Cientista brasileira vence concurso mundial e quer ajudar o país
Segundo a jovem, o que falta para os brasileiros que poderiam ser brilhantes no setor são oportunidades
Nadia Ayad ainda se lembra de quando seu pai a ensinou a andar de patins. Foi um dos muitos exemplos de aprendizado científico da família, já que ele mesmo nunca tinha colocado um par nos pés. “É pura física”, dizia. Embora a teoria estivesse certa, Nadia continuou caindo. “Pelo menos entendi por quê”, diverte-se ela, que é bolsista do Programa Líderes da Fundação Estudar.
Sua família compartilha o interesse científico: tanto os pais quanto o irmão são pesquisadores, caminho que a carioca formada em Engenharia de Materiais pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) também deseja seguir, assim como dar aulas.
Atualmente fazendo doutorado em Bioengenharia na Universidade da Califórnia, em Berkeley, ela estampou manchetes ao vencer um concurso mundial organizado pela Sandvik sobre aplicação de grafeno.
À base de carbono, o grafeno é o material mais fino e mais forte já criado, além de ser transparente e um excelente condutor de calor. Em resumo, promete revoluções – e uma delas pode ter a assinatura de Nadia.
Ainda graduanda, ela pesquisou as propriedades do grafeno e avanços recentes até ter seu insight: usá-lo em um sistema de filtragem e dessalinização de água para reciclá-la e, assim, combater a escassez em regiões áridas e semiáridas.
Foi um exemplo prático da carreira em Bioengenharia que ela estuda para seguir. Este campo trata do desenvolvimento de novas tecnologias, do ponto de vista da engenharia, para resolver problemas da ciência da vida.
“Isso vai desde a criação de próteses e novos equipamentos médicos até o estudo de criação de tecidos e órgãos sintéticos e engenharia genética”, explica ela, que também cogitou estudar biomedicina ou biofísica.
Como não havia uma graduação do tipo no país, Nadia decidiu primeiro criar sua base de engenharia no IME, seguindo os passos da mãe.
Entre trabalhos voluntários, estágios de pesquisa e iniciações científicas no Brasil e no exterior – ela passou um ano na Universidade de Manchester, onde o grafeno foi criado, e estagiou na Imperial College London –, Nadia diz ter consolidado sua escolha de carreira.
O aspecto de rede e de legado da ciência, em que o conhecimento é obtido de forma crescente através de publicações e interações com cientistas de todos os cantos e avançado com novas pesquisas e hipóteses, é algo que a atrai.
“É como disse Isaac Newton: ‘Se vi mais longe, foi por estar em pé sobre ombros de gigantes’.”
A ciência no Brasil
Durante a infância, Nadia cansou de ver o pai trabalhar à noite ou em fins de semana para checar um experimento. “Eu via como meu pai e outros cientistas próximos a ele não eram valorizados e, de certa maneira, trabalhavam principalmente por amor.”
Foi a mesma razão que a fez escolher a carreira acadêmica ao invés de áreas mais financeiramente recompensadoras. “Eu gostaria de tentar contribuir para a ciência e para a humanidade tanto com minha pesquisa quanto com divulgação científica, ajudando as futuras gerações de cientistas do país”, explica.
Isso não significa que Nadia está satisfeita com o status quo brasileiro, que se agravou com cortes em consequência da crise. Os fundos atuais são insuficientes para pagar insumos, equipamentos e bolsas de estudos aos alunos, o que pode resultar em uma fuga de cérebros para o exterior ou a opção por outros tipos de emprego no setor privado.
Durante seu tempo na Inglaterra, Nadia viu em primeira mão a abundância de recursos financeiros e estruturais que um país que realiza experimentos de alto nível oferece.
“Isso mostrou que ainda podemos melhorar muita coisa no Brasil em termos de estrutura, pois cientistas criativos e de alta qualidade é o que não falta aqui”, afirma.
Uma maneira de fazer isso, opina Nadia, é optar por uma estratégia nacional que destaque a importância de investimentos em ciência e tecnologia e de profissionais da área. “Eles são importantíssimos para o desenvolvimento econômico e social do país”, fala.
Outro ponto é diminuir a distância entre o que sai dos laboratórios e resultados palpáveis para a sociedade. Para isso ocorrer, é preciso uma melhor integração entre as descobertas do setor acadêmico e a indústria, e também iniciativas que popularizem a ciência.
Essa falta da compreensão por parte da sociedade – e ela diz que cientistas têm uma culpa parcial, já que precisam desmistificar seu trabalho e comunicar suas pesquisas de maneira mais compreensível – tem consequências não só em termos financeiros, mas também para a formação da futura geração de cientistas.
“Tive a sorte de contar com os meus pais para me mostrar isso dentro e fora de casa, mas precisamos que mais pessoas tenham acesso a mostras de ciências e programas educativos”, fala.
Diversidade
A falta de conhecimento e interesse popular pela ciência tem aspectos perversos. Desestimula jovens a seguirem a carreira tanto diretamente – eles optam por carreiras mais lucrativas, por exemplo – quanto indiretamente, ao não mostrar que ela é possível para todos e não só para privilegiados.
Nadia tem consciência de sua responsabilidade em relação a isso. Ela integra uma estatística dupla e desgostosa: faz parte das apenas 5,5% de mulheres negras bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e que tem por objetivo fomentar o tema no país.
Durante seus estudos em instituições de ponta, ela encontrou poucos outros alunos negros, apesar do país ter a maior população negra fora da África, mas espera que sua história “sirva de inspiração e motivação para essas meninas seguirem e brilharem em seus sonhos de serem cientistas”.
Defensora de ações afirmativas como cotas e da importância de modelos inspiracionais – ela cita o longa “Estrelas além do tempo”, sobre um grupo de cientistas negras da NASA nos anos 1960, e um filme em desenvolvimento sobre Enedina Alves Marques, a primeira engenheira negra do Brasil –, Nadia diz que a diversidade é fundamental para a inovação.
“Pessoas diferentes têm maneiras diferentes de abordar um problema e talvez seja aquela criança que não teve a oportunidade de ter uma boa educação que tem o potencial de descobrir uma cura para o câncer”, fala.
“O Brasil é um país cheio de mentes brilhantes, porém o que falta são oportunidades – tanto para que essas mentes descubram que podem ser cientistas quanto oportunidades para atingir esse sonho.”
Esta matéria foi publicada originalmente no portal Na prática, da Fundação Estudar.