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“O Nascimento de Vênus”: análise da obra de Sandro Botticelli

Quadro se tornou um dos símbolos do renascimento. O movimento, apesar de retomar a cultura clássica, mantinha uma profunda religiosidade

Por Redação do Guia do Estudante
Atualizado em 5 abr 2023, 11h03 - Publicado em 4 abr 2023, 18h30
Pintura data do período renascentista, mas possui fortes traços religiosos.
 (Wikimedia Commons/Reprodução)
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Muitos são os significados atribuídos a O Nascimento de Vênus, obra-prima do florentino Sandro Botticelli (1445-1510). Para alguns, o quadro simboliza a humanidade à espera do batismo, a fim de renascer em Deus. Outros defendem que essa e outras de suas obras mitológicas foram concebidas sob o prisma da filosofia neoplatônica, segundo a qual as divindades pagãs aparecem como a personificação de verdades morais ou metafísicas. A beleza, então, seria um sinal visível de Deus, o que permitiria ao pintor, sem incorrer em blasfêmia, utilizar a mesma expressão facial para Vênus e para a Virgem Maria.

Botticelli foi profundamente religioso. É possível identificar o traço sacro da personalidade do pintor mesmo em suas produções de inspiração mitológica. Em O Nascimento de Vênus, por exemplo, a deusa emerge do mar numa concha e é impelida para a praia por Zéfiro, que representa o vento oeste na mitologia romana. No entanto, Vênus aparece esvaziada de seu caráter erótico, envolta numa atmosfera de sonho.

Com asas de anjo em vez de borboleta, como costumava ser representado, Zéfiro está acompanhado por Clóris, uma ninfa por ele raptada. As ondas estilizadas causadas pelo sopro de Zéfiro trazem Vênus, em seu barco-concha, até Flora, deusa romana da primavera, que a espera na margem. Ela simboliza o renascimento e traz consigo um manto púrpura, ornado com flores e centáureas. Além das vestes que cobrirão o corpo nu de Vênus, as flores aparecem espalhadas por todo o cenário.

O centro geométrico da composição é a delicada mão da deusa, que recobre os seios recatadamente. Os corpos de Zéfiro e de Flora, ambos ao redor da deusa, formam os lados de um triângulo equilátero que domina a divisão dos espaços no quadro. A base do triângulo, onde estão os pés das personagens, se expande para além dos lados, causando a impressão de que a pintura é maior que a extensão real. Essa técnica, uma inovação introduzida por Botticelli, seria retomada no século 20 pelo pintor modernista holandês Piet Mondrian.

Os cabelos soltos e esvoaçantes de Vênus e o drapejado flutuante das vestes de Zéfiro e Flora rompem com delicadeza e movimento a estrutura geométrica da composição. O semblante da deusa do amor é introspectivo e misterioso, outro traço típico do pintor, encontrado nas expressões de diversas figuras centrais de suas obras.

Os contornos dos corpos são delineados por finos traços escuros, outra característica de sua pintura, o que torna suas figuras menos sólidas, com linhas mais sinuosas, que lembram a tradição gótica medieval. A pose de Vênus é inspirada em esculturas da antiguidade romana, como a Vênus Capitolina, que tem uma postura pudica, semelhante à deusa de Botticelli, tentando cobrir a nudez com as mãos.

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Todo o conjunto de composição, forma e aplicação de luz e cor resulta num efeito de extremo equilíbrio. “A Vênus de Botticelli é tão bela que não nos apercebemos do comprimento incomum do seu pescoço, ou o acentuado caimento dos seus ombros e o modo singular como o braço esquerdo se articula ao tronco”, escreve o historiador da arte Ernst Gombrich.

De acordo com o especialista, tais “liberdades” foram tomadas a fim de conseguir um contorno gracioso das figuras e aumentam a beleza e a harmonia do conjunto na medida em que se intensifica a impressão de um ser infinitamente delicado e terno, impelido para as nossas praias como uma dádiva do céu”, analisa.

Glória, esquecimento e posteridade

Botticelli nasceu Alessandro di Mariano Filipepi. O sobrenome artístico vem de um apelido de infância dado pelo irmão mais velho e significa “pequeno barril”, provavelmente uma alusão à aparência física do pintor.

Em aproximadamente 65 anos de vida, conheceu a glória e o esquecimento. Foi um dos mais célebres pintores de Florença e morreu ignorado pelos ricos clientes, que já não apreciavam seu estilo. O artista foi enterrado numa sepultura sem lápide.

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O Nascimento de Vênus foi uma encomenda feita pelo comerciante florentino Lorenzo de Pierfrancesco de Médici, da tradicional da família dos Médici. Grande humanista, estudioso da obra de Platão e aficionado por temas mitológicos, Lorenzo patrocinou diversos artistas ao longo do Renascimento. Mas também se cansou de Botticelli.

Seu estilo de pintura linear unia-o à tradição renascentista do fim do século 15, na qual se tentava um retorno parcial ao estilo gótico medieval, em contraposição ao naturalismo científico apresentado anos antes por um dos precursores da pintura renascentista, Tommaso Masaccio. Botticelli procurou recuperar as qualidades ornamentais da linha e buscou trazer de volta o sentimentalismo e a delicadeza das produções góticas. Contudo, na primeira década do século 16, tal estilo foi obscurecido pelas produções de pintores naturalistas como Leonardo da Vinci.

Apenas no século 19, ingleses do movimento artístico Irmandade Pré-Rafaelita redescobriram sua obra. Passaram, então, a imitar suas figuras pálidas e alongadas. Sua obra foi decisiva, também, para o art nouveau no século 20.

 

 

O Nascimento de Vênus – Sandro Botticelli

Técnica: Têmpera sobre tela

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Tamanho: 172,5 x 278,5 cm

Local: Galleria degli Uffizi, Florença (Itália)

Esse texto faz parte do especial “100 Obras Essenciais da Pintura Mundial”, publicado em 2008 pela revista Bravo!

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