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Entenda o que foi o Massacre da Praça da Paz Celestial na China

Manifestantes acampados no centro de Pequim foram atacados por tanques de guerra e metralhadoras. Ainda hoje o assunto é proibido na China

Por Taís Ilhéu
Atualizado em 10 ago 2022, 15h52 - Publicado em 4 jun 2019, 13h42

Entre as dez da noite de 3 de junho e o amanhecer do dia 4 de junho de 1989, o exército chinês atacou os civis de seu próprio país. Centenas, talvez milhares de pessoas foram mortas nas ruas de Pequim – as estimativas variam muito. De trabalhadores que simplesmente andavam pela rua até estudantes que protestavam no centro da capital, pessoas desarmadas foram alvejadas por metralhadoras.

Tanques de guerra manobraram pelas avenidas da cidade, dando tiros na direção dos manifestantes. Ambulâncias tentando transportar feridos também eram atacadas, e os hospitais recebiam ordens de não prestar atendimento às vítimas. Até hoje, o governo chinês proíbe qualquer menção ao assunto. Mas o Massacre da Praça da Paz Celestial continua sendo lembrado e comentado no mundo inteiro.

Na noite do ataque, poucas pessoas morreram na praça em si. Boa parte das vítimas foi alvejada nas ruas e avenidas do entorno. Mas a praça ficou marcada pelo acontecimento porque, desde 13 de maio, milhares de estudantes estavam acampados ali, fazendo greve de fome. Foi também nos arredores do local que câmeras de TV de emissoras ocidentais registraram o momento mais icônico do episódio: na manhã do dia 5, quando o exército já controlava a situação, mas centenas de manifestantes ainda tentavam retomar o controle sobre a praça, um jovem usando uma camiseta branca se posicionou diante de um tanque.

O soldado tentou manobrar o veículo, mas o jovem se movia para o lado, impedindo a passagem. O manifestante chegou a subir sobre a máquina. Posicionado ali, trocou algumas palavras com o militar. Na sequência, foi afastado por colegas manifestantes. Até hoje a identidade desse jovem é desconhecida. Não se sabe o que aconteceu com ele.

Greve de fome

O massacre foi resultado de uma escalada de incidentes que havia começado em abril. Em 1989, fazia uma década que a China vinha realizando uma série de reformas, políticas e econômicas. A imprensa contava com certa liberdade, a rede de universidades havia sido ampliada e a economia de mercado vinha sendo implementada gradualmente. O comando do país havia sido reorganizado, a fim de evitar que uma única pessoa centralizasse todas as ações – como havia acontecido ao longo do governo de Mao Tsé-Tung, entre 1949 e 1976. O processo de abertura levou também o país a se reaproximar da União Soviética, com quem as relações estavam estremecidas desde os anos 1960.

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As mudanças conduzidas pelo líder Deng Xiaoping haviam viabilizado o surgimento de uma classe de estudantes e intelectuais, e eles estavam insatisfeitos com a lentidão das reformas políticas. Além disso, boa parte da população se via prejudicada pelas mudanças econômicas, que vinham provocando inflação e desemprego.

Em 15 de abril de 1989, faleceu Hu Yaobang, que havia sido expulso do governo em fevereiro. Antes disso, Hu Yaobang era Secretário Geral do Partido Comunista e o principal defensor, no alto escalão do governo, da abertura política e da redução no controle do que a população podia ler, ouvir ou falar. Durante o funeral do ex-secretário, milhares de jovens se dirigiram à Praça da Paz Celestial. Era um gesto tradicional: em 1976, milhares de pessoas haviam tomado o mesmo local para honrar a memória do premiê Zhou Enlai. Na época, a manifestação foi bem recebida pelo governo.

Conhecida na China como Tiananmen, a praça foi construída em 1415 – é mais antiga, portanto, do que o Brasil colonizado pelos portugueses. Atualmente, tem 880 metros de comprimento por 500 de altura. Sua área total, de 440.500 metros quadrados, é equivalente a 62 campos de futebol. Ampliada por Mao, com o objetivo de ser utilizada para grandes paradas militares, a praça está instalada no centro de Pequim e faz divisa com a Cidade Proibida.

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No dia 15 de maio de 1989, a praça seria palco de uma grande parada militar para recepcionar o líder soviético Mikhail Gorbachev. Era um evento muito importante, que deveria marcar uma nova era de amizade entre as duas nações. Por isso mesmo, dois dias antes, milhares de estudantes ocuparam a praça. Deram início a um protesto silencioso, que incluía uma greve de fome. Queriam ser ouvidos pelas lideranças do governo, para pedir mais abertura política e menos corrupção.

Violência

Em reação, o governo desistiu de recepcionar Gorbachev no local e realizou uma recepção no aeroporto da capital. O líder soviético foi embora no dia 18 de maio. Mas a imprensa internacional, convidada para presenciar o encontro, resolveu permanecer para monitorar o protesto dos estudantes. Rapidamente, o governo percebeu que a situação havia saído de controle na medida em que as manifestações ganhavam repercussão internacional.

Os estudantes haviam também conseguido apoio popular, e não só na capital. Ao fim do mês, havia protestos e greves em mais de 400 cidades da China. Enquanto isso, as lideranças do partido começavam a mobilizar tropas. A lei marcial foi declarada no dia 20 de maio e, dias depois, dezenas de tanques se aproximaram as maiores cidades do país, especialmente Pequim. Mas a população cercava os veículos, impedindo que eles avançassem. O exército então recuou e se reagrupou nos arredores das cidades. Parecia uma vitória do povo.

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Até que, na noite de 3 de junho, os militares começaram a entrar, atirando em quem se colocasse na frente. Por volta das 4 horas da manhã do dia 4, quando as notícias dos ataques nos arredores da praça já eram bem conhecidas, os manifestantes acampados foram cercados. Receberam ordem para se retirar. Enquanto a maioria obedecia, outros grupos tentaram resistir. Foi quando os tanques abriram fogo. O exército só deixaria a praça depois de dois meses, e a lei marcial só seria retirada em janeiro de 1990.

A repercussão internacional foi tão negativa que Europa e Estados Unidos estabeleceram um embargo para a venda de armas para a China. Esse embargo nunca foi retirado. Nos meses que se seguiram, o governo prendeu milhares de cidadãos e passou a fiscalizar suas famílias. Mesmo quem foi libertado passou a ser seguido dia e noite e passou a ter dificuldade em conseguir emprego. Até 2016, ainda havia manifestantes presos pelo incidente. Outros migraram para o exterior.

Ainda hoje, o governo local barra qualquer acesso a sites com informações sobre o incidente – por isso, ele é muito mais conhecido no exterior do que dentro do próprio país. Mas em Hong Kong e em dezenas de outros países, em especial na Ásia, cada aniversário do massacre costuma ser celebrado com procissões silenciosas com velas acesas. Em resultado do incidente, a liberação da economia prosseguiu, mas a abertura política foi bruscamente interrompida.

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