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Corretores do Enem comentam técnicas infalíveis de redação do TikTok

Os corretores percebem quando a redação é decorada? Citações "coringa" servem mesmo para qualquer tema? Buscamos essas respostas

Por Taís Ilhéu
5 set 2023, 20h10
Mulher gravando um vídeo do próprio rosto em frente a um ring light
Não dá para aprender tudo em um vídeo de TikTok (Guia do Estudante/canva/Guia do Estudante)
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“A ideia é basicamente uma receita de bolo, você não precisa saber escrever”. “Isso dá para você usar em literalmente toda a redação, você tem que fazer uma crítica ao Brasil”. “Em basicamente todos os temas você consegue culpar o Estado”. “Para alcançar mais de 900 na redação hoje é extremamente fácil”. O estudante que se prepara para o Enem provavelmente já ouviu exatamente essas frases ou variações delas no TikTok. Não faltam ex-vestibulandos que entraram para as raras estatísticas das notas altas na dissertação do exame oferecendo fórmulas milagrosas para seus seguidores – mágicas mesmo, daquelas que prometem uma nota mil aos piores alunos de redação.

Mas será tirar notas acima de 900 na redação do Enem é mesmo “extremamente fácil”? Essas técnicas ensinadas nas redes convencem quem vai corrigir o texto? O GUIA DO ESTUDANTE foi atrás destas respostas. Conversamos com duas ex-corretoras do exame para ouvir o que elas pensam a respeito das fórmulas do TikTok – e para descobrir se seguir esses modelos pode ajudar ou atrapalhar na hora da prova.

+ Todos os temas que já caíram na redação do Enem

Thomas Hobbes sabe tudo? O que os corretores acham de repertório “coringa”

Que atire a primeira pedra quem nunca salvou um post sobre frases, filósofos ou qualquer repertório “coringa” para usar na redação do Enem. A promessa é que com essas poucas palavras você consegue sustentar uma argumentação sobre absolutamente qualquer tema – de turismo espacial a desastres ambientais.

É o que promete, por exemplo, um vídeo do TikTok de pouco mais de um minuto em que a estudante afirma que em todos os temas é possível argumentar culpando o Estado. A princípio, pode parecer aqueles textões de Facebook que culpam o governo por absolutamente todos os males do país, mas ela dá um tom sofisticado: inclui como repertório o pensador Thomas Hobbes.

“Acerca disso, de acordo com o filósofo inglês Thomas Hobbes, é dever do Estado proporcionar meios que auxiliem o progresso de toda a coletividade”

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Será que um filósofo que viveu há quase 500 anos no Reino Unido dá conta de discutir qualquer assunto – mesmo que seja a valorização dos povos originários no Brasil, como cobrou o Enem na última edição? A resposta é: depende.

Para uma das ex-corretoras ouvidas pelo GUIA DO ESTUDANTE, um repertório distante do tema pode ser considerado pela banca caso esteja vinculado à argumentação e faça sentido no projeto do texto. “O que não pode ocorrer é a citação sem vínculo com a argumentação do texto”, afirma. Mas é preciso atenção.

Uma segunda correta lembra os estudantes que, para atingir a pontuação máxima na competência 2, é preciso que o repertório citado cumpra três requisitos:

  1. ser legitimado por alguma das grandes áreas do conhecimento
  2. ser pertinente ao tema
  3. ser produtivo (correlacioná-lo com a voz autoral)
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O Thomas Hobbes – assim como qualquer outro filósofo, artista ou livro “coringa” – provavelmente seria considerado legitimado. Mas poderia escorregar nos dois últimos requisitos. Se não estiver muito bem justificado, o corretor pode considerar que o repertório não é pertinente ao tema proposto pela banca, ou ainda que não dialoga com todo o restante da argumentação e, por isso, não é produtivo.

“Vende-se por aí a ideia de uma citação universal com frequência, quando na verdade, na maior parte das redações, a pontuação máxima na Competência 2 vem pelo uso de outros repertórios bem utilizados ao longo do texto (sobretudo na argumentação) e não pela ‘citação milagrosa’ que normalmente abre a introdução”, defende a ex-corretora.

+ Tema da redação do Enem: quais foram os assuntos mais cobrados em 20 anos?

Prepara o print

Alguns influenciadores, seja no TikTok ou em outras redes sociais, vão além: eles não apenas sugerem citações e argumentos coringa, como disponibilizam um modelo de redação prontinho, apenas com os espaços em branco para preencher com a frase-tema proposta na prova. A ideia é que os estudantes tirem um print da página, memorizem tudo tim-tim por tim-tim, e reescrevam na hora do Enem.

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O primeiro ponto que você precisa saber sobre a estratégia, é que sim, os corretores notam de cara quando se deparam com esses textos decorados. “O candidato não tem a noção de que o avaliador irá ler, no mínimo, 100 textos em época de trabalho com as redações. Eles, os textos decorados, repetem-se muito!”, afirma uma das ex-corretoras.

Além de se repetirem, os textos decorados costumam ficar na superficialidade, isso quando não apresentam de fato desvios óbvios. Aliás, está aí o primeiro risco que o estudante corre com este tipo de estratégia: será que a redação que você está decorando é realmente exemplar? E se alguma palavra difícil, bonita, foi usada de maneira inadequada ou fora do contexto correto? Pois é, você erra junto.

+ “Ensimesmado”, “destarte”: palavras difíceis garantem nota boa na redação?

Vale mencionar que os corretores do Enem não podem penalizar um texto porque percebem que ele foi decorado de algum modelo pronto da internet. “Infelizmente, na banca do Enem não há o que fazer”, explica uma das corretoras, afirmando que outros vestibulares já preveem penalização. É por isso que, hipoteticamente, se alguém conseguir de fato memorizar um bom modelo de redação do TikTok e aplicá-lo com exatidão na hora da prova pode alcançar uma boa nota. Na prática, não é o que acontece.

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“Em minha experiência, vejo que as decorebas não costumam ter uma nota muito além da média (em torno de 600, pois ficam na superficialidade)”, afirma a segunda corretora. Apesar de não ser penalizado por cópia, este perfil de texto, em geral, não cumpre bem o que as competências avaliam. “É fácil entender os motivos: como um texto previamente pronto e decorado pode trazer uma defesa de ponto de vista contundente sobre um tema que eu, candidato, ainda nem sei qual é?”, defende a corretora.

Decorar é diferente de adaptar

Se decoreba não garante nota boa na redação do Enem, o mesmo não se aplica às adaptações! As duas ex-corretoras ouvidas pelo GUIA afirmam que valer-se de uma mesma estratégia de texto para qualquer tema não é o mesmo que decorar, até porque é preciso uma boa dose de reflexão.

Neste sentido, uma das corretoras aponta, inclusive, uma contradição entre os tiktokers que afirmam não ser necessário “saber escrever” para tirar uma excelente nota na redação. Na maioria das vezes, o que eles fizeram não foi uma mera cópia, mas uma adaptação de outros textos.

“As adaptações sim podem alcançar notas mais altas, pois na verdade, adaptar é seguir uma forma ou estratégia já previamente estudada e praticada com diferentes temas”, defende. Na prática, essa estratégia pode apresentar as teses na introdução, inserir os repertórios ao longo da argumentação e não apenas na introdução, ou até memorizar alguns conectivos mais adequados para cada parte do texto.

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Para isso, é importante conhecer a fundo a estrutura do texto dissertativo-argumentativo do Enem. É, nas palavras da corretora, usar a previsibilidade do exame em benefício próprio. E acredite: pode dar muito menos trabalho do que decorar a redação de alguns influenciadores.

“Ironicamente, a grande maioria deles passou pelo menos um ano estudando e praticando a redação no ano em que prestou o Enem”, afirma a corretora, que ainda alerta, “o pior de tudo em um texto decorado é que não traz, na maioria das vezes, o resultado esperado na nota”.

As estatísticas também não mentem: se fosse tão simples alcançar mais de 900 pontos na redação do Enem memorizando modelos prontos, por que apenas 5,4% dos candidatos teriam alcançado o feito em 2022?

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Redação
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