Na adolescência, costumava ler um livro da Agatha Christie por semana. Ia até a biblioteca da escola e mergulhava num mundo de mistérios e suspense. Chegando à época de vestibular, esse meu ritmo de leitura diminuiu para dar lugar aos estudos. Mas aquela foi uma das melhores lembranças de quando era mais jovem, sem dúvida. Qual não foi meu espanto ao descobrir que, na vida real, a escritora passou por uma aventura muito parecida com as descritas em seus livros? Durante 10 dias, ela ficou completamente desaparecida e levou a polícia a fazer uma investigação digna de Hercule Poirot, seu famoso detetive da ficção.
Vamos aos fatos!
Quando: Dezembro de 1926
Onde: Guilford, cidadezinha ao sul de Londres
Como: A história começou quando a polícia encontrou um carro batido contra uma árvore. Aparentemente, o acidente não tinha sido grave, pois o veículo estava quase intacto, mas com as portas abertas. Dentro, eles encontraram objetivos que pareciam pertencer a uma mulher de classe alta: um par de luvas e um casaco de pele bem elegante. Mas, o carro estava abandonado, sem vítimas. Ao investigarem, descobriram que o veículo estava em nome de Archibald Christie… Hum, esse sobrenome… Sim, ele era marido da famosa escritora de livros policiais, a Rainha do Crime, Agatha Christie.
A poucos quilômetros do acidente, em Berkshire, a família Christie já se preparava para ir prestar queixa de desaparecimento quando a polícia bateu à porta, na manhã seguinte ao sumiço da escritora. Agatha havia saído de casa às 20h45 do dia anterior e não deu mais notícias. A investigação descartou a hipótese de sequestro, porque ninguém tinha pedido resgate ou deixado algum bilhete. Chegou-se a cogitar até as hipóteses de suicídio ou assassinato. Mas… Quem seria capaz de matar a escritora? Ou, qual seria o motivo para ela mesma querer tirar a sua vida?
Conversa vem, conversa vai, a polícia descobriu que o seu marido tinha uma amante e, a partir de então, ele passou a ser o principal suspeito do sumiço. O casal estava distante já há algum tempo, e a relação dos dois só piorou depois que a escritora perdeu a mãe e entrou em depressão. Archibald, antes de Agatha desaparecer, tinha pedido o divórcio e confessado a traição com Nancy Neele, que ele conheceu durante uma temporada em Londres.
A cobertura da impressa sobre o caso e todas essas revelações deixaram os britânicos agitadíssimos. Só se falava disso nas ruas. A família e principalmente sua filha, Rosalind, de 7 anos, estavam bem preocupados. O governo queria que o caso terminasse logo – para mostrar a eficiência da polícia, claro. Até outros famosos do mundo dos romances policiais se aventuraram na investigação. Arthur Conan Doyle, criador de Sherlock Homes, então com 67 anos, era adepto do espiritismo e chegou a levar uma das luvas encontradas no carro para um médium, com esperanças de encontrar alguma resposta.
– Arthur Conan Doyle e o espiritismo
Não foi preciso aguardar uma resposta do além, no entanto. Depois de 10 dias, um músico foi à polícia e disse ter visto Agatha Christie hospedada em um hotel de luxo. Os investigadores foram ao local e descobriram que ela tinha se registrado como Teresa Neele (sobrenome idêntico ao da amante do marido). Ela estava bem, mas parecia um pouco confusa. Apesar de ter curtido a estadia de modo bem sociável – chegou a cantar com a banda do músico que deu a pista -, não reconheceu a foto de sua própria filha, nem o próprio Archibald.
Passado o estresse e a confusão mental, depois disso ela se separou do marido cafajeste e se casou com o arqueólogo sir Max Mallowan e saiu por aí viajando pelo Oriente Médio e pela África. Graças a essa mudança de ares, produziu inúmeros best-sellers que tiveram como plano de fundo essas locações (vide um dos meus livros preferidos dela, “Assassinato no Expresso do Oriente”, de 1934).
Motivo: Até hoje a história permanece sem solução. Nessa reportagem da Aventuras na História, várias hipóteses foram levantadas. Na minha opinião, ela precisava de um tempo para pensar na vida e, por isso, sumiu sem deixar rastros.
Podem ter certeza… Se tem alguém que seria capaz de arquitetar um bom mistério sem explicação, essa pessoa é, sem dúvida, a Agatha Christie.