O ministro da educação turco, Ziya Selcuk, admitiu essa semana que o governo da Turquia já incendiou mais de 300 mil livros desde 2016. A intenção era eliminar qualquer menção ao teólogo, pensador e escritor muçulmano Fethullah Gülen, acusado de promover uma tentativa de golpe de Estado contra o presidente Recep Tayyp Erdogan há três anos. Gülen vive exilado na Pensilvânia, nos Estados Unidos, e nega ter arquitetado um golpe.
Segundo o governo, os livros queimados haviam sido publicados por editoras já fechadas naquele mesmo ano, acusadas de propaganda terrorista. Os livros, no entanto, não são escolhidos apenas pelo filtro ideológico: qualquer relação possível de ser feita com Fethullah Gülen, por mais descabida que seja, coloca o livro na lista incendiária.
Segundo o site Turkey Purge, mantido por jornalistas independentes e que denunciam a censura no país, um livro de matemática chegou a ser proibido em 2016 por conter uma explicação que mencionava o ponto F e G (iniciais do teólogo). Quase 2 milhões de livros também foram para a fogueira por mencionarem a Pensilvânia, estado nos Estados Unidos onde Gülen vive hoje.
Parece absurdo Mas, infelizmente, novidade não é. Governos autoritários já fizeram o mesmo em diversos momentos da história. Mesmo a Igreja Católica criou sua lista negra literária durante a Idade Média, a Index Librorum Prohibitorum. Grandes escritores e pensadores como Victor Hugo e Thomas Hobbes já apareceram na Index, que teve sua última edição atualizada em 1948. Ainda assim, só em 1966 a lista foi oficialmente extinta. É, parece que Fahrenheit 451 nunca foi tão distópico assim.
Os clássicos russos proibidos pela União Soviética
A literatura russa é política e combatente de nascença. Por isso, não é de se estranhar que na época da União Soviética diversos autores criticassem o regime soviético e o próprio chefe de Estado. Grandes nomes da literatura do país como Boris Pasternak, com seu O Dr. Jivago, ou Mikhail Bulgákov, com O Mestre e a Margarita, fizeram parte da lista negra do Glavlit (Direção-Geral de Assuntos Literários e Editoriais). Os Filhos da Rua Arbat, de Anatoli Ribakov, tinha como um dos protagonistas da trama Stálin, e foi duramente reprimido.
A grande fogueira nazista
Em 10 de maio de 1933, milhares de livros viraram cinza em fogueiras por toda a Alemanha. Era a “limpeza na literatura” promovida pelos nazistas, como justificou o poeta simpatizante de Hitler, Hanns Johst, na época. Entre os autores condenados à fogueira estavam o vencedor do Nobel de Literatura de 1929, Thomas Mann, e o judeu alemão da Escola de Frankfurt Walter Benjamin, além de Freud, Nietzsche, Marx e tantos outros. Em 1934, a lista alemã já reunia cerca de 3 mil obras.
No Chile, o cubismo virou apologia a Cuba
Achou absurdo queimarem livros com referência à Pensilvânia na Turquia? O Chile de Pinochet não ficou tão para trás nas teorias da conspiração. Entre os mais de 15 mil livros queimados pelos militares da ditadura, muitos eram sobre o movimento artístico conhecido como cubismo, que tem entre um de seus expoentes Pablo Picasso. Uma das características do movimento na pintura é o uso de formas geométricas nas representações, daí o surgimento de seu nome. Mas não foi bem assim que Pinochet entendeu… para ele, “cubismo” fazia referência a Cuba, que havia feito sua revolução em 1959 e instaurado o socialismo. Para expurgar o perigo comunista, todos os livros foram para a fogueira.
Proibido ler e mencionar no Instagram
No ano passado, a notícia de que a China havia bloqueado a menção de alguns livros como 1984 e a Revolução dos Bichos, de George Orwell, e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, nas redes sociais gerou críticas em todo o mundo. Todas esses livros são distopias que condenam regimes autoritários. Mas a censura literária na China não é novidade e tampouco restrita às redes sociais. A Administração Geral da Imprensa e Publicações (AGIP) é o órgão responsável pela regulação de editoras no país, e passa pelo seu crivo as obras e autores que podem ou não serem publicados. Essas medidas causam uma profunda instabilidade no mercado editorial chinês, já que cerca de 60% das editoras vivem na ilegalidade com a compra de números ISBN (obrigatórios para a publicação de um livro) das editoras autorizadas pelo governo.
No Kuwait, não se pode ler Victor Hugo nem García Márquez
Na teoria, Cem Anos de Solidão e Nossa Senhora de Paris ferem de alguma forma o Islã ou a Justiça do Kuwait. Essa é a justificativa oficial do país, que censurou nos últimos seis anos ao menos 4 mil livros. A proibição é feita pelo Ministério da Informação apoiado por uma lei aprovada em 2006 pelo Parlamento, permitindo o controle sobre a imprensa e a publicação de livros. O regime político do Kuwait é a monarquia parlamentarista.