A consagração de Dias Gomes como um dos principais dramaturgos do teatro brasileiro moderno se deu com O Pagador de Promessas (1960), cujo potencial o crítico Sábato Magaldi reconheceu antes mesmo da estreia. A obra conta a história trágica de Zé do Burro, que viaja de sua aldeia, no interior da Bahia, até Salvador carregando uma cruz.
Seu objetivo era depositá-la no altar a fim de agradecer a Santa Bárbara (lansã) a salvação de seu burro Nicolau, que estava doente. Chegando à cidade, porém, é impedido pelo vigário de cumprir a promessa. O que parecia ser uma demonstração trivial de fé torna-se uma polêmica de proporções assustadoras na cidade e o fim inevitável do protagonista.
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As qualidades que de imediato a crítica identificou na obra encontram-se nas referências de Dias Gomes aos exploradores sempre prontos a tirar proveito de Zé do Burro: “É toda a cidade de Salvador, com suas prostitutas e seus rufiões (um deles seduz a esposa de Zé), os seus jornalistas e os seus negociantes interesseiros, os seus delegados e os seus padres bem-falantes”, segundo o crítico Décio de Almeida Prado, que age de modo a sufocar o protagonista.
A imprensa local vê no caso a chance de vender mais jornal – mas alegando defender a liberdade de expressão; alguns chamam Zé do Burro de “comunista”; a polícia o considera um baderneiro; as mães-de-santo querem que ele defenda o candomblé; e políticos pedem o seu apoio. O mundo da cidade, da capital, choca-se com as crenças e a visão mítica de Zé do Burro. E a miscigenação religiosa nesse caso expõe quanto seus limites de tolerância são frágeis. O dramaturgo sintetiza as tensões sociais e os desníveis culturais de um país.
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Segundo Dias Gomes, o texto surgiu das lembranças da promessa de sua mãe ao Senhor do Bonfim e de uma notícia de jornal segundo a qual um ex-soldado alemão paralítico prometera carregar uma cruz até a gruta da Virgem de Lourdes caso a santa o fizesse andar. O Pagador de Promessas surgia então pela necessidade de o autor entender esse fenômeno.
Para ele, não se tratava de uma peça didática nem necessariamente panfletária: “Zé do Burro faz aquilo que eu desejaria fazer – morre para não conceder. Não se prostitui. E sua morte não é inútil, não é um gesto de afirmação individualista, porque dá consciência ao povo, que carrega o seu cadáver como bandeira”, afirmou o dramaturgo em nota de uma edição da peça publicada em livro. Gomes faz referência à cena final da obra, em que Zé do Burro entra na igreja, mas é morto e levado pelo povo de Salvador.
Dias Gomes nasceu em 1922, em Salvador, e morreu em 1999, em São Paulo, em um acidente de carro. Sua popularidade cresceu ainda mais quando, em 1962, a versão cinematográfica da peça dirigida por Anselmo Duarte ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes.
É também autor de, entre outros, Pé-de-Cabra (1942), Zeca Diabo (1943) e A Revolução dos Beatos (1962). Fez sucesso na tevê como novelista ao escrever O Bem-Amado (1973), Saramandaia (1976) e Roque Santeiro (1985).
Esse texto faz parte do especial “100 Livros Essenciais da Literatura Brasileira”, publicado em 2009 pela revista Bravo!
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