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Análise: redação nota 1000 no Enem citou Vargas e geógrafo Milton Santos

Professora de redação analisa escolhas textuais feitas por estudante que atingiu nota máxima

Por Luccas Diaz
Atualizado em 19 Maio 2022, 18h13 - Publicado em 19 abr 2022, 10h43
 (Arquivo Nacional/Reprodução)
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A estudante Iasmin Schausse Ferreira, 21, de Niterói (RJ) foi uma dos 22 candidatos que atingiram a nota máxima na redação do Enem 2021. Iasmin redigiu uma dissertação argumentativa sobre o tema “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil” e recebeu nota 1.000 dos corretores.

Em seu texto, a estudante faz alusão ao modelo de educação difundido durante a Era Vargas (1930-1945) como referência à problemática sugerida pelo tema. Além disso, cita conceitos do geógrafo brasileiro Milton Santos e do economista norte-americano Murray Rothbard.

Para analisar as escolhas textuais feitas pela candidata em cada parágrafo, o GUIA DO ESTUDANTE convidou Vanessa Bottasso, professora de Redação do curso pré-vestibular da Oficina do Estudante de Campinas (SP).

Redação 1000 Enem 2021 - Iasmin Ferreira
(Iamin Schausse Ferreira/Reprodução)

Introdução

O conceito “Cidadanias mutiladas”, do geógrafo brasileiro Milton Santos, explicita que a democracia só é efetiva quando atinge a totalidade do corpo social. A partir dessa perspectiva, é possível observar que a realidade contemporânea brasileira se distancia desse ideal democrático, uma vez que inúmeros indivíduos ainda permanecem em uma situação de invisibilidade acarretada pela ausência do registro civil – o qual atua como uma ferramenta de garantia de acesso à cidadania no país. Desse modo, é essencial analisar os principais propulsores desse contexto hostil: o descaso governamental e a falha educacional.

A introdução dessa dissertação argumentativa cumpre com seus propósitos ao chamar a atenção para o tema e identificar os aspectos por meio dos quais será desenvolvida a análise do problema social abordado. Em relação ao primeiro ponto, vale destacar o papel da alusão a Milton Santos, que serviu para destacar a gravidade da ausência do registro civil no Brasil; já quanto ao segundo ponto, destacaram-se duas linhas argumentativas coerentes em relação ao tema: descaso governamental e falha educacional. Temos assim, um uso pertinente do repertório externo e uma tese clara.

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Desenvolvimento I

Sob esse viés analítico, é importante destacar, a princípio, que a inoperância estatal é um fator preponderante para a ocorrência dessa problemática. Esse cenário decorre do fato de que, assim como pontuou o economista norte-americano Murray Rothbard, uma parcela dos representantes governamentais, ao se orientador por um viés individualista e visar um retorno imediato de capital político, negligencia a conservação de direitos sociais indispensáveis, como a garantia de registro civil. Em decorrência dessa indiligência do poder público, cria-se um ambiente propício para a precarização infraestrutural de locais especializados no aparte de documentação pessoal – materializada na carência de cartórios, sobretudo, em regiões mais afastadas dos centros urbanos. Logo, é notório que a omissão do Estado perpetua o deficitário acesso à cidadania. 

No primeiro parágrafo de argumentação, destaca-se o senso crítico do autor do texto, que aponta para um desvio de função dos representantes políticos, que passam a agir em nome dos interesses individuais. Essa observação, entendida como um descaso, é articulada ao problema proposto pela prova na condição de precariedade de oferta dos serviços de cartórios.

Desenvolvimento II

Além disso, é válido ressaltar que a lacuna no sistema de educação potencializa essa conjuntura. Isso acontece porque desde o século XX, com a implementação de um formato tradicionalista de ensino pelo ex-presidente Vargas, cristalizou-se um modelo educacional que negligencia o aprendizado de temas transversais, a exemplo de concepções básicas acerca da cidadania. Nessa perspectiva, com o desconhecimento de parte da população – oriundo da escassez instrutiva – sobre a relevância da garantia de direitos, há uma invisibilização da situação sofrida pelas pessoas que não possuem documentos basilares, como a certidão de nascimento. Como consequência disso, mantém-se o quadro de ausência de ações sociais efetivas no que tange à reversão desse contexto, fragilizando, com isso, a isonomia presente nas relações democráticas. Dessa forma, é imprescindível combater a falha do processo educacional, visto que marginaliza uma classe da sociedade.

Seguindo o viés crítico, o candidato do texto reconhece a inércia por parte das escolas, que não pautam os direitos fundamentais como parte do seu processo de ensino-aprendizagem. Vale destacar a alusão ao período varguista, conhecido como aquele em que as escolas se estruturaram sobre pilares até hoje identificados em muitos lugares do país. Ainda, o texto acerta ao finalizar esse parágrafo com outro aspecto relacionado ao tema, que é a questão da invisibilidade ou marginalidade social, garantindo, assim, a abordagem completa da frase temática do Enem 2021.

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Conclusão

É evidente, portanto, a necessidade medidas que solucionem os desafios impostos à garantia de acesso à cidadania no Brasil. Por isso, o Ministério Público – órgão responsável pela defesa dos interesses sociais – deve, por meio de fiscalização da aplicação dos poderes estatais, pressionar o Estado no que se refere ao aporte de infraestrutura ao setor que oferta o registro civil, a fim de que a retirada desse documento seja ampliada para as diversas regiões do país. Ademais, as instituições escolares públicas e privadas devem, por intermédio de palestras, instruir os alunos acerca da importância da documentação pessoal, com o objetivo de minimizar a inviabilização desse tema e, com isso, estimular atitudes combativas à conjuntura de indivíduos sem registro. Assim, o ideal do geógrafo Milton Santos será, de fato, uma realidade no país.

O último parágrafo cumpre com os propósitos de retomada do ponto de vista defendido e detalhamento da medida de ação social. Ao fazer isso, o candidato demonstra o domínio dos cinco elementos necessários a essa especificação da proposta de intervenção, pois: indica um ator social (Ministério Público), destaca um de seus principais atributos (defender interesses sociais), sugere uma ação e um modo de agir competentes a esse órgão (pressionar o poder público por meio de sua fiscalização) e indica um efeito claro dessa medida (ampliação do registro civil no país). Ao final, cabe destacar a retomada de Milton Santos, estabelecendo o efeito desejado de um texto que foi planejado para assegurar a retomadas das ideias ao longo do seu desenvolvimento.

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