A essa altura do campeonato, todo mundo já entendeu que não existe a flexão “menas” para o advérbio menos. Menos, assim como mais, meio, todo, bastante são palavras que podem ter diferentes funções gramaticais. Menos, por exemplo, pode ser pronome, advérbio, substantivo e preposição. A norma padrão da língua considera errado flexionar essas palavras na função de advérbio e mesmo em locuções adverbiais. Mas nem sempre foi assim com todas elas: em alguns casos, a flexão era usada no passado e apenas depois passou a ser considerada erro; em outros, casos, há divergência entre os gramáticos quanto à flexão ser incorreta. Mesmo aprendendo que alguns usos não seriam errados, é altamente recomendável não usá-los em texto nos vestibulares. No caso da redação do Enem, por exemplo, repetir dois erros de flexão já tira pontos de competência. Veja algumas flexões, e suas surpresas.
Meio como advérbio
É quase como se “menas” fosse correto (a palavra não existe). Existe meia advérbio na literatura, concordando em gênero e número, só não é autorizado, digamos, que seja usado nos dias de hoje. Veja exemplos da norma padrão atual, e antigos agora considerados errados:
Uso na norma padrão atual da língua:
• Nossa democracia parece meio doente.
• Ela anda meio desligada.
Como chegou a ser usado no passado, e não se usa mais, citados no Novo Dicionário Aurélio:
• “a cabeça do Rubião meia inclinada” (Machado de Assis, em Quincas Borba);
• “casou meia defunta” (Machado de Assis, em Várias Histórias);
• “a mesma mulher, sempre nua ou meia despida” (Eça de Queirós, em A Cidade e as Serras);
• “Uns caem meios mortos, e outros vão/ A ajuda convocando do Alcorão.” (Luís de Camões, em Os Lusíadas);
• “cinzeiros com cigarros meios fumados” (José Régio, Histórias de Mulheres).
Bastante
Como advérbio não se flexiona, mas existe flexionado como pronome ou adjetivo. Exemplos:
• Há bastante divergência a respeito no Congresso (muita divergência…) (advérbio).
• Os convidados comeram bastante na festa. Creio que cada um comeu bastante. (advérbio).
• As alegações eram bastantes e bem fundamentadas (adjetivo).
• Havia motivos bastantes para divergir (adjetivo).
• Muita gente nos protestos, bastantes (pronome).
Todo
Todo pode ser adjetivo, advérbio, pronome e substantivo. Como advérbio, pela regra formal não deveria ser flexionado. Porém, alguns gramáticos atribuem a esse advérbio a qualidade de flexionar para concordar com a palavra a que se refere, às vezes assumindo quase a função de pronome indefinido. É o caso, por exemplo, dos dicionários de Domingos Paschoal Cegalla. Veja exemplos dentro da estrita norma padrão e outros em que o uso não parece, de fato, incorreto, enquanto advérbio flexionado.
Usos estritamente corretos do advérbio:
• O aluno era todo ouvidos.
• Mariana era a todo poderosa da empresa.
• Ela foi todo prosa receber seu prêmio.
• Ela estava de todo pronta.
Usos que contrariam a proibição formal, e que alguns gramáticos consideram corretos:
• Foi necessário pintar toda a parede.
• A moça ficou toda aflita.
• A aluna era toda ouvidos.
• Ela ficou toda preocupada.
• Vimos as crianças todas chorosas.
• Ela subiu ao palco toda prosa para receber seu prêmio.
Brincando com o problema: “A gramática precisa apanhar todos os dias para aprender quem é que manda!”. Frase que circula na internet, atribuída ao escritor e cronista Luis Fernando Veríssimo.
Obrigado, adjetivo
Agora, para variar, um adjetivo que flexiona em gênero (masculino e feminino) e número (singular e plural). É pouco comum ser falado de forma diferenciada, aparece mais facilmente em textos. Exemplos corretos:
• Ela agradeceu com um longo ‘muito obrigada’; ele retribuiu dizendo ‘não, eu é que devo dizer muito obrigado a você’.
• Como vocês estão? – Muito obrigados, estamos bem em casa!
• Acho que falo por todos quando digo muito obrigados!
Veja também o uso correto de verbos no particípio regular e irregular.
Gostaram? Obrigado!