A lista de leituras obrigatórias da Fuvest 2024 sofreu três alterações em relação à edição passada – entre elas, a inclusão de “Nós Matamos o Cão Tinhoso!“, reunião de contos do autor moçambicano Luís Bernardo Honwana. O livro, lançado no ano de 1964, tem como pano de fundo opressão colonial portuguesa e a luta pela independência do povo de Moçambique, que durou 10 longos anos. Por conta deste contexto, a obra, considerada uma produção contemporânea, teve grande impacto político e social.
A divisão da literatura moçambicana é dada em cinco períodos, e “Nós Matamos o Cão Tinhoso!” se encaixa justamente no quarto deles, chamado de Desenvolvimento da literatura do país. Os textos deste período, publicados entre 1964 a 1975, são marcadamente políticos.
“Nós Matamos o Cão Tinhoso” foi originalmente publicado com sete contos, mas recentemente adicionou-se um oitavo. Cada um deles traz uma história independente, apesar de ter personagens recorrentes ao longo do livro, como Ginho, menino negro moçambicano que narra algumas das histórias.
De maneira geral, as histórias abordam a realidade dura e sufocante de trabalhadores e de crianças moçambicanas durante a colonização portuguesa e retratam, portanto, a experiência do oprimido.
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Resumo da obra
Atualmente, o livro é compostaopor oito contos, todos com histórias independentes, mas que conversam de alguma maneira entre si. O principal deles, “Nós Matamos o Cão Tinhoso!“, contém 39 páginas, e é também o maior. Nele, seguimos o narrador-personagem Ginho que precisa, com a colaboração de outros meninos, dar cabo de um cão velho e muito ferido, o cão tinhoso. No início do conto há uma descrição arrastada da monotonia do cotidiano de todas as personagens (animais e crianças, principalmente) que aos poucos vai sendo substituída por uma onda crescente de violência e crueldade, já prenúncio de uma atmosfera local em transformação.
O segundo conto, “Inventário de Móveis e Jacentes“, acompanha um narrador deitado, sem sono, que nos apresenta os cômodos de sua casa, sua grande família e os móveis, todos numa imobilidade que iguala pessoas e coisas, como um símbolo de estagnação em que o país estava imerso.
No terceiro conto, “Dina”, temos o personagem Madala que, velho e adoentado, mal se aguenta no trabalho da machamba (agricultura) e se vê afrontado pelo capataz que abusa de sua filha, deixando indignados os trabalhadores mais jovens. Eles querem reagir e para isso precisam da sua anuência para enfrentar o capataz. A situação é uma metáfora para o conflito entre moçambicanos e o dominador português.
A esses três seguem-se outros “Papá, cobra e eu”, que fala sobre a cumplicidade entre pai e filho na reação contra o domínio lusitano, e “As mãos dos Pretos”, sobre o racismo. Em todos, surgem personagens ora conscientes da dominação que lhes era imposta e que a aceitando passivamente, ora reagindo, como em “A velhota” e “Nhinguitimo”.
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Principais características da obra
A cultura da oralidade é traço marcante no livro. Podemos observar esta característica por meio da escrita de Honwana, que utiliza diversas palavras de línguas locais para marcar uma diferença do português europeu – um exemplo é a palavra “dina”, que é o momento do almoço na cultura moçambicana.
Os contos são narrados em primeira pessoa, com exceção do conto “Dina”, que é o único em terceira (narrador onisciente). Sobre este elemento, por sinal, é relevante observar que quatro dos oito contos são contados sob a perspectiva de uma criança, o que causa um efeito especial em função de sua visão ingênua sobre o mundo.
O tempo ao longo do livro é linear e a história se passa no período em que Moçambique ainda era colônia de Portugal.
Vale mencionar que o conto “Rosita, até morrer” apresenta características diferentes das apresentadas nos outros sete, por ter sido adicionado posteriormente. Nele, a personagem Rosita escreve para seu ex-namorado após ter sido abandonada por ele.
É importante estar atento às críticas espalhadas pelos contos, como o racismo, a violência contra a mulher, o anseio por liberdade e a opressão imposta aos dominados. Afinal, tudo isso pode ainda ser observado no mundo moderno e são assuntos que a Fuvest costuma abordar.
“Nós Matamos o Cão Tinhoso” e as outras obras da Fuvest
Aliás, por falar em Fuvest, Também vale ficar de olho aos pontos de contato entre as leituras obrigatórias do vestibular, aspecto característico da prova.
Podemos perceber essa intersecção entre o livro de Honwana e “Romanceiro da Inconfidência” – obra de Cecília Meireles que também faz parte da lista de leituras obrigatórias –, no que diz respeito à truculência com que os portugueses tratavam os povos dominados (um exemplo prático é o jovem agredido em “A Velhota” e as penas impostas aos inconfidentes em Minas Gerais).
Autor: quem é Luís Bernado Honwana
Luís Bernado Honwana nasceu na atual cidade de Maputo, capital de Moçambique, no ano de 1942. Cresceu no interior do país até voltar, aos 17 anos, à capital para estudar jornalismo. Os temas apresentados em “Nós Matamos o Cão Tinhoso!” são muito caros ao autor, que chegou a ser preso pela polícia política por fazer parte do movimento que defendia a autonomia do país, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).
Por conta de suas atividades políticas e filiações, foi preso no ano de 1964 por autoridades portuguesas, e permaneceu encarcerado durante três anos. Também em 1964, seu livro foi publicado em Moçambique.
Em 1969, ainda durante o imperialismo colonial português, a obra foi traduzida e lançada em inglês, alcançando grande reconhecimento internacional.
Em 1970, Honwana rumou em direção a Portugal, onde foi estudar Direito. Foi descoberto por José Craveirinha, um dos mais importantes poetas moçambicanos.
Colaborou: Carlos Alberto Escoza, professor de Língua Portuguesa do Colégio Rio Branco; Amanda Oscar, professora de literatura e redação, autora do material de língua portuguesa, produção de texto e assessora pedagógica do Sistema pH
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