Torto Arado: resumo e análise da obra de Itamar Vieira Junior
A obra, sucesso de vendas e crítica, é um mergulho profundo em temas como racismo, disputa de terras e escravidão moderna
Vencedor do prêmio Jabuti em 2020, o livro “Torto Arado”, do brasileiro Itamar Vieira Junior, já foi traduzido e publicado em mais de 20 países. Fenômeno de vendas, a obra caiu no gosto do público-leitor – e também das bancas de grandes vestibulares. Ele é leitura obrigatória no vestibular da UEL (Universidade Estadual de Londrina) e da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Em 2023, ganhou destaque ainda maior quando apareceu na prova do Enem. Mas afinal, qual é a história de “Torto Arado”?
O GUIA DO ESTUDANTE traz abaixo um resumo da obra, além de uma análise dos principais aspectos da narrativa, os temas abordados ao longo do livro e os motivos pelos quais ele se faz tão atemporal. Confira!
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A história de Torto Arado
O romance faz um recorte que ajuda a entender melhor o Brasil, sua história e os desafios de quem vive às margens da sociedade. É um retrato da realidade vivida por brasileiros que parecem ter sido esquecidos, seja em termos políticos, econômicos ou sociais.
A obra é dividida em três partes:
- Fio de corte, com 15 capítulos;
- Torto Arado, com 24 capítulos;
- Rio de sangue, com 14 capítulos;
No total, são pouco mais de 250 páginas – e vale destacar que cada fase tem um narrador diferente. Ao longo do enredo, o autor destrincha o universo de trabalhadores rurais descendentes de escravizados, e as dificuldades enfrentadas por esse grupo geração após geração.
A história se passa no sertão baiano, em Água Negra, uma fazenda fictícia na Chapada Diamantina. As protagonistas são duas irmãs, Bibiana e Belonísia, e história delas é contada desde a infância até a vida adulta.
Tudo começa quando elas, ainda crianças, encontram uma misteriosa faca de prata antiga com um cabo de marfim guardada em uma mala sob a cama da avó. Elas colocam o objeto na boca e acabam se acidentando – com uma delas perdendo a língua. A partir de então, suas vidas ficam ligadas para sempre, já que a irmã muda passa a se comunicar por meio da outra.
Ao longo do livro, é possível compreender que a família das irmãs vive em uma situação análoga à escravidão: na fazenda do patrão, eles não têm direito à terra, a uma moradia digna e sequer aos alimentos que plantam e cuidam nos arredores da casa. Porém, durante boa parte da narrativa, nem chegam a refletir sobre os direitos que possuem, sobre o trabalho que realizam e boa parte do que colhem é repassado para os “senhores”, proprietários das terras. O latifúndio e o trabalho servil são pano de fundo da história.
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Esse universo das personagens ainda é marcado pela violência, por períodos de seca, mas também por todas as crenças, a religiosidade, a mistura cultural e a ancestralidade africana.
Isso porque eles têm uma forte conexão com a natureza e com a espiritualidade, sendo praticantes do Jarê, uma religião de matriz africana semelhante ao candomblé.
Por isso, é válido destacar que a história está fortemente atrelada a um mundo espiritual. Além disso, traz à tona um universo de encantamentos, em uma espécie de realismo mágico.
Bibiana e Belonísia
Acompanhando o enredo, fica claro que cada irmã apresenta a história que viveu, o passado da família e suas raízes de um ponto de vista diferente – principalmente por causa do acidente que encararam na infância.
Enquanto Bibiana corre atrás dos estudos formais e busca crescer em uma profissão, Belonísia – a irmã que ficou muda – se dedica à plantação, ao cuidado do lar e aos ensinamentos de seu pai sobre a terra.
Ao longo de sua trajetória, ela acaba desenvolvendo um olhar mais espiritualizado em relação à realidade, além de uma conexão maior com seu povo, a terra e ancestralidade. Por isso, é com ela que o leitor consegue entender melhor o universo da família e todos os mistérios que a cercam, principalmente em relação ao pai das protagonistas.
Além disso, é Belonísia quem representa os que vivem à base de restrições. Ela traz, por exemplo, as dificuldades enfrentadas em relação à fome durante os períodos de seca ou de chuvas extremas, quando as plantações são destruídas.
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Já Bibiana apresenta um outro lado de toda essa realidade. Depois de partir da casa dos pais ainda jovem e retornar anos depois, com família constituída, a jovem começa a organizar os trabalhadores da fazenda Água Negra para reivindicar o status de território quilombola, garantindo assim o direito às terras onde vivem.
Além da ligação que criaram desde o acidente na infância, as irmãs crescem e, aos poucos, vão compreendendo suas próprias existências. Juntas, tomam maior consciência das injustiças que acometem seu povo.
Principais características de Torto Arado
Alguns dos principais temas abordados na obra são:
- luta pela dignidade do trabalhador do campo;
- cultura e herança africana;
- fome;
- seca;
- violência de gênero;
- formação identitária;
- relações familiares, sociais e de poder.
Uma das estratégias do autor foi construir a narrativa de forma a ocultar em que época da história do Brasil os fatos se passam. É como se o enredo pudesse estar situado em diferentes períodos.
Muito disso se deve ao fato de que é como se as leis e os direitos civis não tivessem chegado a essa população, que está vivendo no presente da mesma maneira que se vivia há décadas ou mesmo séculos atrás. Além disso, mostra como alguns problemas, entre eles o racismo estrutural, ainda estão enraizados na sociedade e, infelizmente, parecem atemporais.
Dessa forma, o autor traz à tona todos os resquícios de um país de passado colonial e escravista, mesclando impasses individuais das personagens com questões mais amplas.
O autor
Itamar Vieira Junior trabalhou no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Assim, conseguiu explorar suas experiências teóricas e práticas em relação à terra e aos conflitos históricos pela posse nas páginas da obra.
O escritor leva o leitor a um mergulho nas profundezas de um Brasil pouco conhecido por muitos, principalmente os que vivem nas grandes metrópoles. Um país que, mesmo depois de mais de um século da assinatura da Lei Áurea, não conseguiu se livrar totalmente do passado escravocrata.
Torto Arado
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