Vai prestar Fuvest esse ano? Se sim, é importante estudar as obras presentes na lista de leituras obrigatórias – entre elas Água Funda, de Ruth Guimarães, uma estreante nesta edição. Mas só ler os livros não é o suficiente para garantir um bom desempenho. O vestibular costuma aprofundar algumas questões e, por isso, é importante ir além do enredo e entender os principais temas abordados na obra ou mesmo como ela se relaciona com outros títulos da lista.
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Pensando nisso, o GUIA DO ESTUDANTE conversou com Maurício Soares, professor de literatura do Curso Anglo, e André Barbosa, professor de Literatura do Colégio Oficina do Estudante, e preparou um resumo sobre o que você precisa saber sobre o livro de Ruth Guimarães. Confira abaixo:
A história de “Água Funda”, de Ruth Guimarães
O livro é ambientado na zona rural entre os estados de São Paulo – o Vale do Paraíba – Rio de Janeiro e Minas Gerais, e faz um retrato da vida nesse universo, se infiltrando no cotidiano das fazendas por meio de duas histórias separadas 50 anos no tempo.
“A ideia central é mostrar o quanto a modernização, que chegou a esses lugares e substituiu, por exemplo, os engenhos de cana-de-açúcar por grandes usinas, interferiu na vida das pessoas. A intenção é, também, mostrar o quanto há alguns elementos que não mudam, mesmo com a modernização”, explica Maurício.
Um aspecto permanente, segundo o professor, é a relação com o misticismo e a presença de elementos de religiosidade relacionada ao folclore e às tradições populares do Brasil. A Mãe de Ouro, por exemplo, é a entidade que perpassa o enredo das duas histórias e é responsável pela transformação de vários aspectos no local e, claro, na vida de muitos dos personagens.
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Há também uma evidente preocupação da autora com os falares próprios da região e com a reconstituição etnográfica do meio. É como se Ruth Guimarães estivesse fazendo um registro da forma de falar e das expressões utilizadas por aqueles personagens, criando uma forma muito peculiar de comunicação.
Em linguagem ao mesmo tempo dinâmica e exuberante – própria da literatura modernista –, ela apresenta um eixo temático comum às personagens Sinhá Carolina (proprietária da fazenda Nossa Senhora dos Olhos d’Água) e os trabalhadores Joca e Curiango: apesar do hiato temporal, eles compartilham traços onipresentes entre os ditados populares e inúmeros acontecimentos circunstanciais da narrativa.
Grandes temas da obra
- a modernização do espaço rural, em função da chegada das usinas e de grandes companhias que passam a administrar fazendas;
- as diferenças sociais: o narrador sugere ser um homem ex-escravizado, que observa a vida dos grandes proprietários e se refere a eles como senhor e sinhá, demonstrando, no pronome de tratamento, a diferença existente entre esses grupos populacionais;
- as crendices populares;
- o folclore brasileiro;
- e como as questões sociais, religiosas e de transformação do espaço influenciam relações e costumes.
Como o livro pode ser cobrado pela Fuvest?
“Como de costume, a Fuvest deve colocar um trecho de ‘Água Funda’ e pedir que o candidato faça uma análise, observando o desenvolvimento da linguagem e a temática abordada”, diz Maurício.
O vestibular também deve abordar a questão da linguagem e talvez a estrutura da obra, uma vez que são duas histórias separadas por 50 anos, criando um arco temporal capaz de apresentar o desenho desse lugar e dessas pessoas.
Além dos aspectos em relação à linguagem, em especial a valorização do coloquialismo e de uma variante que podemos identificar como regionalismo caipira, André ressalta circunstâncias externas à própria narrativa.
“Ruth Guimarães, em plena década de 1940, foi uma intelectual negra de notável projeção, reconhecida como escritora e especialista em literatura oral (conhecimento que certamente lhe possibilitou o trabalho primoroso com a própria linguagem de sua obra). Vale a pena, portanto, aprofundar a pesquisa de sua biografia e conhecer a trajetória singular e extensa da autora”, diz o professor.
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Entenda como a obra pode se relacionar a outros livros da Fuvest
Segundo os especialistas, o livro de Ruth Guimarães pode se relacionar com outras três obras da lista.
A ideia do provincianismo, do retrato de personagens que vivem no interior e têm, portanto, uma realidade muito particular, também é trabalhada no livro “Quincas Borba“, de Machado de Assis. Rubião, o protagonista, tenta a vida na cidade e isso, sem dúvida, transforma muito a relação dele com as pessoas que o cercam e a vida que leva.
Essa caracterização do provincianismo, também está presente no trabalho de Carlos Drummond de Andrade em “Alguma Poesia“. “O autor mineiro, embora de outra região, aborda as questões que envolvem o homem provinciano, como a atração pelo progresso e, ao mesmo tempo, o medo de grandes transformações no cotidiano. A ambiguidade em relação ao que é moderno e ao que é antigo é algo que Drummond também explora”, explica Maurício. Na mesma obra, André destaca a valorização dos falares populares em certos poemas como um ponto em comum com “Água Funda”.
Por fim, dá para pensar na questão regional: “Dois Irmãos”, de Milton Hatoum, é um livro que se passa em Manaus e que tem um olhar também específico para identidades brasileiras. Vale se questionar sobre os desdobramentos do regionalismo nesses livros, o que seus personagens revelam sobre a identidade nacional e, acima de tudo, sobre a formação da nossa sociedade.
Água Funda
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