Situado na terceira geração do modernismo, o recifense João Cabral de Melo Neto (1920-1999) consagrou-se como um dos principais poetas brasileiros. É, pelo lado materno, primo do sociólogo e escritor Gilberto Freyre (1900-1987), enquanto, pela raiz paterna, tinha parentesco com Manuel Bandeira.
Em princípio, sua poesia sofre influência surrealista pela via do colega Murilo Mendes, como se percebe na primeira obra, “A Pedra do Sono“, de 1942, em que emprega conceitos freudianos e elementos oníricos. Com “O Engenheiro” (1945), dá-se início ao estilo que João Cabral levaria por toda a vida: textos claros e objetivos, despojados de qualquer ornamentação. Nos versos já maduros de “O Cão sem Plumas” (1950), que fala do rio Capibaribe, a temática passa a privilegiar também a perspectiva social.
Embora fizesse parte da chamada Geração de 45, que procurou desbastar os “excessos” do modernismo por meio de um rigor formal de moldes parnasiano-simbolistas, João Cabral soube superar os limites dessa vertente, à qual também pertenceram Manuel de Barros (1916-2014), Paulo Mendes Campos (1922-1991), José Paulo Paes (1926-1998), Lêdo Ivo (1924-2012), Péricles Eugênio da Silva Ramos (1919-1992), entre outros. O propósito de Cabral em cortar dos versos todos os elementos supérfluos, inclusive os musicais, na busca por uma nova objetividade, empresta à sua poesia uma áspera expressividade de grande frescor.
Em “Morte e Vida Severina“, longo poema que saiu no livro “Duas Águas”, de 1956, harmonizam-se forma e temática social. Nestes auto de Natal pernambucano, o autor trata da luta de Severino, um retirante do agreste, pela sobrevivência. Guiado pelo rio Capibaribe rumo ao litoral, Severino busca chegar à capital, almejando uma vida digna.
Pelo caminho, depara-se com as diversas facetas da morte – causada pela seca, pela fome, que corrói as entranhas do país, e pela disputa por terras áridas. Ele tenta a todo custo fugir da destruição e corre em busca da perspectiva de dias melhores, mas a cidade grande revela uma realidade tão dura quanto a do sertão. Diante de tal situação-limite, Severino planeja o suicídio atirando-se da ponte sobre o rio Capibaribe, que o guiara até ali.
Contudo, após presenciar o nascimento de uma criança (filho de José, o mestre “carpina”, numa clara alusão ao nascimento de Cristo), reacende-se no coração do herói a esperança de vencer a vida “severina”, e Severino acaba por desistir de seu intento. Musicado por Chico Buarque de Holanda, o poema fez grande sucesso no teatro, no Brasil e no exterior.
Veja abaixo o trecho que diz respeito à revelação da vida, que se apresenta ao personagem principal:
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.
Título: Morte e Vida Severina
Autor: João Cabral de Melo Neto
Este texto faz parte do especial “100 Livros Essenciais da Literatura Brasileira”, publicado em 2009 pela revista Bravo!
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