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EaD: quais seriam as consequências da modalidade no ensino médio?

Medida sugerida pelo CNE é criticada por novo ministro da educação. Profissionais do ramo opinam sobre a proposta

Por Camila Honorato
Atualizado em 17 abr 2018, 19h05 - Publicado em 17 abr 2018, 18h10

Uma notícia envolvendo supostas mudanças no ensino médio gerou polêmica nas últimas semanas: uma reportagem divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo afirmava que o presidente Michel Temer estaria estudando a possibilidade de autorizar que 40% da carga horária total do ensino médio seja ofertada a distância

Isso significaria que os alunos poderiam ter até dois dias de aula semanais fora da sala; para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), o percentual poderia chegar a 100% do curso.

Dias depois da repercussão negativa que o assunto teve nas mídias sociais, o Ministério da Educação (MEC) se pronunciou afirmando que a proposta não tinha o respaldo do órgão e era uma ideia debatida no Conselho Nacional de Educação (CNE).

Com a recente baixa de Mendonça Filho, o novo ministro da educação, Rossieli Soares da Silva, que tomou posse no dia 10 de abril, descartou a substituição das aulas e afirmou que a ideia é, sim, debatida dentro do CNE, mas que está nos estágios iniciais e precisa ser lapidada.

Para ele, no entanto, a medida não é eficaz: “Nós entendemos que a EaD, por exemplo, pode ser utilizada para o reforço, para a ampliação da jornada do jovem. Não para a substituição de professores”, defendeu. 

Qual seria o impacto da medida?

A discussão chega em um momento no qual a educação a distância encontra-se em crescente expansão no ensino superior: entre 2012 e 2016, foi registrado um aumento de 47,2% no número de matrículas na modalidade, que saltaram de 90 mil para 1,3 milhão.

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No ensino médio, no entanto, os profissionais consultados para esta matéria foram unânimes em apontar os riscos de sucatear o ensino.

Para Silmara Stringhini, professora do Centro Educacional Brandão, de São Paulo, a questão exige mais aprofundamento: “Pensar em EAD sem pensar antes em questões fundamentais, como evasão, formação de professores, valorização da educação e relação com o mercado de trabalho, é um erro”, explica.

No ensino público, em que o acesso ao mais simples material didático é difícil, exigir que os alunos estudem por meio de um computador que teriam em casa me parece uma ideia pouco realista.

Silmara Stringhini, professora

Para ela, que leciona há 27 anos, a acessibilidade aos meios digitais é um fator limitante. “No ensino público, em que o acesso ao mais simples material didático é difícil, exigir que os alunos estudem por meio de um computador que teriam em casa me parece uma ideia pouco realista. Temos wifi em todos os lugares? Se não há computadores e os alunos tiverem que usar celulares, esse é o melhor meio para se exercer uma atividade de concentração, como o estudo?”, questiona. 

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Além disso, existem as questões associadas à cultura do ódio disseminada pelas redes sociais e ao impacto que ela exerceria diante do afastamento do aluno do convívio social: “Estamos falando de uma faixa etária ainda em formação de posturas e valores, o que torna o acompanhamento próximo de suas ações e atividades pedagógicas algo essencial”. 

“Além disso, desenvolver a autonomia de estudantes nessa idade não é uma tarefa fácil, pois precisa levar em consideração o perfil de cada um”, completa. “Caminhamos pouco no desenvolvimento das habilidades e já estamos querendo deixar o indivíduo autônomo, sob a justificativa de que o meio digital é mais próximo dele, simplesmente”.

A crítica é reforçada pela educadora Rita André, doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e especialista em indicadores de riscos do desenvolvimento infantil pela Universidade de Lyon, na França. Ela também chama a atenção para os perigos de afastar alunos jovens do convívio social, defendendo a modalidade a distância como um complemento que deve ser dosado: “O ser humano é social por natureza e nós aprendemos à medida que interagimos uns com os outros. Sendo assim, o papel do professor e a convivência proveniente do ambiente escolar são requisitos fundamentais para a aquisição do conhecimento”, conclui.

“Para despertar o interesse e levar o aluno à aprendizagem, é necessário despertá-lo pela curiosidade, instigar para o aprendizado e promover o deslumbramento diante do novo. Nesse sentido, o papel do educador é essencial”, completa.

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Rita, que atualmente presta consultoria educacional para plataformas educacionais digitais, defende a inovação nos modelos educacionais – desde que isso seja feito de maneira consciente e cuidadosa. “Não há mudança possível na educação que não passe por uma superação do modelo de práticas pedagógicas. É de suma importância que a educação se modernize para promover uma troca entre professores e alunos, assumindo uma postura de não linearidade e o abandono das relações baseadas no poder de uns sobre os outros”, explica.

O uso da tecnologia tem que ser feito de maneira a elevar a qualidade da educação, com professores capacitados para atuar nesse formato e alunos preparados para aprender de forma ativa.

Bernardo de Pádua, CEO da Quero Educação

Bernardo de Pádua, CEO da plataforma Quero Educação, afirma que a inserção da tecnologia na educação é inevitável.

Mas é necessário a tutela de um professor para que os alunos saibam utilizar a ferramenta a seu favor: “O uso da tecnologia tem que ser feito de maneira a elevar a qualidade da educação, com professores capacitados para atuar nesse formato e alunos preparados para aprender de forma ativa. Qualquer proposta que não vá ao encontro dessas diretrizes pode levar a uma precarização do ensino ainda maior”, explica. 

EaD e ensino integral

O debate sobre a inserção da educação a distância nas escolas chega poucos meses depois da liberação de uma verba do governo, no valor de R$ 406 milhões, destinada à ampliação de vagas no ensino médio em tempo integral no ensino público.

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A medida é adotada por países como Coreia do Sul, Japão e Estados Unidos, com bons resultados tanto no desempenho dos alunos em sala de aula como nas chances de conquistar uma vaga nas universidades.

Ainda assim, especialistas olham com cautela para a medida e chamam a atenção para a necessidade de adotar iniciativas que melhorem a qualidade do ensino, promovam socialização dos estudantes e incentivem conhecimentos interdisciplinares. 

Bernardo de Pádua explica: “Quantidade e qualidade são coisas diferentes. Não basta aumentar a quantidade de tempo que o aluno passa no ambiente escolar sem oferecer a ele um projeto pedagógico que o faça aprender em tempo integral. Se o aumento da carga horária vier junto com investimento em qualidade de ensino, o ganho é certo”.

Silmara Stringhini acredita que EaD e ensino integral podem ser uma boa combinação, desde que haja um esforço de se compreender a tecnologia e alinhá-la a uma proposta de ensino inovadora.

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“No ensino integral, a possibilidade de se desenvolverem projetos que pensem o indivíduo na sua totalidade e desenvolvam sua capacidade de agir para beneficiar a si e ao outro é muito maior. Assim, é possível deixar o ser humano como protagonista e a tecnologia como auxiliar”, explica.

Silmara também chama a atenção para a necessidade de adotar novas medidas que aprimorem a qualidade da educação no país: “Investimento na formação e valorização de professores é urgente e primordial. Além disso, precisamos pensar em aulas e projetos multidisciplinares, além de muito diálogo e atividades que propiciem a aprendizagem pela vivência e pela prática”, conclui.

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