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“Enem foi apenas consequência”, diz professora que acertou tema de redação com projeto antirracista

Maria Ivone leciona em uma escola estadual da Bahia e criou um projeto para discutir a cultura afro-brasileira

Por Taís Ilhéu
12 nov 2024, 19h44
alunos da escola estadual de cipó
Professora convidou líder quilombola para conversar com seus alunos (Arquivo Pessoal/Reprodução)
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Maria Ivone dos Santos é professora na rede pública de ensino há 25 anos, mas foi recentemente que um fato chamou sua atenção. Ela percebeu que a maior parte dos seus alunos no Colégio Estadual de Tempo Integral Águas Termais de Cipó, no pequeno município do interior da Bahia, eram negros, mas não se percebiam como tal. Eles tampouco conheciam sua origem, e não se viam representados na arte, política ou mesmo em certos ambientes profissionais. A professora de Língua Portuguesa decidiu, então, criar um projeto antirracista que começaria com um processo de autodeclaração, e ao longo do ano se desdobraria em leituras de autores negros, sessão de filmes, um desfile afrofuturista, palestras com um líder quilombola e, é claro, a escrita de redações. O resultado é que, “meio sem querer”, Mary, como é conhecida, acabou acertando o tema de redação do Enem 2024, e foi homenageada pelos alunos em um vídeo que viralizou nas redes sociais.

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“O Enem foi uma consequência, mas é um projeto que se iniciou em fevereiro e que a culminância é agora em novembro, no Dia da Consciência Negra”. Para Mary, se a lei 10.639 de 2003, que estipula o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas, fosse tirada da gaveta, muitos professores teriam experimentado a mesma alegria imensa que viveu nos últimos dias. “Eu posso pegar e trabalhar só um conto de literatura negra. Mas será que esse conto africano dá conta do letramento racial?”, questiona.

Conheça o projeto de Maria Ivone e a história que tornou a escola estadual de Cipó famosa em todo país na última semana.

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Ricos de repertório – e de conhecimento

maria ivone e os alunos na escola
(Arquivo Pessoal/Reprodução)
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No dia 3 de novembro, por volta das 15h30, Mary recebeu uma mensagem no celular que viraria sua vida de cabeça para baixo nos dias seguintes. Era uma colega da escola dizendo “você acertou o tema da redação”. A alegria, conta ela, já foi imensa, mas aumentou quando os alunos começaram a sair da prova. “Não parava, era muita mensagem de agradecimento! Eles ficaram muito confortáveis com o tema porque é sofrida a redação do Enem”, relembra. “Você não sabe o que que vai acontecer ali, mas eles tinham repertório de sobra”.

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Embora a professora tenha trabalhado um tema muito parecido com o do Enem uma semana antes da prova, em que os alunos deveriam escrever sobre a valorização do 20 de novembro para a cultura afro-brasileira, ela acredita que os jovens só chegaram tão preparados porque tiveram uma imersão no tema ao longo do ano. “Eles não sabiam se citavam Pantera Negra, Racionais…”.

Todo este repertório foi adquirido com o “Projeto interdisciplinar afro-brasileiro: possibilidades de uma educação antirracista“, idealizado por Maria Ivone e abraçado pela diretoria do colégio. Ele começou em fevereiro deste ano, com um processo de autodeclaração em que os alunos entenderam os critérios do IBGE e passaram a refletir sobre como se percebiam. A professora também propôs a leitura de biografias e obras de autores negros, com destaque para Maria Firmina dos Reis e Carolina Maria de Jesus. Os alunos assistiram ao filme Pantera Negra na escola, organizaram apresentações teatrais e planejaram um sarau.

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Maria Ivone queria quebrar um ciclo em que “o aluno chega na escola e não vê nada que o represente”, explica. “Ele se mantém estigmatizado, com a autoestima lá embaixo”. Um dos momentos mais emocionantes do projeto, relembra, foi quando os estudantes participaram de uma sessão de fotos e tiveram suas fotografias exibidas em grandes banners.

“A gente tem muita coisa sobre o negro, mas sempre pautado na questão da escravidão. Precisamos pensar um futuro esperançoso para essas populações”, conclui Maria Ivone.

fotografias dos estudantes negros em banners
(Arquivo Pessoal/Reprodução)
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“É preciso dar vida à lei 10.639”

No dia 5 de novembro, terça-feira seguinte à redação do Enem, Maria Ivone chegou à escola e não conseguia seguir com a aula, tamanha a euforia dos alunos. Teve uma ideia: eles poderiam criar algum vídeo que chegasse ao governo do estado, para dar mais visibilidade à iniciativa da escola. Já que a professora não conseguiu aprender as dancinhas do TikTok, relembra, os estudantes decidiram que todos formariam um corredor na escada, e ela entraria sob aplausos.

“Eu prontamente entrei, daquele jeito que você viu. O vídeo foi muito engraçado!”, relembra rindo.

Para o ano que vem, o plano é estruturar melhor o projeto antirracista e incluí-lo no Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola. Maria Ivone espera que a ideia se espalhe e inspire outros professores do Brasil, ajudando a tirar a legislação para ensino da cultura afro-brasileira da gaveta. “É preciso dar vida à lei 10.639”.

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