3 curiosidades sobre a Guerra de Independência na Bahia
A proclamação da República foi mais difícil e violenta do que muitos imaginam, teve uma heroína mulher e não aconteceu em São Paulo
Uma ideia bem corrente entre os brasileiros é que a independência do Brasil foi tranquila: dom Pedro I gritou “Independência ou morte!” às margens do rio Ipiranga, em São Paulo, ao que os portugueses deram de ombros e voltaram para Lisboa. Fácil assim, não é? Não, nada disso. A independência do Brasil só foi relativamente pacífica no Sudeste. Várias guerras eclodiram e perduraram até depois do grito do imperador – e disso os baianos entendem muito bem. Em 2 de julho de 1823, os brasileiros cantavam vitória sobre os portugueses em Salvador, depois de uma guerra que durou mais de um ano na Bahia. A data é tão importante que virou feriado regional.
Saiba três curiosidades sobre o conflito que ajudou a selar a liberdade brasileira perante a Coroa portuguesa:
Quadro de Antônio Parreiras, “O primeiro passo para a independência da Bahia”. (Imagem: Wikimedia Commons)
Durou quase um ano a mais do que a proclamação “oficial”
… e começou bem antes. A origem da guerra vem de 1820, quando, durante a Revolução do Porto, os cidadãos portugueses começaram a exigir o retorno do rei dom João VI. Ele atendeu ao clamor e retornou a Portugal, deixando o filho Pedro como príncipe regente. Disso você já sabe. Mas, para reforçar o controle sobre a colônia – também uma exigência dos portugueses -, foram enviados novos comandantes militares, todos lusitanos, para diversas províncias, entre elas a Bahia, a que foi destinado o brigadeiro Inácio Luís Madeira de Melo.
A elite brasileira, dona de terras, não gostou de se ver novamente sob o domínio português. À chegada do novo comandante, seguiu-se uma batalha que durou três dias, com cerca de 300 mortos – inclusive, a abadessa idosa Joana Angélica, que morreu defendendo o seu convento. Após os três dias, as tropas de Madeira de Melo dominaram por definitivo a cidade, e os focos de resistência começaram a surgir no recôncavo baiano. Isso tudo começou no dia 18 de fevereiro de 1822. A vitória definitiva dos brasileiros só aconteceria quase um ano e meio depois, 10 meses após o grito de independência de dom Pedro I.
Durante a guerra, a Bahia teve duas capitais
Com Salvador tomada, não restou muito aos brasileiros a não ser o refúgio nas cidades vizinhas. Várias famílias, fugidas ou expulsas, entre eles senhores de engenho poderosos, começaram a articular o revide e a apoiar as pretensões do príncipe regente de garantir a autonomia brasileira. Para os portugueses, o cenário era favorável, tirando um detalhe: Salvador era incapaz de se manter sozinha. A capital, segunda maior cidade da colônia, era um grande centro militar e escoava muitos produtos para fora, mas dependia dos alimentos produzidos no interior para o abastecimento.
Disso vem um dos trunfos da vitória: a maior parte dos produtos fornecidos vinham do recôncavo baiano, cuja cidade mais importante, Cachoeira, era uma espécie de quartel-general que concentrava as forças rebeldes brasileiras. Por isso, costuma-se dizer que, naquele período, a Bahia teve duas capitais.
As tropas brasileiras eram compostas de homens livres, escravos e negros libertos, todos voluntários, já que, àquela época, o exército brasileiro era muito desorganizado. Além disso, o próprio dom Pedro contratou estrangeiros para auxiliar os rebeldes brasileiros – entre eles, o almirante Thomas Cochrane, que liderou as forças marítimas e foi figura decisiva na vitória baiana.
Sua heroína foi a militar Maria Quitéria
Após diversas batalhas, muitas delas envolvendo canhões e artilharia pesada, os brasileiros começaram a ganhar terreno, em 1823. Em uma delas, vencida pelos rebeldes, surgiu uma das lendas que envolvem a independência baiana: o corneteiro Luís Lopes, que deveria comunicar uma ordem de recuo, se confundiu e acabou emitindo o aviso de “avançar, degolar”. O engano teria apavorado os militares portugueses, que recuaram, imaginando que os inimigos esperavam reforços.
Em junho de 1823, com o apoio do almirante Cochrane, que rondava a cidade por mar, as frentes portuguesas ficaram totalmente acuadas, sendo atacadas por vários lados ao mesmo tempo. Na madrugada do dia 2 de julho, o brigadeiro Madeira de Melo fugiu de volta para Lisboa. Dentre o exército vitorioso, uma pessoa em especial se destacou até mesmo perante o novo imperador. A soldado Maria Quitéria abandonou o noivo, fugiu de casa e fingiu-se de homem para se alistar no quartel de Cachoeira. Por sua perícia no manejo das armas, foi notória em combate, derrotando e aprisionando vários soldados portugueses. Ela tornou-se o símbolo da resistência baiana e foi condecorada com a Ordem Imperial do Cruzeiro, oferecida em pessoa por dom Pedro I.