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Revisão: a história da demarcação de terras indígenas no Brasil

Em 1500, havia 6 milhões de indígenas por aqui. Seu direito a terras só foi estabelecido na Constituição de 1988, mas nunca foi devidamente respeitado

Por Lilian Carmona
20 out 2023, 12h16
Mulheres indígenas protestam no Congresso para que seus territórios sejam respeitados. 13 de agosto de 2019.
Mulheres indígenas protestam no Congresso para que seus territórios sejam respeitados. 13 de agosto de 2019.  (Tuane Fernandes/picture alliance/Getty Images)
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Existem diferentes formas de contar a população indígena nacional. No Brasil, considera-se como pessoa indígena aquela pessoa que se declara como tal no Censo, não importando se vive em terra indígena ou numa cidade. Levando isso em conta, existem atualmente 1.693.535 indígenas no país, de acordo com o Censo de 2020, que registrou um aumento de 89% nesse número, graças a uma mudança na forma de entrevistar as pessoas.

No início de 2023, o Brasil possuía 573 terras indígenas declaradas, homologadas ou regularizadas, nas quais viviam 622 mil indígenas, segundo os dados oficiais. Amazonas, Roraima e Mato Grosso do Sul detinham 46% da população indígena que vivia em terras demarcadas no Brasil naquele momento.

Desde o início de seu governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) homologou mais seis Terras Indígenas em abril e duas em setembro, o que eleva o total a 581. Segundo a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, a meta seria homologar mais seis TIs até o fim do ano. Estes decretos representaram a retomada dos processos de demarcação, paralisados no governo de Jair Bolsonaro (PL).

+ Resumo: a situação dos povos indígenas durante o governo Bolsonaro

A Constituição de 1988 prevê, em seu artigo 231, que os povos indígenas têm “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Também determina que “as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas destinam-se à sua posse permanente”. Os direitos dos indígenas sobre suas terras são definidos como “originários” porque são anteriores à criação do Estado brasileiro e levam em conta toda a história da colonização.

Com frequência, ouve-se a seguinte pergunta: “Mas não é muita terra para pouca gente?” A Constituição dá uma resposta sábia e civilizada a essa questão, definindo as terras indígenas como as “imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”. 

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Vamos dar um exemplo: uma etnia nômade, que coleta e caça, passa certo tempo em uma área, até reduzir os seus recursos naturais, e migra para outra, permitindo à primeira se recompor (o que pode durar anos). Assim, as terras habitadas pelos indígenas são largas extensões, que variam segundo a cultura e o modo de vida das populações. Para respeitá-las, é preciso entender isso.

Um olhar histórico

Quando os portugueses chegaram, em 1500, ao que se estima, havia até 6 milhões de indígenas no território em que hoje é o Brasil. O processo de colonização levou a uma diminuição drástica das variadas populações indígenas, como resultado de ações de extermínio, do contato com doenças trazidas da Europa (para as quais não tinham defesa imunológica), da perda de suas terras e da escravização. 

Em consequência da colonização, que começou quase inteiramente a partir da costa, o grosso dos indígenas sobreviveu nas áreas mais interiores do país. As populações nativas da Amazônia e de regiões isoladas resistiram melhor, basicamente porque viviam em áreas de difícil acesso, com pouca ou nenhuma presença colonizadora – é bom lembrar que a Região Norte, por exemplo, era quase inteiramente área da Coroa Espanhola até a segunda metade do século 18.

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O reconhecimento de que os indígenas têm direito às terras que habitavam aparece em Constituições anteriores e até em leis do período colonial, mas nunca teve aplicação prática. No século 20, o governo federal e os governos locais frequentemente consideravam as áreas em que viviam indígenas como terras públicas e as distribuíam ou vendiam a fazendeiros. Foi o que aconteceu no Mato Grosso do Sul, um dos estados que, atualmente, mais registra conflitos ligados aos povos originários. 

O cenário só começou a mudar na década de 1960, com a criação da primeira reserva indígena, a do Xingu, e a transformação do Serviço de Proteção ao Índio na Funai (1967). Nessa época, a população indígena nacional já havia diminuído para estimadas 70 mil pessoas – frente às 6 milhões em 1500, é bom lembrar.

+ O papel da Funai, de sua criação até os dias de hoje

Foi apenas com a Constituição de 1988 que se estabeleceu claramente o direito originário dos indígenas à terra, e que a demarcação e proteção de suas reservas tornaram-se obrigações do Estado brasileiro. A Carta de 1988 previa um prazo de 5 anos para que todas as terras indígenas no Brasil fossem demarcadas. Esse prazo não foi cumprido, mas todos os governos desde então demarcaram e homologaram terras indígenas. Menos o último.

Na gestão de Jair Bolsonaro, nenhuma Terra Indígena foi declarada ou homologada, e as poucas providências em relação a direitos territoriais indígenas só foram tomadas por determinação judicial. Bolsonaro já tinha dito, durante a campanha eleitoral de 2018, que não demarcaria “nem um centímetro” de terras indígenas. E sua gestão foi muito além disso, pois praticamente destruiu qualquer política indigenista: desmontou a estrutura da Funai, retirou verbas de programas sociais para indígenas e reduziu a fiscalização para proteger as TIs de invasões.

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Em 1500, havia 6 milhões de indígenas por aqui. Seu direito a terras só foi estabelecido na Constituição de 1988, mas nunca foi devidamente respeitado

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