Nem só de obras obrigatórias se fazem as questões de literatura dos vestibulares. Alguns clássicos costumam aparecer com frequência nas provas, normalmente como gancho para contextualizar uma pergunta ou como texto de apoio para exemplificar períodos e acontecimentos históricos. Por isso, mesmo que não seja obrigatório, conhecer essas leituras pode facilitar a resolução de questões, além de ampliar o repertório cultural como um todo, seja para as provas de Ciências Humanas ou até mesmo para a Redação.
Um clássico mundial que já caiu em vestibulares e pode ser explorado de diversas formas pelas bancas em provas futuras é o livro “Germinal”, de Émile Zola. O GUIA DO ESTUDANTE separou as principais características da obra, o que é preciso saber sobre o contexto histórico do enredo e conversou com Cássia Cristina Silva, professora de literatura do Poliedro Colégio, que explicou mais sobre o naturalismo, movimento literário inaugurado pelo autor.
Enredo de “Germinal”
Publicado em 1885, o livro de Émile Zola é uma das principais obras do naturalismo e foi pioneiro ao abordar a luta de classes a partir da realidade dos trabalhadores das minas de carvão na França do século 19. Na obra, o personagem Étienne Lantier trabalha na mina de Montsou, onde sente na pele as condições miseráveis que lhe despertam um sentimento de revolta.
A rotina dele e de outros trabalhadores envolvia passar grande parte do dia em condições degradantes na mina e sob um trabalho exaustivo, com pequenos intervalos para se alimentarem, se banharem – todos com a mesma água – e dormirem. No livro, as famílias alimentam-se de restos, as crianças precisam pedir esmolas e muitos pais decidem ter mais filhos para que eles possam trabalhar desde cedo e complementar a renda.
Diante das condições precárias e impulsionados pela ânsia de mudança e pelos ideais de direitos trabalhistas que circulavam entre a classe operária na época, os mineiros liderados por Étienne começam uma greve.
A obra é ainda atravessada pelo romance do protagonista com uma outra trabalhadora e pelo comparativo da vida dos trabalhadores com a dos donos da mina.
Todo este panorama social é retratado pelo viés naturalista, ou seja, pela descrição biológica que aproxima os mineiros de animais. Já o espaço da mina é associado a um “monstro”.
Para escrever a obra, Émile Zola trabalhou durante dois meses em uma mina de carvão onde também ocorreu uma greve. A ideia do autor foi se aproximar da realidade de trabalho árduo, baixos salários e fome dos trabalhadores.
Em 1993, a obra também ganhou uma versão para o cinema. Veja o trailer abaixo:
Principais características do Naturalismo literário
O Naturalismo foi uma corrente estética do século 19 que, assim como o Realismo, buscava observar com objetividade os aspectos da realidade, porém com uma espécie de filtro científico. Cássia Cristina Silva, professora de literatura do Poliedro, compara os escritores do movimento a pesquisadores que analisam os processos de uma experiência em laboratório – por essa razão, uma obra literária naturalista é categorizada como romance de tese.
A observação científica, influenciada pelas teorias surgidas na época, considera o comportamento dos indivíduos como produto do meio onde ele está inserido ou da hereditariedade. As questões patológicas e instintivas são marcas de destaque dessas obras literárias, que muitas vezes descrevem suas personagens como que animais, a partir de um recurso que ficou conhecido como zoomorfização.
A obra mais conhecida do naturalismo brasileiro é “O Cortiço“, de Aluísio Azevedo, que descreve o espaço coletivo como um organismo vivo, em que os olhos e bocas se abrem no lugar de portas e janelas, os personagens fazem “um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas” todos subjugados à força do ambiente.
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O autor e suas obras
Émile Zola nasceu em 2 de abril de 1840, em Paris, na França, e foi um dos principais nomes do naturalismo francês. Assim, entre as características narrativas de sua escrita estão a objetividade, em oposição ao sentimentalismo romântico, e o olhar determinista sobre a sociedade francesa da época.
Em seus principais livros, é como se os personagens fizessem parte de um experimento científico do autor e, por conta de teorias em voga neste período, seus destinos são definidos por suas etnias, o meio em que estão inseridos e o contexto histórico em que vivem. Além disso, os personagens tomam suas decisões baseados em seus instintos animais e não pela razão.
Outras obras importantes de Zola são o ensaio “O romance experimental“, o romance “A Besta Humana” e o texto “J’accuse!“, um marco do jornalismo.
Por que o livro “Germinal“, de Émile Zola, é considerado um precursor do Naturalismo?
O Naturalismo rompe com a idealização das instituições e denuncia a face miserável e desigual da sociedade do século 19, cujas condições de trabalho eram muito precárias. E é exatamente esse o foco de “Germinal”, considerada uma das obras que originou o Naturalismo europeu, pois Zola critica duramente as condições subumanas nas minas de carvão.
Outro ponto importante para se observar em “Germinal”, é a perspectiva impessoal adotada na obra, o que é característica do romance de tese. O narrador, diferente das obras românticas, tem o papel de observador das cenas baseado na objetividade, o que as aproxima de um retrato da realidade de forma crua. Esse olhar científico rompe com o caráter ilusório e fantasioso do Romantismo.
Contexto histórico
No campo científico, o livro “Germinal” é escrito na mesma época em que surgiam teorias como o evolucionismo, de Charles Darwin, que revolucionou a ciência com a publicação, em 1859, do livro A Origem das Espécies. O biólogo naturalista defende em sua obra que os organismos evoluem pela seleção natural adaptados ao meio, desenvolvendo variações genéticas que lhe permitem a sobrevivência. A teoria de Darwin influenciou de maneira significativa as obras naturalistas do período, que tornavam seus personagens animais em processo evolutivo impulsionado pelo meio.
“Germinal” é publicada em 1885, momento marcado também pelo cenário de progresso da Revolução Industrial, consolidação do capitalismo e da urbanização. Nesse contexto, o avanço tecnológico promoveu a expansão da indústria nos grandes centros, o que provocou alteração demográfica já que um grande número de pessoas se deslocou em busca de trabalho, especialmente, na indústria têxtil. Houve grandes transformações no campo da economia, alterando a produção de mercadorias e as relações trabalhistas que exploravam a força humana. Todo este cenário impulsionou inúmeras greves, revoltas em prol dos direitos dos trabalhadores e a criação de sindicatos.
Nesse cenário, surgem, também, teorias como o Socialismo Científico, dos filósofos alemães Karl Marx e Friedrich Engels, autores que se debruçam sobre o materialismo dialético. É desta análise que os autores concluem que a desigualdade social é fruto da exploração da classe trabalhadora pela burguesia, que detém os meios de produção.
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Este discurso ideológico em prol dos direitos trabalhistas também surge no texto de Zola: “Era necessário dar um jeito àquilo, senão a injustiça seria eterna, sempre os ricos sugariam o sangue aos pobres. […] No alto, ficava em pé a ideia de Karl Marx, de que o capital era resultado da espoliação, e de que o trabalho tinha o dever e o direito de voltar à posse daquela riqueza roubada. Mas embrulhavam-se as coisas, mal ele passava a um programa prático. (…) O seu grito de alistamento na greve era: A mina para o mineiro!”
“Germinal” nos vestibulares
Segundo Cássia Cristina Silva, professora de literatura do Poliedro Colégio, o vestibular pode cobrar o livro de Zola de forma direta, apoiada em trechos do enredo, ou de forma indireta, referindo-se ao movimento naturalista ou a teorias do século 19.
No vestibular de 2021 da Universidade de Pernambuco (UPE), por exemplo, o candidato deveria analisar cenas do filme homônimo e associá-las ao Socialismo Científico. “Para responder a essa questão, o candidato necessita interpretar como o trabalho na mina de carvão está relacionado à visão socialista sobre o Estado, o qual funciona como um instrumento de dominação de uma classe sobre a outra”, explica a professora. A alternativa correta, portanto, seria a “D”.
Também podem aparecer questões que exijam a interpretação de trechos do romance sobre as condições subumanas dos trabalhadores. Em 2017, a Unesp cobrou a análise de texto, em que o candidato precisava associar as observações do autor com a corrente literária naturalista (alternativa “C”) a partir do texto de Zola.
Já na segunda fase da Fuvest 2023, a banca usou um trecho do livro como texto de apoio para contextualizar uma questão sobre o contexto da Europa e dos trabalhadores no século 19:
Segundo a resolução comentada da própria Fuvest, o candidato poderia indicar diversos temas na alternativa “A”, entre eles luta de classes, exploração dos trabalhadores, revoluções operárias, entre outras. Já na alternativa “B”, caberiam os elementos organização dos trabalhadores, greves, surgimento de ideais socialistas, etc.
A alternativa “C” era mais complexa e exigia uma resposta mais articulada do candidato. A abordagem sugerida pela Fuvest foi de que “a referência à Revolução Francesa carrega um tom de ironia, pois ela supostamente suprimiria as injustiças e desigualdades entre os homens. Contudo, as expectativas geradas pela Revolução não foram plenamente satisfeitas. Além disso, os princípios revolucionários contribuíram para explicitar contradições do liberalismo diante da persistência das assimetrias entre os cidadãos no século XIX”.
Para quem gostou da obra
O livro de Zola faz referência ao contexto econômico e social na Europa do século 19, quando a situação dos trabalhadores era precária. Por isso, a indicação da professora para quem se interessa pelo assunto é dedicar-se à leitura de obras que retratam as condições precárias de pessoas em situações de vulnerabilidade no Brasil, como o livro “Quarto de Despejo“, escrito por Carolina Maria de Jesus, que já esteve nas listas de vestibular e foi traduzido para vários idiomas.
Há outras obras contemporâneas consideradas neonaturalistas, que retratam a realidade e as condições sociais, embora o peso do meio sobre os personagens seja distinto do Naturalismo do século 19. “Cidade de Deus“, de Paulo Lins, por exemplo, aborda a violência no conjunto habitacional que dá nome ao livro desde a década de 1960 até o domínio do tráfico de drogas em 1990.
Outros nomes mais recentes da literatura nacional têm surgido nessa vertente neonaturalista. Geovani Martins, por exemplo, é autor de “O Sol na Cabeça” e “Via Ápia“, livros que contam a realidade de jovens que vivem nas favelas do Rio de Janeiro.
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