A professora de redação que teve três notas 1000 no Enem 2022
Além disso, 95% dos seus alunos tiram mais de 900 pontos. Conheça Milla Borges, que usa a empatia, o pensamento crítico e repertórios pop para ensinar
Milla Borges sempre correu atrás das coisas. Muito antes de se formar em Letras, antes de saber que queria ser professora, antes mesmo até de entrar na vida adulta, a carioca já trabalhava duro. Tirou a carteira profissional aos 16 anos e conseguiu seu primeiro emprego no McDonalds para pagar a mensalidade da escola, que o pai, adoentado, não conseguia mais arcar.
Nos anos seguintes, foi promotora de vendas, recepcionista de clínica de estética, vendedora de shopping, trabalhou na logística de uma loja de eletrônicos, foi funcionária de uma papelaria no Mercadão de Madureira, secretária em uma empresa de porcelana e cristais – e finalmente, desde 2012, professora de redação. Desde 2020, ela tem seu próprio curso de redação especializado no Enem e na UERJ – com o qual conseguiu, em 2022, o feito incrível de ter três alunas nota 1000 na redação do Enem. Desde 2018, a professora de 38 anos já acumula seis alunos com nota máxima na produção de texto.
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Os resultados de Milla são impressionantes. De acordo com ela, 95% de seus mais de 250 alunos do ano passado tiraram acima de 900 na redação do Enem. “Tudo mudou quando eu entendi que sala de aula é mais do que conteúdo. Tem a ver com acolhimento, entender as dificuldades do aluno e perceber que eles não aprendem todos da mesma forma, que são diferentes entre si”, diz. Não à toa, é esse olhar atento que ajuda a explicar os resultados de seus alunos.
Professora improvável
Formada primeiro em artes cênicas, a sala de aula nunca foi o plano original de Milla. Seu sonho era ser atriz. “Sempre tive um lado meio artístico. Eu gostava de escrever, de fazer peças na escola. Meu pai me incentivava a ler muito, então com 13 anos eu já tinha lido ‘O Cortiço’, ‘Dom Casmurro‘, Clarice Lispector“, conta. Foi com essa veia artística que, logo depois do colégio, Milla se inscreveu em artes cênicas em uma faculdade particular, custeada pela tia. Depois de formada, porém, não conseguiu trabalhar na área, notoriamente difícil. Então, seguiu pulando de trabalho em trabalho, em áreas que não necessariamente a atraíam. “Sempre que me ofereciam um pouco mais de dinheiro, eu ia lá e mudava de emprego.”
A certa altura, porém, percebeu que precisava de um curso superior que pudesse lhe dar um pouco mais de estabilidade. Assim, decidiu se matricular em Letras. Foi na faculdade que tudo mudou. Ainda como estudante, começou a corrigir redações para cursinhos e percebeu que levava jeito para isso. Em 2014, se formou e não teve dificuldades em encontrar trabalho como professora de escolas na Zona Sul do Rio e em cursinhos pré-vestibulares, sempre focada em redação.
“Foi nessa época que eu resolvi mergulhar de cabeça no assunto, para entender o que havia por trás das redações que tiravam as melhores notas”, conta. Aos poucos, Milla foi desenvolvendo um método próprio de correção e aulas de redação, que acabaria se tornando a semente do cursinho que ela abriria anos depois, e hoje conta com quase 900 alunos.
Ela pratica o que chama de “correção humanizada e detalhada”. Ao contrário de outras plataformas – que alardeiam avançadas inteligências artificiais treinadas especificamente para corrigir textos no modelo Enem –, Milla acredita na importância de ter uma pessoa avaliando as criações dos alunos. Treina seus corretores (atualmente são 22 que trabalham com ela) para dar pareceres cuidadosos. “Um feedback mal dado pode desmotivar. Eu acredito muito na empatia nessa hora – o que não quer dizer ficar passando a mão na cabeça dos alunos. É saber elogiar os pontos fortes e criticar apontando caminhos”. De fato, algumas alunas de Milla entrevistadas pelo GUIA DO ESTUDANTE, que tiraram notas altíssimas no Enem, disseram que foi essencial receber as correções, olhar para os erros, e reescrever as redações do zero.
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Tudo é repertório
Outro ponto central do método de Milla é dar agência a seus alunos. “Eu gosto de mostrar para o estudante que ele não é uma tábula rasa. Quando ele chega no terceiro ano do Ensino Médio, já tem muita bagagem. Ele é um sujeito contextualizado, que existe no mundo, capaz de ter pensamento crítico”, conta.
De certa forma, ela atua como uma pequena iconoclasta em sala de aula. Para Milla, tudo que um aluno consome pode servir de repertório para as redações do Enem: das músicas que ouve no fim de semana, às novelas no fim do dia, seriados, filmes, notícias de pessoas famosas, a vida de influenciadores. Nada de ficar citando sempre as mesmas frases prontas da “Utopia“, de Thomas More, que vivem aparecendo como citações infalíveis em perfis de redes sociais. Os modelos de redação prontos, aliás, ela apelidou de “caveirão”, em referência ao carro blindado usado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, usado para ações militares nas chamadas “áreas de risco”. Ou seja, precisa ser evitado a qualquer custo.
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“As redações sempre pedem temas que existem de fato no mundo, não é nada escondido do dia a dia das pessoas. Então o aluno é, sim, capaz de olhar criticamente para o assunto e escrever sobre ele”, diz Milla. Em contrapartida, ela exige que os estudantes façam a parte deles: escrevam muitos textos, estudem os feedbacks, reescrevam o que erraram. Afinal, “nota 1000 não cai do céu, né”.
Milla, por sua vez, continua sendo a trabalhadora que sempre foi. Quando o GUIA DO ESTUDANTE a entrevistou para esta reportagem, assim que ligamos a câmera para conversar, a professora ainda terminava de amamentar seu filho caçula, um bebê de poucos dias de vida. Ainda assim, passou mais de uma hora explicando seus métodos, citando os nomes de alunos que a marcaram, demonstrando uma esperança inabalável na educação. “O vestibular adoece os estudantes. Eles entram na internet e veem os perfis de estudo e ficam se comparando. Infelizmente, o aluno perdeu a capacidade de acreditar em si mesmo”, diz ela. Milla, no entanto, segue acreditando.
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