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‘Gregório de Matos – poemas escolhidos’ – análise da obra

Entenda os principais aspectos da obra de Gregório de Matos

Por Redação do Guia do Estudante
Atualizado em 10 nov 2021, 15h52 - Publicado em 28 set 2012, 22h10

Para entender a obra de Gregório de Matos é preciso conhecer o contexto histórico no qual ele está inserido, uma vez que grande parte de sua poesia (principalmente a satírica) faz alusão a duas de suas maiores referências: o Brasil e Portugal. No final do século XVII, Portugal estava em decadência, sendo que o sistema escravocrata não conseguia mais sustentar a economia da Metrópole. Assim, Portugal impunha ao Brasil uma série de restrições comerciais a fim de conseguir vantagens. Por conta disso, os senhores do engenho e proprietários rurais brasileiros passaram a enfrentar uma forte crise econômica.

Em contrapartida à crise do mercado de escravos e do engenho de açúcar, surge uma rica burguesia composta por imigrantes vindos de Portugal e que comandavam o comércio na colônia. Esta rica burguesia dominou também o mercado de crédito e outros contratos reais. Por conta do monopólio gerado por estes imigrantes, agravou-se a crise dos proprietários rurais brasileiros e a hostilidade entre esses dois grupos foi crescendo ao longo dos anos.

Gregório de Matos, como filho de senhor de engenho e bacharel em Direito, encontra-se em uma posição central neste cenário, tendo condições de pensar e analisar seu momento histórico sob diversas perspectivas. Gregório de Matos, apesar de ter tido diversos cargos de poder, resolve desligar-se de tudo e viver à margem da sociedade como um poeta itinerante, percorrendo o recôncavo baiano e frequentando festas e rodas boemias. Porém, mesmo distanciado da sociedade hipócrita a qual ele condena, ele também se insere nela, pois Gregório ainda depende da nobreza e vive à custa de favores deles. Ao mesmo tempo, ele encara o papel do portador de uma “voz crítica” sobre essa mesma sociedade na qual ele se insere.

Conforme explica José Wisnik, o poema satírico de Gregório de Matos é marcado por essa “briga” entre uma sociedade “normal” – que é a do homem bem nascido” – e outra “absurda” – que é composta por pessoas oportunistas, mas que estão instaurados no poder. Porém, no caso de Gregório de Matos a “sociedade absurda” é real, pois é a Bahia onde ele vive; e a sociedade considerada “normal”, que é a dos homens bem nascidos e cultos, é absurda perante a realidade baiana. Assim, ambas são consideradas absurdas uma perante a outra. Esse impasse é o da realidade histórica desse momento, coexistindo em um mesmo locas duas Bahia: uma “normal”, que é vista com ar nostálgico, e outra “absurda” e amaldiçoada.

Se de um lado existe a obra satírica de Gregório de Matos, onde ele expõe e critica sem nenhum pudor a sociedade da época, de outro lado há também a poesia lírica produzida por ele. Seus poemas líricos são comumente divididos em: lírico-amorosos e burlescos/eróticos. Há ainda uma vasta produção de poemas com temática religiosa. Porém, há de se ressaltar que a ironia e crítica social existente nos poemas satíricos não são deixados de lado em sua produção lírica e religiosa.

Na poesia amorosa e erótica de Gregório de Matos, o tema básico continua sendo o choque de opostos: “espírito” e “matéria”, “ascetismo” e “sensualismo”. Essa visão dualista também aparece na figura da mulher desejada, sendo que esta representa uma espécie de “anjo-demônio”. É interessante notar que na obra de Gregório de Matos o “outro lado” em um par de opostos sempre irá conter um pedaço do seu par antagônico. Ou seja, se tomarmos por exemplo a figura da mulher, quando ela aparece como um ser angelical, ela também terá uma parte demoníaca, e vice-versa.

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Dessa forma, a poesia lírico-amorosa de Gregório de Matos é construída em torno de contradições e pares de opostos, utilizando figuras de linguagens como o oximoro, que reforça essas contradições. Porém, deve-se ter em mente que estas contradições não se anulam e a mensagem final que o poeta passa é de que “diferença é identidade”. Já a poesia erótica de Gregório de Matos, na qual o poeta utiliza uma linguagem mais direta e explícita do que na lírico-amorosa, o amor carnal aparece como forma de libertação do corpo e, por consequência, do indivíduo também.

Por fim, tem-se a poesia religiosa de Gregório de Matos, que também é trabalhada constantemente através de pares de opostos. O ambiente fortemente cristão do período barroco, faz-se presente aqui, onde os pares antagônicos da vez é a “culpa” versus “perdão”. Gregório de Matos faz uso da poesia para se libertar e ela é a única forma possível de salvação para o poeta. Esta salvação não se dá somente entre o poeta e Deus, mas também perante a sociedade e si mesmo.

Poemas representativos

“A Jesus Cristo Nosso Senhor”
Este soneto é um dos maiores representantes da poesia sacra/religiosa de Gregório de Matos. Segundo a crítica literária, este poema foi inspirado em outros poemas de autoria desconhecida já existentes em língua espanhola. Outra inspiração do poeta foi é a passagem do evangelho de São Lucas, onde Jesus Cristo conta a parábola da ovelha perdida e conclui dizendo que “há grande alegria nos céus quando um pecador se arrepende de seus pecados e dá meia volta”.

Nesse soneto, a temática da “culpa” versus “perdão” aparece posta em xeque, pois o poeta utiliza da linguagem para conseguir seu perdão e salvação. Enfrentando o poder divino, o eu-lírico pede para que Deus cobre os pecados cometidos por ele, pois quanto mais pecados ele comete, mais Deus se esforça para perdoa-los. Assim, da mesma forma como o poder divino precisa perdoar, o pecador precisa pecar para poder ser perdoado.

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Estruturalmente, o soneto é composto por 14 versos decassílabos com rimas no esquema ABBA, ABBA, ABC, ABC.

“Aos Afetos, e lágrimas derramadas na ausência da dama a quem queria bem”
Este soneto faz parte da produção lírico-amorosa de Gregório de Matos. Estruturalmente é composto por 14 versos decassílabos com rimas ABBA, ABBA, CDC, DCD.

O poema é composto através de antíteses, figura de linguagem que aproxima pares de opostos, o que é uma marca da poesia lírico-amorosa de Gregório de Matos. A primeira parte do soneto, que é formada pelos dois quartetos, é marcada por um tom de lamentação onde o eu-lírico vive um embate entre “paixão” (simbolizado através de imagens como “fogo” e incêndio”) e “dor” (simbolizado por “neve” e “água”, remetendo à “lagrimas”). Na segunda parte, o eu-lírico se indaga sobre a natureza contraditória do amor, fazendo lembrar a lírica do poeta português Camões (“Amor é fogo que arde sem se ver/É ferida que dói e não se sente”). A ideia de que “diferença é identidade” presente na poesia amorosa de Gregório de Matos se faz presente de modo exemplar nesse soneto.

“Descreve o que era naquele tempo a cidade da Bahia”
Este soneto satírico é composto por versos decassílabos em esquema de rimas ABBA, ABBA, CDE, CDE.

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A Bahia de outrora aparece com um tom nostálgico, e o poeta critica a degradação moral e econômico no qual a cidade se encontra no momento. Os ladrões e oportunistas (comerciantes, etc) são os detentores do poder político e econômico, enquanto os trabalhadores honestos encontram-se na pobreza. Esse tom nostálgico e de lamentação aparece também no famoso soneto “À cidade da Bahia”, em que vemos a decadência dos engenhos de açúcar e a ascensão de uma burguesia oportunista segundo o poeta.

Comentário do professor

O professor Gilberto Alves da Rocha (Giba), do Curso Apogeu de Curitiba (PR), comenta que existem dois pontos principais na obra de Gregório de Matos que devem ser observados pelo estudante. O primeiro é o intenso conflito de ordem espiritual, típico do período barroco: de um lado, o Teocentrismo (teoria segundo a qual Deus é o centro do universo) e, de outro, o Antropocentrismo (segundo esta teoria, o homem é o centro do universo e este deve ser analisado de acordo com sua relação com o homem). Em sua poesia religiosa, Gregório consegue filtrar com maestria essa dualidade vivida pelo homem da época. Já o segundo ponto a ser observado, comenta o prof. Giba, é a linguagem do autor: assim como Gregório procura utilizar um vocabulário mais formal nos poemas líricos e religiosos, ele utiliza gírias e até termos de baixo calão nos poemas satíricos.

Pensando-se na prova do vestibular, o prof. Giba afirma que, por se tratar de obra poética, os aspectos formais (rima, métrica, vocabulário) são bastante explorados pelas bancas examinadoras e o aluno deve estar atento a questões desse tipo. Quanto aos temas tratados por Gregório de Matos, a temática do “carpe diem” (aproveitar o dia) está muito presente em sua poesia lírica, e é geralmente associada à ideia da efemeridade, um dos temas mais caros aos artistas barrocos. Por fim, o prof. Giba lembra a importância de Gregório de Matos dentro da literatura brasileira, pois ele foi o primeiro artista brasileiro a filtrar os desmandos políticos e o cotidiano da Bahia, Capital da Província na época.

Sobre Gregório de Matos

Gregório de Matos Guerra nasceu no dia 7 de abril de 1633, na cidade de Salvador (BA). Filho de um fidalgo português que se tornou senhor de engenho no Recôncavo baiano com uma brasileira, Gregório de Matos recebeu educação formal e se formou em Direito na Universidade de Coimbra, Portugal. Embora não se saiba muito sobre sua vida, acredita-se que ele tenha chegado a trabalhar como juiz em Lisboa e tenha frequentado a Corte Portuguesa, conhecendo inclusive o rei D. Pedro II. Nesse período ele também teria se casado, mas ficou viúvo algum tempo depois e teria entrado em decadência junto ao reinado de D. Pedro II.

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De volta a Salvador, Gregório de Matos trabalhou como Arcebispo e como tesoureiro-mór, mas foi desligado de suas funções por volta de 1683. A certa altura, casou-se com Maria dos Povos e vendeu as terras que havia recebido como herança. Conforme conta-se, Gregório de Matos guardou todo o dinheiro conseguido com a venda em um saco dentro de casa e gastava tudo sem economizar. Enquanto isso, trabalhava também como advogado e ficou famoso por escrever argumentações judiciais na forma de versos.

Após um tempo, Gregório de Matos largou tudo e tornou-se cantador itinerante pelo Recôncavo baiano, frequentando festas populares e convivendo com o povo. Nesse período ele passa a escrever cada vez mais poesias satíricas e eróticas, o que lhe rendeu o apelido “Boca do Inferno”. Além disso, ele escreveu diversas poesias de crítica política à corrupção e aos fidalgos locais, o que fez com que ele fosse deportado para Angola.

Gregório de Matos só pode voltar ao Brasil em 1695, mas com a condição de que ele abandonasse os versos satíricos e fosse morar em Pernambuco. Nessa altura da vida, ele volta-se para a religião e escreve diversos poemas pedindo perdão a Deus pelos pecados que cometeu. Falece em data incerta no ano de 1696 em Recife (PE).

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