de Ana Alice era puxada: ela estudava, em média, 12 horas por dia, incluindo aos fins de semana, além, é claro, das redações semanais. Mas todo o esforço árduo da jovem valeu a pena: foi aprovada no curso de Medicina na Universidade Federal Fluminense (UFF) em primeiro lugar! A nota da estudante para ser aprovada no curso foi 831,07 pontos, mas sua média geral foi de 815,46. Veja as notas da estudante em cada uma das áreas cobradas no Enem:
- Matemática e suas Tecnologias: 903,6;
- Ciências da Natureza e suas Tecnologias: 775,4;
- Ciências Humanas e suas Tecnologias: 714,7;
- Linguagens, Códigos e suas Tecnologias: 682,6
Para analisar as escolhas textuais da estudante, o GUIA DO ESTUDANTE convidou Viviane de Souza, professora de redação do colégio Ari de Sá, parceiro do SAS Plataforma de Educação
Confira abaixo a redação na íntegra e, em seguida, os comentários da professora para cada parágrafo.
Na primeira fase do Romantismo, os aspectos da natureza brasileira e os povos tradicionais foram intensamente valorizados, criando um movimento ufanista em relação a características nacionais. Tal quadro de valorização, quando comparado à realidade, não foi perpetuado, apresentando preocupantes desafios para a exaltação das comunidades nativas na contemporaneidade. Nesse sentido, a problemática não só deriva da inércia estatal, mas também de descaso social.
Comentário da professora:
“O texto demonstra clara progressão ao trabalhar, em seu desenvolvimento, tópicos já antecipados na introdução, a exemplo da inércia estatal e do descaso social quanto aos povos e às comunidades tradicionais.“
“A autora denota repertório sociocultural legitimado a partir do uso da Literatura, com a menção ao Romantismo; da legislação, com a citação da Constituição de 1988; além do uso da teoria do “Complexo de Vira-lata”, do escritor Nelson Rodrigues. Tais conhecimentos, além de pertinentes, ou seja, relacionados ao tema, também foram utilizados de forma produtiva em conformidade com o assunto. Para essa produtividade, foram estabelecidas relações entre a informação apresentada e a argumentação, com, por exemplo, a valorização dos povos tradicionais no período do Romantismo contrastando com a desvalorização atual.”
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De início, é importante observar que a inércia governamental é uma das principais barreiras para a valorização dos povos tradicionais. Nessa perspectiva, de acordo com a Constituição Brasileira de 1988 é responsabilidade do Estado garantir a preservação e a exaltação das comunidades nativas, incluindo medidas voltadas para a proteção de suas culturas. Entretanto, tal postulado é quebrado quando comparado à contemporaneidade, haja vista que a maioria das parcelas tradicionais, como indígenas e quilombolas, não possui seus direitos estabelecidos, a exemplo da demarcação de terras, sendo perversamente abandonado por um governo que não oferece o suporte o auxílio garantidos por lei. Por conseguinte, a partir do momento que o Estado é passivo e negligente, as autoridades são responsáveis tanto por estabelecer um equivocado cenário de quebra de direitos constitucionais, quanto por criar um errôneo quadro de desvalorização cultural da nação, já que as culturas das comunidades nativas representam o patrimônio de todos os brasileiros. Desse modo, a postura governamental regente acentua a negligência perante os povos naturais do país.
Comentário da professora:
“Usa-se a Constituição brasileira de 1988 para reforçar a responsabilidade estatal, a qual vem sendo descumprida segundo a autora pela falta da demarcação das terras dos povos indígenas. A atenção que se dá ao desenvolvimento das duas problemáticas – inércia estatal e descaso social – apresentadas no primeiro parágrafo e aprofundadas no segundo e no terceiro parágrafo, com a explicação do que representa a não ação do governo ( não cumprimento da Constituição pela falta da demarcação de terras dos povos indígenas), bem como do que seria o descaso social (“desvalorização da cultura nacional e, consequentemente, dos povos nativos”)”
Além disso, o descaso social é outro desafio que alastra a desvalorização de comunidades nacionais. Nesse viés, segundo o escritor Nelson Rodrigues, isso ocorre devido ao Complexo Vira-Lata presente entre os indivíduos, em que os brasileiros apresentam, em sua maioria, um sentimento de inferioridade perante as nações exteriores, depreciando, assim, a cultura nacional. Sob tal ótica, grande parte da população assume equivocadamente um papel inerte e indiferente em relação à valorização das comunidades nativas, uma vez que, devido ao errôneo sentimento depreciativo, não é capaz de enxergar que a proteção e a exaltação dos povos tradicionais é de suma importância para garantir a sobrevivência desses grupos e para a preservação do patrimônio cultural da nação. Consequentemente, a visão míope e deturpada da sociedade é responsável por formar um corpo social negligente e indiferente acerca da própria história, ocasionando de povos tradicionais e o esquecimento do legado cultural dos povos nativos.
Comentário da professora:
Há, por fim, o fechamento das problemáticas com as suas devidas soluções, o que denota claro desenvolvimento de um projeto de texto. Desse modo, compreende-se o desenvolvimento de uma produção textual estratégica, com a excelente aplicação dos argumentos em defesa do ponto de vista destacado pela candidata.”
Fica claro, portanto, que medidas necessitam ser tomadas para solucionar a problemática. Nesse sentido, é preciso que o Estado elabore um projeto de ampliação da valorização das comunidades tradicionais, por meio do aumento de medidas de proteção a tais grupos, a exemplo da intensificação da demarcação de terras, com o objetivo de reverter a postura inerte e negligente dos órgãos governamentais para que, dessa forma, os povos nativos tenham seus direitos garantidos. Ademais, a mídia institucional deve criar projetos de exaltação cultural, por intermédio da produção de campanhas digitais que abordem a importância de traços nacionais, com o intuito de desconstruir o sentimento de inferioridade social, para que, dessa maneira, seja possível reverter o descaso dos indivíduos perante a valorização das comunidades nativas. Assim, os princípios de exaltação nacional presentes no Romantismo poderão ser relacionados à realidade brasileira.
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Comentários da professora:
“Tais exigências [da competência 5] foram devidamente cumpridas no texto em análise. No último parágrafo da redação, encontram-se duas propostas de soluções para as problemáticas apontadas no texto. A primeira, completa em sua construção, apresenta agente (“o Estado”), ação (“deve elaborar um projeto de ampliação da valorização das comunidades tradicionais”), meio/ modo (“por meio do aumento de medidas de proteção a Taís grupos”), finalidade (“com o objetivo de reverter a postura inerte e negligente dos órgãos governamentais”) e detalhamento da finalidade (” para que, dessa forma, os povos nativos tenham seus direitos garantidos”).
A segunda intervenção também apresenta todos os elementos e retoma a segunda problemática discutida pelo candidato no texto, o que é essencial, pois revela o desenvolvimento estratégico do projeto de texto. Ao final da intervenção, faz-se a retomada do repertório literário que foi usado na introdução ao tema, que também poderia ser contabilizado como um detalhamento de toda a solução, além de servir como uma última reflexão, tornando o texto cíclico e bem articulado.”
Comentário geral da redação
“No decorrer da redação, percebe-se a presença de uma construção sintática excelente, um dos aspectos preponderantes para o alcance da nota máxima na competência 1. A candidata utiliza-se, para isso, de inversões e intercalações de elementos sintáticos, de coordenações e de subordinações entre as orações. Não há qualquer falha nesse quesito, não se percebendo, por exemplo, repetições ou duplicações de termos sintáticos, períodos mal construídos, com pontuações indevidas. Além disso, faz uso adequado da modalidade formal escrita da Língua Portuguesa, apresentando raros desvios de escrita, gramática, inadequação do vocabulário ou presença de coloquialismos, o que ainda é permitido para a pontuação máxima.“