O que significa, na prática, o adiamento do Enem de 30 a 60 dias
Se mantidos os atuais moldes da prova, feriados e calendários de outros vestibulares podem atrapalhar as possibilidades de adiamento estabelecidas pelo MEC
O Ministério da Educação finalmente anunciou na quarta-feira passada (20) que adiará o Enem 2020. A mudança veio um dia após o Senado votar a favor do adiamento da prova. O próximo passo seria a votação no Congresso, e o MEC já previa uma “derrota”. Antes disso, entidades estudantis, universidades e até influenciadores já vinham cobrando o governo pela mudança, alegando que a permanência da data prejudicaria os estudantes que estão há semanas sem aulas e enfrentando condições precárias de estudos em meio à pandemia do coronavírus.
O adiamento, no entanto, não trouxe completo alívio e tampouco a certeza de que a prova será realizada em melhores condições. Enquanto alguns países cancelaram seus equivalentes ao Enem, adiaram por data indefinida a fim de avaliar o avanço da pandemia ou substituíram por outras avaliações, o ministro Abraham Weintraub anunciou que, por aqui, a escolha das datas do exame ficará a cargo dos candidatos que farão a prova. A consulta deve ser aberta no final de junho, quando os inscritos poderão votar na página do candidato por um adiamento entre 30 e 60 dias da data inicialmente prevista (1º e 8 de novembro).
Em nota, o Inep (responsável pela organização do exame) não deu mais informações e, portanto, não é possível saber com exatidão o grau de liberdade que os candidatos terão para escolher entre essas datas. Porém, considerando o histórico do exame de ser realizado aos domingos, o calendário definido até o momento dos grandes vestibulares e outros fatores, avaliamos os possíveis cenários de realização do Enem 2020.
Os entraves do adiamento proposto pelo MEC
Embora o MEC tenha anunciado um adiamento do exame entre 30 e 60 dias da data original, na prática, é quase impossível encontrar uma data adequada dentro deste período– ao menos para os estudantes que pretendam fazer dois outros grandes vestibulares do país ou comemorar as festas de final de ano. Calma, a gente explica.
Caso o Enem se mantenha aos domingos de dois finais de semana consecutivos, como tem sido nas últimas edições, os candidatos poderão escolher entre as seguintes opções de data na consulta: 6 e 13, 13 e 20, e 20 e 27 de dezembro, ou 27 de dezembro e 3 de janeiro. Acontece que quase nenhuma dessas está completamente disponível para a realização das provas. No dia 13 de dezembro acontece a segunda fase do vestibular da Unesp, que seleciona 7.725 estudantes para seus 24 campi espalhados pelo estado de São Paulo. As duas primeiras opções de data ficam, então, inviabilizadas. Já a última opção é ainda mais complicada, uma vez que o primeiro domingo é justamente entre os feriados de Natal e Ano Novo (assim como na penúltima opção) e o outro bate com a data da segunda fase da Fuvest, que ainda não anunciou mudanças no seu calendário.
Isso tudo, é claro, se as outras grandes universidades não anunciarem mudanças nas datas de seus vestibulares – como a Fuvest e Comvest dizem já estar estudando – e o Enem se mantiver no formato dos outros anos. Na semana passada, técnicos do Inep revelaram ao jornal O Estado de S. Paulo que que estão analisando formas de adaptar o exame a um único dia. Nesse caso, e mantido o plano de adiamento já anunciado, o estudante poderia, teoricamente, escolher entre cinco datas: 6, 13, 20 e 27/12 e 3/1. Considerando os empecilhos dos feriados e das segundas fases da Unesp e Fuvest teriam apenas duas opções, 6 e 20 de dezembro.
No final das contas, restaria pouco mais de um mês de diferença da data inicial, em um cenário em que ainda não é possível precisar se a situação da pandemia será mais amena. “Um mês é insuficiente”, defendeu o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão, em entrevista ao UOL. Para a entidade, a mudança deveria ser vinculada ao calendário escolar, ou seja, enquanto não voltarem as aulas, não deveria ser fixada uma data para o Enem.
Mais tempo de preparação?
A notícia do adiamento do Enem, ainda que por esse curto período estabelecido até o momento pelo MEC, soou como um “respiro” para muitos cursinhos preparatórios particulares, que alegam ter ganho tempo para preparar melhor seus alunos. O coordenador do grupo Etapa, Edmilson Motta, disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que essas semanas ganhas podem ser uma oportunidade para revisar conteúdo nas últimas aulas, que ele acredita que já terão voltado a ser presenciais. Para Rafael Cunha, professor de redação e vice-presidente de Educação do Descomplica, será um período para os alunos estudarem temas que não costumam cair, adquirindo um “diferencial”. Os cursinhos e escolas privadas estão, em sua maioria, conseguindo adaptar-se ao modelo de aulas à distância.
Mas o adiamento do Enem, embora beneficie a todos os estudantes, deveria ser pensado justamente para reduzir os danos àqueles de baixa renda, que estudam em escolas públicas e não estão em boas condições de estudar de suas casas. E, para esses, o adiamento em um mês do exame não representa um tempo “bônus” para revisar o que já foi aprendido, mas sim, quando muito, a chance de correr contra o tempo para recuperar o que foi perdido nos meses de isolamento.
Considerando um cenário de volta às aulas presenciais antes do vestibular, esse tempo, embora insuficiente, será usado para preencher a lacuna deixada pelos quatro ou cinco meses de aulas à distância do cursinho popular MedEnsina, criado e gerido pelos alunos da Faculdade de Medicina da USP. A atual presidente do cursinho e aluna do terceiro ano de Medicina Andréia Bertoleti conta que embora o projeto tenha disponibilizado chips com 5 GB de internet semanais para os alunos sem acesso, muitos deles ainda não conseguem acessar integralmente alguns conteúdos oferecidos pelos professores, como lives e videoaulas, seja pela limitação de navegação ou por não possuírem computadores e bons celulares. A esses, resta preparar-se por meio dos resumos, roteiros e listas de exercício enviadas pelo MedEnsina.
Andréia ainda lembra outras dificuldades que o perfil de alunos atendidos pelo cursinho enfrenta. Muitos deles não contam com um ambiente adequado para estudar em casa, sem estrutura física e possibilidade de se concentrar: “não é aquela maravilha que aparece no comercial do Enem com os alunos com uma mesa ideal, com uma iluminação ideal, cadeira ideal. Muitos precisam estudar na mesa da cozinha, e aí não tem silêncio”, relata.
Cuide da saúde mental e confie no seu potencial
Um cenário de tanta incerteza traz não só dificuldades de ordem prática na preparação para a prova como também uma pesada carga emocional – especialmente para vestibulandos com poucos recursos. Para esses, Andréia, que também já foi aluna do cursinho popular e passou pela jornada do vestibular para Medicina, tem algumas dicas.
“Sempre falo para os alunos do cursinho preservarem a saúde mental com técnicas de relaxamento, fazendo o que gostam e tirando pelo menos um dia pra descansar e não fazer nada”, aconselha. Além disso, é importante também não se cobrar em excesso, sempre valorizando o esforço que foi feito até o momento.
Andréia também indica manter a amizade com pessoas que estão enfrentando a mesma situação, sejam do cursinho ou da escola: “alguém que vai entender as angústias porque passa pela mesma coisa”, explica.
Por fim, já que a previsão é continuar ao menos por mais alguns meses estudando de casa, vale o esforço em prezar por boas relações familiares, “entrando em acordo sobre horários de estudo, dividindo tarefas e vivendo em harmonia com a família e consigo mesmo”, finaliza.