Imagine um homem que já foi muito rico, parte da realeza, mas que no fim da vida encontra-se em completa decadência. No livro escrito por Eça de Queiroz, este homem chama-se Gonçalo Mendes Ramires – daí o título “A Ilustre Casa de Ramires”. A obra publicada em 1900 revelou uma fase de maturidade do autor português, em que ele de certa forma faz as pazes com seu país. Mas isso não o impediu de, ao longo das páginas, tecer diversas críticas a Portugal, usando do próprio protagonista para fazer uma metáfora dos tempos de glória e da decadência de sua nação. O livro, importante na literatura de Língua Portuguesa, acabou incluído na lista de obras obrigatórias da Fuvest, o vestibular da USP.
Para te ajudar a conhecer “A Ilustre Casa de Ramires”, o GUIA DO ESTUDANTE conversou com André Barbosa, professor de Literatura do Colégio Oficina do Estudante, e Eduardo Calbucci, professor e autor do Sistema Anglo de Ensino, e preparou um resumo sobre a obra. Confira abaixo.
Sobre o que trata a obra?
A “Ilustre Casa de Ramires” é romance que começou a ser publicado em folhetins pela Revista Moderna e foi editado em 1900 (ano da morte do autor).
A obra se passa em um momento em que Portugal vivia um momento turbulento, que acaba desencadeando a Proclamação da República, no começo do século 20. Era a crise final da monarquia portuguesa.
“Havia uma discussão muito grande de como o país poderia resgatar a grandeza do século 15 e do século 16, na época das grandes navegações. Muita gente acreditava que isso poderia se dar por meio de um processo de colonização da África – no caso de Portugal, praticamente uma recolonização”, explica Calbucci.
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A personagem principal, Gonçalo Mendes Ramires, é justamente um fidalgo mais antigo do que o próprio reino de Portugal, mas que está em decadência completa. Ele “tem nome”, é um nobre, aristocrata, mas enfrenta diversas dificuldades financeiras.
No presente da narrativa, Gonçalo mora em uma antiga propriedade rural e vive do arrendamento de suas terras. Por estímulo de um velho amigo, o fidalgo decide contar os feitos de seus antepassados – embora nem tudo que narre possa ser considerado verdade (ele manipula a narrativa de acordo com sua vontade). Trata-se, então, de uma ambiguidade que faz da obra um misto de homenagem ao passado e crítica ao presente de Portugal e seus antigos nobres, representados pela “ilustre casa” do título.
“Em linhas gerais, Gonçalo simboliza uma nação saudosa do passado e afundada em uma crise presente, que parece maior em contraste com uma história deslumbrante. Afinal, os antepassados dele foram ativas personagens de eventos históricos de Portugal, como batalhas no contexto das Cruzadas e outros fatos notáveis. A situação do Ramires ‘atual’, o protagonista, espelha uma nação sem brilho, muito inferior à ‘ilustre casa’ do passado”, explica Barbosa.
No final do livro, ele vai para a África e consegue um empreendimento colonial que dá muito certo. Então, Gonçalo é apresentado na conclusão do livro explicitamente como uma espécie de metáfora de Portugal.
Sobre Eça de Queiroz
Para entender melhor a obra, é importante entender mais sobre Eça de Queiroz, que pode ter sua obra dividida em três fases, segundo Calbucci.
“Sua primeira experiência literária estava mais próxima do romantismo. A segunda como um momento de realismo mais radical, que a gente chama de realismo naturalismo. É nessa época que ele publica ‘O Crime do Padre Amaro’ e ‘O Primo Basílio’. E ele tem um último momento da vida, um pouco mais maduro, que a gente chama de realismo fantasista”.
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Segundo o professor, é nesse último momento em que o autor deixa um pouco a simplificação do naturalismo de lado e vai passar a ter um olhar um pouco mais carinhoso e acolhedor com as coisas de Portugal.
“Nessa última fase, ele meio que vai fazendo as pazes com o seu país. As últimas obras de Eça de Queiroz, ambas de publicação póstuma, ‘A Ilustre Casa de Ramires’ e ‘A Cidade e as Serras’, mostram esse momento de reencontro com as coisas nacionais. Essa obra trata de Portugal e trata de um olhar um pouco mais, como eu disse, acolhedor”.
Mesmo assim, existem inúmeras críticas no decorrer da narrativa. Uma delas é ao obscurantismo político de Portugal na transição dos séculos 19 e 20, como uma antiga potência que estava perdendo espaço para nações como a Inglaterra. “Em resumo, critica-se um Portugal ancorado nas memórias de um passado notável, porém irrepetível”, completa Barbosa.
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Como a obra pode cair no vestibular
O livro pode ser cobrado tanto na primeira quanto na segunda fase, ou seja, tanto na forma de múltipla escolha quanto na versão dissertativa. “Podemos esperar questões de abrangência histórica (que relacionem o romance à propagada decadência de Portugal por volta de 1900) e de aspectos intrínsecos à estrutura da narrativa e seus elementos, como a progressão do enredo e a composição de personagens”, explica Barbosa.
Como a obra já apareceu anteriormente na Fuvest, uma dica dos professores é revisitar provas antigas e observar como as questões foram cobradas.
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“Ilustre Casa de Ramires” e as outras obras da lista
A Fuvest costuma relacionar algumas obras em suas questões, seja comparando contextos históricos, personagens ou mesmo críticas.
Neste caso, uma comparação poderia ser feita com “Quincas Borba”, de Machado de Assis, que é um outro romance realista cobrado pela Fuvest, por conta de sua proximidade histórica e porque ambos fazem uma certa discussão sobre os princípios monárquicos.
“O Romanceiro da Inconfidência” e o “Marília de Dirceu” também poderiam ser relacionados à obra, pois de alguma forma estão ligados à Inconfidência e, portanto, a um período colonial do Brasil.
Mas Calbucci destaca que o mais importante não é tentar prever quais são as comparações possíveis, mas conhecer as obras o suficiente para que, caso o vestibular faça uma comparação, o estudante esteja preparado para isso.
A ilustre Casa de Ramires
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