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Allan Kardec e o espiritismo, uma religião bem brasileira

O professor francês entrevistou espíritos para descobrir as leis que regem o mundo dos mortos

Por TEXTO Tiago Cordeiro | ILUSTRAÇÕES Arthur Duarte
Atualizado em 19 dez 2020, 12h25 - Publicado em 14 out 2014, 17h30

Às 22h30 de 17 de setembro de 1865, apenas oito anos depois da fundação oficial do espiritismo na França, foi realizada em Salvador a primeira sessão da doutrina no Brasil, liderada por um jornalista, Luís Olímpio Teles de Menezes. No mesmo ano, surgiu o primeiro centro do país. Em pouco tempo, a visão científica, filosófica e religiosa de Allan Kardec se transformaria em uma religião tipicamente brasileira, divulgada por intelectuais nas nossas maiores cidades. Anos antes de ganhar as massas com Chico Xavier, os seguidores de Kardec já tinham uma nova capital, nos trópicos.

Allan Kardec e o espiritismo, uma religião bem brasileira

Atualmente, o trabalho iniciado por Kardec tem 13 milhões de seguidores no mundo. A maioria, 3,8 milhões, está no Brasil. Nossos espíritas têm os melhores indicadores socioeducacionais dentre os fiéis de todas as religiões praticadas no país – 31,5% deles têm nível superior completo, segundo o IBGE. Entre 2000 e 2010, eles saltaram de 1,3% da população para 2%. O sucesso nos cinemas é resultado da boa imagem da religião: em 2010, Chico Xavier, a biografia do médium mais famoso do século 20, alcançou 3,4 milhões de espectadores e Nosso Lar, no mesmo ano, chegou a 4 milhões.

Mas o que explica essa adesão massiva a uma doutrina que se equilibra entre a religião e a ciência no maior país católico do mundo? “O Brasil tem uma tradição de religiosidade popular muito aberta ao contato com a vida após a morte e a comunicação com espíritos. As classes média e alta não podiam contar com as religiões de origem africana ou indígena como expressões formais de sua fé. O kadercismo, com seu berço francês, satisfez essa necessidade”, afirma John Monroe, historiador e professor da Universidade de Iowa.

Mesas que rodam

Hippolyte Léon Denizard Rivail nasceu em Lyon em 3 de outubro de 1804 e encontrou sua vocação na Suíça. O pai, o juiz católico Jean-Baptiste-Antoine Rivail, e a mãe, a dona de casa Jeanne Duhamel, enviaram o menino Hippolyte, de apenas 10 anos, para estudar no Instituto de Yverdon, no castelo de Zahringenem, fundado e mantido pelo pedagogo Johan Heinrich Pestalozzi. Na volta, instalou-se em Paris em 1820 e, quatro anos depois, começou a dar aulas. Lecionava matemática, física, química, astronomia, anatomia e francês.

O professor convivia com problemas financeiros recorrentes. A partir da década de 1830, passou a reforçar a renda escrevendo gramáticas e aritméticas – e até mesmo uma peça, chamada Uma Paixão de Salão, levada aos palcos em 1843. Também começou a usar os conhecimentos de matemática para administrar a contabilidade de pequenas companhias, como o teatro Les Folies Marigny, nos Champs-Élysées. Ali eram realizados espetáculos muito em voga em meados do século 19 – com uma mistura de magnetismo e experiências elétricas e mecânicas.

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Rivail assistia a alguns desses shows com prazer. Ele acompanhava com euforia a evolução das ciências, que pareciam prontas para explicar definitivamente o funcionamento do mundo, da vida e do além. Em 1834, em um de seus artigos defendendo as aulas de ciências para crianças, ele registrou: “Aquele que houver estudado as ciências rirá, então, da credulidade supersticiosa dos ignorantes. Não mais crerá em espectros e fantasmas. Não mais aceitará fogos- fátuos por espíritos”.

Quando as mesas rodantes ficaram famosas na França, na década de 1850, o pedagogo tinha uma explicação pronta para o fenômeno. Curioso sobre os mistérios da hipnose, do sonambulismo, do magnetismo e da eletricidade, ele dizia que os corpos reunidos geravam uma força eletromagnética extraordinariamente forte, capaz de movimentar objetos. Quando conheceu o fenômeno pessoalmente, em uma terçafeira de maio de 1855, percebeu que a explicação não era tão simples.

Foi na casa da senhora Plainemaison, na Rue Grange Batelière, número 18. Ali o professor ficou impressionado. As mensagens tinham linguagem diferente da que os médiuns usavam no dia a dia e com um grau de conhecimento da vida privada dos visitantes que não tinham como possuir. O pesquisador então elencou uma nova hipótese: a de que a realidade visível não é a única que existe. E que espíritos são tão reais quanto o mundo microscópico e as forças físicas invisíveis, como a lei da gravidade.

Leis dos espíritos

Por serem reais, apesar de invisíveis, os espíritos seguem leis, da mesma forma que os seres de carne e osso. “Entrevi naquelas aparentes futilidades qualquer coisa de sério, como que a revelação de uma nova lei, que tomei a mim investigar a fundo”, ele relataria anos depois, para concluir que a força que movia aqueles móveis apresentava perguntas que mereciam resposta. “Há ou não uma força inteligente? Eis a questão. Se essa força existe, o que é? Qual será sua natureza e sua origem? Está além da humanidade?”

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Durante 20 meses, o professor dedicou as horas vagas a entrevistar dez diferentes espíritos, principalmente por intermédio de três garotas, Ruth Japhet, de 20 anos (que havia enchido 50 cadernos com mensagens dos espíritos), e as irmãs Julie e Caroline Baudin, de 14 e 16 anos. Fazia a elas perguntas como “Onde se pode encontrar a prova da existência de Deus?” e “O que é espírito?” Na casa dos Boudin, na Rue Rochechouart, ele se apresentava todas as terças-feiras, com novas perguntas, ou as mesmas, para cruzar e checar as respostas. Ele não tinha mediunidade – aliás, foi o professor quem cunhou o termo “médium” para definir os intermediários entre os espíritos os seres humanos.

MÉTODO CIENTÍFICO
As principais explicações de Kardec para os fenômenos psíquicos e mediúnicos
Fraude: O pesquisador acreditava que os casos de truques deveriam ser sempre denunciados: “O espiritismo só terá a ganhar com o desmascaramento
dos impostores”,escreveu. Kardec dizia que médiuns que realizam espetáculos públicos pagos deveriam ser observados com suspeita redobrada.
Alucinação: O pedagogo estabelecia critérios para diferenciar alucinações e problemas mentais em geral de contatos legítimos com espíritos. Por exemplo: se uma pessoa escreve mensagens em línguas que não conhece, ou se o fenômeno físico (por exemplo, uma mesa se mexendo) foi visto por várias pessoas
Influência externa: Kardec reconhecia a possibilidade da existência de dois fenômenos psíquicos: a telepatia, que ele chamava de “reflexo do pensamento”, e a clarividência, a percepção extrassensorial de objetos à distância. Para ele, nenhuma das duas era resultado de contatos com o mundo espiritual.
Comunicação: O contato com almas desencarnadas só pode ser considerado quando as hipóteses de fraude, alucinação e influência de outras pessoas tiverem sido descartadas. As mensagens do além só poderiam ser consideradas confiáveis se fossem espontâneas e confirmadas por médiuns que não se conhecessem entre si.

Rivail alega que teve a oportunidade de entrevistar os espíritos do filósofo Sócrates, do apóstolo de Jesus João Evangelista, do sacerdote Vicente de Paulo e do cientista e político Benjamin Franklin. Um dos interlocutores mais recorrentes era o espírito que se apresentava com o nome Zéfiro. Foi ele quem disse ao professor que o conhecia de outras encarnações, quando Rivail era um sacerdote druida chamado Allan Kardec e morador da Gália na época do imperador Júlio César, entre 58 e 44 a.C. Rivail não queria assumir a autoria da coleção de respostas – preferia se apresentar apenas como codificador e editor.

E também queria diferenciar seu trabalho pedagógico com essa nova vertente de pesquisa. Daí Rivail ter adotado o pseudônimo que se lê na capa da primeira edição de O Livro dos Espíritos: “Princípios da doutrina espírita sobre a imortalidade da alma, a natureza dos Espíritos e suas relações com os homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e o porvir da Humanidade – segundo os ensinos dados por Espíritos superiores com o concurso de diversos médiuns – recebidos e coordenados por Allan Kardec”.

Os primeiros exemplares do livro deixaram a Tipografia de Beau, na cidade de Saint-Germain-en-Laye, em 18 de abril de 1857 – a data oficial do nascimento do espiritismo, nome criado por Kardec, apresentado da seguinte maneira: “A crença espírita, ou o espiritismo, consiste em acreditar nas relações entre o mundo físico e os seres do mundo invisível, ou espíritos”. Rapidamente, Kardec suplantaria Rivail em fama e reconhecimento: a primeira edição da obra inaugural do espiritismo, vendida a 3 francos a unidade, foi esgotada em dois meses.

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Em 1º de abril de 1858, reuniu as dezenas de seguidores que havia arregimentado com a publicação do livro e fundou a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. Enquanto recebia visitas de médiuns, mais ou menos sérios, cartas pedindo ajuda e textos psicografados, novas traduções e edições eram publicadas. Na Espanha, o bispo de Barcelona, Antônio Palau y Termens, mandou confiscar todos os exemplares de O Livro dos Espíritos e organizou um auto de fé: as obras foram empilhadas e queimadas em praça pública. Em 1864, a Igreja Católica inseriu a obra no Index Librorum Prohibitorum, a lista de livros proibidos para seus fiéis.

BIBLIOTECA BÁSICA
Os cinco livros fundamentais para entender o espiritismo
1. O Livro dos Espíritos, 1857
Reúne as respostas de espíritos para 501 perguntas (na segunda edição, elas seriam ampliadas para 1 019 dúvidas).
2. O Livro dos Médiuns, 1861
Enquanto a obra anterior era conceitual, esta é um guia prático a todas as pessoas interessadas em desenvolver a mediunidade.
3. O Evangelho Segundo o Espiritismo, 1864
Como o nome indica, revê as lições dos Evangelhos da Bíblia cristã com base nos conceitos espíritas.
4. O Céu e o Inferno, 1865
Explica a passagem da alma para outros planos, detalha o destino dos suicidas e explica os parâmetros da justiça divina.
5. A Gênese, 1868
Aborda questões filosóficas e científicas, como a origem do Universo e os milagres de Jesus, buscando respondê-las de acordo com os preceitos espíritas.

Kardec melhorou sua situação financeira com a venda de seus livros e trocou de casa diversas vezes. A última mudança seria para um terreno que ele havia comprado na Avenida Ségur para construir seis pequenas casas para seu sucessor e seguidores espíritas de poucos recursos. A residência da família ficou pronta rapidamente, mas ele não chegou a morar lá.

Depois de publicar uma segunda edição de O Livro dos Espíritos, bastante ampliada, e outros quatro livros, Kardec faleceu, aos 64 anos, por volta das 11h de 31 de março de 1869, quando um aneurisma se rompeu, um dia antes da mudança definitiva para a Avenida Ségur. Na época, ele trabalhava numa obras sobre as relações entre o magnetismo e o espiritismo. Os restos de Kardec estão no Cemitério Père-Lachaise. Na lápide, ficou gravado seu novo nome, e não Rivail, e seu lema: “Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sem cessar. Esta é a lei.”

Místicos x cientistas

O fundador não deixou um sucessor definido – ele previa que o espiritismo fosse conduzido por um grupo com comandantes seguindo mandatos curtos. Sua morte acabou por lançar o espiritismo num debate ferrenho: ciência ou religião?

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Na Europa, venceram os partidários da tese de que os estudos do professor tinham caráter científico. Eles tinham bons motivos para isso. “Kardec foi um dos pioneiros a propor uma investigação científica, racional e baseada em fatos observáveis, das experiências espirituais. Desenvolveu todo um programa de investigação dessas experiências, ao qual deu o nome de Espiritismo”, afirma Alexander Moreira-Almeida, professor da Escola de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e diretor do Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde da UFJF. “A proposta mais ousada de Kardec foi a de naturalizar a dimensão espiritual, tornando-a, assim, passível de investigação científica.

“Hoje, entre os europeus, o kardecismo é visto como pseudorreligião. Na virada do século 20, fazia todo o sentido acreditar que os conceitos dele seriam incorporados às pesquisas do meio acadêmico”, afirma o historiador John Monroe, professor da Universidade de Iowa.

 

Allan Kardec e o espiritismo, uma religião bem brasileira

O Brasil viu a mesma divisão, e, num primeiro momento, parecia que o mesmo lado seria vencedor. Um dos mais importantes líderes do espiritismo do Brasil, o jornalista e professor italiano Afonso Angeli Torteroli, liderava os científicos e organizou o 1º Congresso Espírita Brasileiro, em 1881, no Rio de Janeiro. Foi lá que intelectuais defenderam a nova linha de pensamento – pessoas respeitáveis a ponto de terem sido recebidas pelo imperador dom Pedro II em 28 de agosto de 1881. Mas, bem de acordo com o pensamento progressista da época, os espíritas eram, em geral, republicanos e abolicionistas.

Mas foi o aspecto religioso do espiritismo que venceu. E por dois motivos. Em primeiro lugar, o lado religioso funcionava melhor para uma população ligada a um cristianismo que, em geral, convivia tranquilamente com curandeiros, benzedeiros e cartomantes. “A preocupação científica e filosófica não tem o mesmo appeal para nós como tem o lado religioso-ritualístico: tomar um passe, livrando-se das energias ruins se apresentaria como mais conveniente do que adotar uma doutrina complexas e cheia de princípios”, afirma o professor de sociologia da Universidade de Brasília Paulo César da Conceição Fernandes, em uma tese de mestrado sobre as origens da religião no Brasil.

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Em segundo lugar, o mais importante líder entre os espíritas depois de Allan Kardec e antes de Chico Xavier, o ex-deputado Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti, concordava com os místicos. Mas teve
também o talento de não dispensar os científicos. A Federação Espírita do Brasil, criada em 1884 pelo fotógrafo português Augusto Elias da Silva, seria presidida duas vezes pelo doutor Bezerra e estimulou a publicação de livros e textos de cunho acadêmico. “O espiritismo oferece uma orientação para a prática da mediunidade, recomendando que ela seja praticada quando contribuir para o bem e para a educação espiritual do homem”, afirma Antonio Cesar Perri de Carvalho, presidente da Federação Espírita Brasileira.

Allan Kardec e o espiritismo, uma religião bem brasileira

Nomes famosos da literatura nacional aderiram rápido. Os poetas Castro Alves e Augusto dos Anjos, de um lado, se aproximaram da nova religião. Já José de Alencar e Machado de Assis a atacavam – mas só depois de se darem ao trabalho de conhecê-la. Augusto dos Anjos foi o mais empolgado: em sua cidade, Engenho do Pau D’Arco, Paraíba, ele conduzia sessões, recebia espíritos e psicografava. Quando Chico Xavier nasceu, em 1910, o hábito de receber romances do além já era disseminado e se tornaria uma das marcas da nova religião, que, para muitos, já tinha muito pouco a ver com o que Kardec havia imaginado.

OITO PIONEIROS
Personagens importantes para o nascimento do espiritismo brasileiro
Luís Olímpio Teles de Menezes:
Jornalista, professor primário e funcionário da Biblioteca Pública da Bahia, organizou em Salvador a primeira sessão espírita do país, em Salvador. Também fundou o primeiro centro espírita brasileiro, o Grupo Familiar do Espiritismo.
Casimir Lieutaud:
Poeta e educador francês, conheceu o espiritismo juntamente com outros intelectuais que liam e debatiam as notícias vindas da França, incluindo o jornalista e escritor Machado de Assis. Em 1860, publicou um livro de tom espírita, Les Temps Sont Arrivés.
Antônio da Silva Neto:
Liderança espírita no Rio de Janeiro, o médico foi redator e diretor da Revista Espírita, o segundo periódico de divulgação da religião no Brasil (o primeiro, Écho d’Alêm-Tumulo, foi fundado em 1869, em Salvador, por Luís Olímpio).
Joaquim Carlos Travassos:
Ao lado do advogado e poeta Francisco Bittencourt Sampaio, o médico e político carioca participou da fundação, em 1873, da Sociedade de Estudos Espiríticos – Grupo Confúcio, o primeiro centro espírita da capital, que existiu até 1879.
Augusto Elias da Silva:
Nascido em Portugal e morando no Rio de Janeiro, o fotógrafo fundou a Federação Espírita do Brasil, em 1º de janeiro de 1884. Também fundou, um ano antes, uma publicação de divulgação da nova fé, chamada Reformador.
Antônio Luiz Sayão:
Advogado de São Paulo, aderiu ao espiritismo em 1878, quando sua esposa esteve à beira da morte. Líder da Sociedade de Estudos Espíritas Deus, Cristo e Caridade, defendeu a abolição da escravatura e publicou um livro de referência, Estudos Evangélicos.
Afonso Angeli Torteroli:
O jornalista e professor italiano organizou o 1º Congresso Espírita Brasileiro, em 1881, no Rio de Janeiro. No mesmo ano, criou o Centro da União Espírita do Brasil, uma primeira tentativa de organizar uma federação. Traduziu várias obras de Kardec.
Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti:
Cearense com carreira política bem-sucedida como vereador e deputado, o médico, militar e escritor impediu que a Federação Espírita do Brasil entrasse em colapso, em 1895, ao assumir a presidência pela segunda vez.

SAIBA MAIS

Livros

Kardec: A Biografia, Marcel Souto Maior, Record, 2013

História do Espiritismo, Arthur Conan Doyle, Pensamento, 2004

ABC do Espiritismo, Victor Ribas Carneiro, Federação Espírita do Paraná, 1996

Para Entender Allan Kardec, Dora Incontri, Lachâtre, 2004

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