Leia redação nota mil no Enem que citou Ailton Krenak
Sabrina foi a única candidata nota mil do estado de São Paulo. Em seu texto, recorreu a um escritor africano e dois grandes pensadores brasileiros

“Foi como matar dois coelhos com uma cajadada só”, conta Sabrina Ayumi Alves, de 18 anos, ao se referir à sua redação do Enem 2024. A estudante recorreu à expressão para explicar como as leituras obrigatórias de outros vestibulares que prestou – mais especificamente, a Unicamp e a Fuvest – caíram feito uma luva para o tema proposto pelo Inep na última edição. Citando o livro de “Nós Matamos o Cão Tinhoso“, de Luís Bernardo Honwana, e o pensamento de Ailton Krenak, Sabrina foi a única estudante do estado de São Paulo a conquistar a nota mil. Para completar a tríade de grandes pensadores, a jovem também incluiu em seu texto a filósofa Marilena Chauí.
Apesar do repertório sólido e de um histórico de boas notas na redação do Enem, não esperava que fosse encontrar a nota máxima em seu boletim em janeiro deste ano. “Entrei e sai do site umas duas, três vezes, para ver se era verdade mesmo. E era!”, relembrou em entrevista ao GUIA DO ESTUDANTE. “Eu estudei muito, como tantos outros vestibulandos, mas a gente não espera”.
+ Leia a redação da estudante que citou Torto Arado e tirou mil no Enem
As surpresas não pararam por aí, e pouco depois a estudante de Araçatuba (SP) conquistou seu maior sonho ao ver o nome na lista de aprovados na USP, a Universidade de São Paulo. Caloura do curso de Engenharia, Sabrina afirma que o esforço “vale cada segundo”, e mais do que dicas de como se preparar para as provas, deixa um recado sobre saúde mental para quem vai enfrentar a bateria de vestibulares este ano.
“Todo mundo sabe que a parte emocional é muito importante, mas não dá o devido valor”, alerta, afirmando que o cansaço mental afeta todos os aspectos da vida. A jovem reforça que “não existe uma fórmula mágica para ficar bem”, e que vestibulandos vivenciam um constante malabarismo. Para ela, a saída é buscar apoio nos amigos e sair para espairecer sempre que possível. “É um período de muita incerteza e não é formado só por linhas retas”.
Leia abaixo a redação de Sabrina e inspire-se!

O livro “Nós matamos o cão tinhoso” de Luís Bernardo Honwana retrata a sociedade moçambicana durante a colonização portuguesa. Na obra literária, observa-se uma dinâmica social pautada pela inferiorização dos indivíduos negros, na qual o racismo está enraizado nas interações entre as pessoas, na qualidade de vida e na autoimagem de cada ser. Assim, ao inserir a imagem criada pelo livro no contexto brasileiro de ínfima valorização da herança africana, infere-se que o passado colonial persiste nas estruturas do Brasil, se manifestando a partir do apagamento sistemático da cultura afro-brasileira. Em razão disso, deve-se discutir o papel do Estado no setor escolar e cultural diante desse contexto de silenciamento.
Em um primeiro momento, é necessário entender a relação entre a dinâmica social brasileira e a desvalorização da herança africana. Para fundamentar essa ideia, o filósofo Ailton Krenak afirma que, no Brasil, existem dois grupos — a humanidade, formada pela elite econômica, e a subumanidade, a qual tem seus direitos negados e é constituída principalmente pelas populações marginalizadas socialmente, como os povos originários e os negros. Por conseguinte, entende-se que o apagamento da cultura africana é uma extensão do panorama da desigualdade social brasileira, já que essa desvalorização sistemática silencia as vozes de populações que são violentadas e oprimidas há séculos, o que favorece a manutensão dessas pessoas no grupo da subumanidade. Dessa forma, o Estado deve desenvolver medidas que visem valorizar e apoiar artistas e escritores relacionados à herança africana no Brasil.
Sob outra ótica, a compreensão acerca da importância da ancestralidade na formação da autoimagem e da noção de pertencimento de cada indivíduo é imperativa. Para isso, a filósofa brasileira Marilena Chaui defende a ideia de que, enquanto os animais são seres naturais, os humanos são culturais – ou seja, a cultura em que cada pessoa está inserida compõe a essência desse ser. A partir disso, compreende-se que o silenciamento da herança africana nega a uma grande parte do povo brasileiro a sua própria essência, o que constitui uma violência estrutural e resulta numa noção de não pertencimento generalizada e em uma autoimagem defasada. Frente a isso, o Estado deve agir em prol da promoção de manifestações culturais afro-brasileiras.
Em suma, conclui-se que a desvalorização da cultura africana está diretamente relacionada a um processo sistemático de silenciamento de grupos oprimidos e resulta na falta de pertencimento de muitos indivíduos. Portanto, cabe ao Estado, por meio de uma parceria entre o Ministério da Economia (ME) e o Ministério da Educação e da Cultura (MEC), desenvolver manifestações culturais afro-brasileiras nas escolas, como, por exemplo, peças teatrais e festivais de dança, música e arte, assim como investir financeiramente na promoção de artistas e escritores que têm suas carreiras relacionadas à herança africana. Por fim, essas ações serão responsáveis por impedir o perpetuamento da desvalorização da cultura africana no Brasil.
*Erramos: inicialmente, este texto informava que Sabrina havia citado também o escritor Machado de Assis, o que não ocorreu. A matéria foi corrigida em 24 de março de 2023.
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