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Faculdade aos 70: eles mostram que ser estudante é para todas as idades

José Alberto começa novo curso aos 70, Glória apresentou seu TCC com 60. Conheça a história destes estudantes

Por Luccas Diaz
Atualizado em 19 ago 2021, 14h31 - Publicado em 11 ago 2021, 20h09
idosos formados
 (Freepik/Divulgação)
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Ao falar em estudantes, grande parte das pessoas associam a palavra a uma criança ou a um adolescente na escola, ou lembram de um jovem adulto na universidade. Não é mesmo? No entanto, o perfil do estudante no Brasil é mais abrangente.

De acordo com os dados do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2012, o número de idosos no Brasil era de 25,4 milhões. Já em 2019 esse número saltou para 32,5 milhões. O aumento de 29,6% entre os setes anos sustenta o argumento de que a terceira idade está cada vez mais presente em setores da sociedade antes não preenchidos por pessoas mais velhas. E por que não no ambiente escolar?

Algumas universidades já estão reconhecendo isso. A Faculdade Senac de Pernambuco criou o programa Faculdade Aberta à Terceira Idade (Fati), disponibilizando 77 vagas em cursos de graduação e pós-graduação para pessoas acima de 60 anos. O processo seletivo consiste no envio de documentos e uma entrevista remota.

GUIA conversou com dois estudantes que mostraram que a busca pelo conhecimento não tem limite de idade. José Alberto da Cruz tem 70 anos e quer começar uma faculdade de jornalismo;  Glória Cazaroto Castiglion está há três anos aposentada da profissão de professora, depois de se formar na faculdade aos 60.

Calouro aos 70 anos

Homem negro careca usando terno posa em frente a um parede escrita
José Alberto é um verdadeira colecionador de diplomas: está indo para o seu 5º curso superior (Arquivo Pessoal/Reprodução)

José Alberto da Cruz é o que se pode chamar de colecionador de diplomas. Ao longo dos seus 70 anos, o agente fiscal de rendas aposentado se formou em Ciências Contáveis, Direito, fez uma pós-graduação em Direito Tributário e um mestrado também em Direito. Tudo isso compartilhando outro papel digno de coleção também: teve 10 filhos com a esposa.

“Eu acredito que o principal desafio é que a nossa sociedade sempre viu o cidadão de terceira idade como velho, não é?” brinca José Alberto. O gosto por estudar o acompanhou a vida toda e, segundo ele, sempre foi um lado essencial para o seu desenvolvimento. “O aprendizado é sempre muito importante na vida; o saber não ocupa espaço e acredito que quanto mais eu souber, mais eu vou me dedicar a aprender”, diz.

O aposentado conta que quando se formou na faculdade de Ciências Contáveis, em 1977, em Osasco, São Paulo, exerceu a profissão de contador por vários anos, até que o chamado pelo Direito o conquistou em 1997. Na área, ele não apenas fez uma graduação, como uma pós e um mestrado – tudo em um intervalo de apenas 4 anos. A vontade de conhecer novamente uma nova profissão, agora de jornalista, vem do seu gosto por leituras e atualidades.

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“Me surgiu essa vontade de fazer faculdade de jornalismo em razão de eu ter toda uma experiência de vida que eu gostaria um dia de colocar no papel”, explica sobre a sua paixão pela escrita. “Eu sou leitor diário de jornais, eu gosto muito da atividade jornalística, e por isso eu resolvi me dedicar a fazer esse curso superior agora”, conta.

Sobre suas supostas desvantagens por não ter a idade da maioria dos ingressantes no curso, José Alberto defende que as pessoas precisam enxergar as oportunidades que o cidadão velho traz. “Eu li um livro de Cícero, Saber Envelhecer, em que ele fala que a velhice deve ser muito bem aproveitada pela sociedade. Nós temos muito a oferecer ainda e acredito que com o curso superior agora eu tenha ainda mais a oferecer”, diz.

O futuro universitário ainda não começou o curso, mas já está com grandes expectativas. Ele acredita que sua maturidade e experiências irão enriquecer sua nova empreitada. “Vamos envelhecer bem! Vamos envelhecer com o aprendizado, com a ciência. Vamos ser úteis à sociedade porque nós temos muito o que transmitir para os jovens, para os adultos e para toda a sociedade em geral”, conclui.

‘Apresentei meu TCC com 60 anos’

Mulher branca de cabelos loiros e 65 anos de idade posa sentada com os braços apoiados em uma mesa de granito. Atrás dela há uma planta.
Glória Cazaroto sempre quis ser professora, mas foi impedida pela mãe e o marido (Arquivo Pessoal/Reprodução)

A história de Glória Cazaroto Castiglioni é um pouco diferente da de José Alberto. Nascida no interior do Espírito Santo, a menina era proibida pela mãe de ler livros na infância. Quando casada, a mulher foi impedida pelo marido de entrar em um curso superior. Só entrou no mercado de trabalho aos 40 anos, quando passou a trabalhar como assistente de educação infantil. Mas o que queria mesmo era realizar o seu sonho: ser pedagoga.

“Tinha uma diretora que gostava muito de diminuir os outros funcionários. Um dia eu cheguei e falei para ela: você só está diretora porque você é pedagoga, mas eu também posso ser pedagoga, você verá!”, conta a aposentada. Promessa feita, Glória decidiu iniciar a sua jornada no mundo universitário começando pelo Enem.

“Como eu não tinha condições de pagar uma faculdade, eu resolvi fazer o Enem. Estudei, estudei, estudei, fiz a prova, passei bem colocada e consegui duas bolsas de 100%; uma pelo Prouni e outra pelo Nossa Bolsa”, explica. Com as duas opções, a estudante teve até mesmo a opção de escolher em qual faculdade fazer o curso. Acabou escolhendo a bolsa oferecida pelo Prouni, por ser em uma faculdade de maior reconhecimento.

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“Entrar em uma faculdade me deu um ânimo, uma revigorada. Estar junto de uma classe, de outras pessoas com o mesmo sonho que eu… Eu até chorei no primeiro dia em que eu subi as escadas da faculdade”, relembra emocionada. “Eu falava para mim mesma que nunca tinha me visto subindo aquela escada, eu não imaginava que eu podia. Meu primeiro dia foi de muita alegria. Saber que eu era capaz, que eu podia, que só dependia de mim…”, conta.

Glória relata, porém, que não foi fácil. O curso era no formato híbrido, com aulas presenciais e à distância, e a tecnologia era um obstáculo. “Eu encontrei bastante dificuldade na questão da tecnologia. Em mexer no computador mesmo. Eu tive que aprender muita coisa”, diz. Sua filha, que na época morava no Rio de Janeiro, a ajudava pelo telefone a mexer no sistema da faculdade.

Além da dificuldade técnica, a aposentada fazia jornada dupla. Morando em Vila Velha, no Espírito Santo, trabalhava o dia todo em Vitória, cidade próxima. “Era uma distância que dependia de condução, então eu tinha que sair de casa cedo. Eu trabalhava a tarde toda. De noite eu saia de lá direto para o curso. Isso me deixava muito cansada”, diz. Ela pontua que teve que fazer sacrifícios para conseguir acompanhar as aulas. “Eu passei muito sábado, domingo, festa, aniversário, almoço de família em casa, sozinha, estudando para poder dar conta”, lembra.

Ninguém da sala de Glória tinha uma idade compatível com a sua, mas havia pessoas mais velhas, principalmente de meia-idade. “Tinham muitos novinhos que só queria zoar, mas tinha alguns com o mesmo objetivo que eu [de querer subir de cargo em uma escola]”. Ela conta que não sofreu nenhum tipo de preconceito. “Todos me tratavam muito bem, eu fazia parte de qualquer grupo, era tudo tranquilo, não tive dificuldade nenhuma nesse sentido”, diz.

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A pedagoga apresentou seu TCC faltando um dia para completar 60 anos e foi aprovada com louvor. Entrar um curso superior mudou não apenas o seu currículo, mas também a forma como se via na sociedade. “É uma recompensa, uma alegria muito grande. Levanta a autoestima, você se sente outra pessoa, se sente incluída mesmo no mundo”, explica. “Inclusive, em alguns cadastros antigos, aparecia antes que eu tinha o primeiro grau incompleto e quando voltei nesses lugares para atualizar eu tive o prazer de dizer: isso aqui mudou, eu tenho nível superior agora”, conclui.

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Entrevista
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