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Por que o Brasil tem tantas barragens perigosas?

Regras para a construção e manutenção dessas obras existem. O que falta é fiscalização mais eficiente e leis que proíbam o método mais barato e perigoso

Por Tiago Cordeiro
22 Maio 2019, 15h16

Em 5 de novembro de 2015, a maior tragédia envolvendo barragens de rejeitos em toda a história aconteceu no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, MG: foram de 50 a 60 milhões de metros cúbicos despejados. É lama o suficiente para cobrir a montanha mais famosa do Brasil: o Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, tem 48 milhões de metros cúbicos.

Em 25 de janeiro de 2019, o acidente mais letal já registrado pelo setor de mineração no Brasil, com 241 vítimas fatais localizadas, aconteceu em Brumadinho, também em Minas Gerais. Em maio, outra cidade mineira, Barão de Cocais, ligou o alerta quando soube que a barragem Sul Superior poderia se romper a qualquer momento.

Essas três obras têm muito em comum. São de responsabilidade da Vale – a de Bento Rodrigues era gerenciada pela Samarco, um consórcio da empresa brasileira com a companhia anglo-australiana BHP. As três estão em Minas Gerais. E foram construídas seguindo o mesmo método, muito mais barato e perigoso do que os demais. Trata-se da barragem com alteamento a montante.

Parede de dejetos

Diferentemente de barragens de usinas hidrelétricas, que costumam ser construídas com concreto, o mais comum em barragens de rejeitos de mineração é que suas paredes sejam feitas com terra. Em primeiro lugar, é construído um dique, que retém a lama cheia de resíduos químicos, gerada durante o processo de beneficiamento dos minérios. O dique inicial é ampliado na medida em que mais lama é produzida.

A partir dessa estrutura básica, existem três maneiras de ampliar a altura da barragem, para que ela suporte uma maior quantidade de lama. No caso do alteamento a jusante, o dique é ampliado na direção oposta ao acúmulo de resíduos, de forma que o tamanho da barragem aumenta na medida em que os resíduos são produzidos. É o método mais caro e mais seguro, porque utiliza terra seca, e não a própria lama resultante do beneficiamento dos minérios.

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Existe um sistema intermediário, o da linha de centro, em que o dique é ampliado na vertical, formando uma parede progressivamente mais alta. E há o método a montante.

Nesse caso, o dique é erguido para dentro da barragem, usado como base a própria lama com resíduos. Dessa forma, a parede que sustenta a estrutura é feita de terra muito úmida, o que reduz sua segurança. O método, comum na mineração brasileira desde os anos 1950, é proibido em países com vasta tradição na mineração, como o Chile. Estados Unidos e França, entre outras nações desenvolvidas, estão desativando gradativamente as suas barragens com alteamento a montante.

Em fevereiro deste ano, o governo proibiu a construção de novas barragens com esse método e determinou que as que ainda estão em funcionamento sejam desativadas até 2023. Desde o acidente de Bento Rodrigues, já é proibido, no estado de Minas Gerais, construir barragens com alteamento a montante. A Vale prometeu que irá abandonar todas as 10 estruturas que nesse modelo.

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Mas tem um problema. Desfazer esse tipo de obra não é simples: o chamado processo de descomissionamento é caro e demora vários anos para ser concluído de forma segura.

Legislação ampla

O Brasil tem 717 barragens de rejeitos, a maior parte em Minas Gerais e no Pará. Desse total, pelo menos 88 delas usam, segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), “alteamento a montante ou desconhecido”. Ao todo, 56 barragens são consideradas de médio risco. E duas são de alto risco: as duas barragens da Mina do Engenho, uma obra abandonada em Rio Acima, mais uma vez em Minas Gerais. Elas pertenciam a uma empresa que parou de atuar em 2011. 

O Brasil tem normas claras para suas barragens de mineração. A Agência Nacional de Mineração (ANM) mantém uma Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), que estabelece normas para a construção, a manutenção e até mesmo a desativação de barragens – atualmente, 449 das 717 estruturas são consideradas adequadas de acordo com essa legislação.

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O problema é a fiscalização: a ANM conta com 35 profissionais capacitados para investigar as barragens, sendo que aproximadamente 400 delas precisam de fiscalização presencial. O que significa que cada fiscal precisaria atuar em 11 barragens.

Esse é apenas um dos fatores que contribui para que acidentes aconteçam com frequência. “Dentre os fatores de vulnerabilização a esses eventos estão as legislações negligentes (multas irrisórias, regulamentação precária), a corrupção dos agentes públicos, bem como fatores naturais, como solos instáveis e ausência de planejamento e tecnologias adequadas nas construções”, afirmam os pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Lucas Vasconcellos Teani Machado e Dolapo Gbadebo Azeez no estudo Incidentes e Acidentes em Barragens. “A solução para mitigar os riscos desses eventos”, eles escrevem, “é a implantação de uma fiscalização periódica mais rigorosa e a adoção de estudos e técnicas estruturais mais eficientes”.

Enquanto isso, os acidentes se sucedem. Desde 2001, aconteceram seis desastres no país, todos em Minas Gerais: em 2001, em Nova Lima, morreram cinco pessoas. Dois anos depois, mais de 600 mil pessoas ficaram sem água quando a barragem de Cataguases lançou rejeitos industriais no rio Paraíba do Sul. Em 2007, cerca de 4 mil pessoas foram desalojadas depois do acidente da barragem do rio Bomba em Miraí. Sete anos depois, o lançamento de rejeitos de minérios da barragem de Herculano, em Itabirito, matou três pessoas. Se a barragem de Barão de Cocais se romper, não será exatamente uma surpresa.

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